capítulo 02

|Bruna Pinheiro|

Ajeitei meu vestido preto no corpo e sorri fraco. A cama estava desarrumada e tentei me convencer que a qualquer momento Thomas sairia pela porta do banheiro.

Puxei meus cachos em um rabo de cavalo simples, um pouco de corretivo para tentar esconder a feição de dias sem dormir e eu estava pronta. 

Sai do quarto, descendo as pequenas escadas. A rua estava bonita agora. Thomas e eu escolhemos uma casa simples e confortável. Dois andares, quatro quartos, uma cozinha, sala, banheiro e piscina, não achávamos necessário uma grande mansão.

A sala nunca esteve tão cheia como hoje, todos querendo prestar suas condolências a Thomas. Ele foi um homem perfeito, dedicado, amoroso e cuidadoso, Thomas nunca desrespeitou ninguém e sempre ajudou os necessitados e era por isso que eu não encontrava um motivo para a sua morte precoce.

Após cumprimentar algumas pessoas, e segurar o choro diversas vezes, finalmente, tinha tido tempo para beber um copo d'água.

Enquanto virava a água, me sentei no balcão e encarei a geladeira. Tinha uma foto nossa pendurada, estávamos felizes. Senti a lágrima escorrer pelo meu rosto, e a sequei com a palma da minha mão.

- Oi! - A voz doce de Amberly invadiu meus ouvidos, me fazendo pular um pouco. Eu não imaginava vê-la aqui.

- Oi... - Funguei um pouco.

- Como você está? - Ela acariciou minhas costas.

- Bem, na medida do possível.. - sorri fraco, tentando mostrar um pouco de positividade.

-  Eu sei que não está. - Ela se sentou ao meu lado e encarou o nada.

- Como está o Henry? - Perguntei baixo.

- Bem, eu acho.. - Ela murmurou.

A neve caia lá fora, o aquecedor aquecia os nossos corpos, mas ainda sentia falta do calor do Rio.

- Aceita um chá? - Perguntei, me levantando e indo em direção ao fogão.

- Sim, por favor. - Amberly disse, finalmente.

Fui até o armário e puxei uma pequena chaleira, enchi de água e levei ao fogo. Retirei duas pequenas xícaras do armário e alguns saquinhos de chá e amarrei-as a pequena alça. 

O som da chaleira se fez presente, e eu me aproximei, pegando pela alça, enchendo as xícaras, enquanto o vapor batia contra o meu rosto. Peguei-as nos dedos e as entreguei para Amberly.

- obrigada. - ela disse e eu assenti, levando a xícara aos lábios. Eu precisava urgentemente de me acalmar.

Sentada sobre o balcão, tamborilei os dedos sobre a mesa, fazendo um barulho agradável do contato das unhas com a madeira.

- Bom, e Heather? - Ela perguntou. 

- Está bem, eu acho. - Sorri fraco. - lidando melhor que eu, aliás. 

Rimos fraco. Heather era assim, uma mulher incrível e cheia de energia, não deixava a tristeza a abalar nunca. Eu não sei o que seria de mim sem ela agora.

- Onde ela está? - Ela perguntou.

- No parque, provavelmente, ou no cinema. - Dei os ombros.

- Agora? - Ela franziu a testa.

- Ela está me ajudando, acredite. – me levantei do banco, indo até a pia e depositando a xícara meio cheia ali.

Não consigo comer nada desde ontem e sinceramente, não me sinto faminta.

— ah, que bom que chegou, meu filho. — a voz de Amberly preencheu o ar silencioso.

Meus músculos tencionaram por alguns segundos e eu encarei a torneira aberta. Levei meus dedos até ela e fechei rapidamente, apertando-a mais do que deveria.

— Oi, mãe. — sua voz continuava rouca e grossa como eu imaginava. Ele ainda tinha o poder de me fazer estremecer um pouco, e isso me deixava irritada.

Tentando ignorar as outras pessoas da sala, tentei me concentrar em Thomas e nas suas palavras antes de morrer. Minha cabeça estava a mil naquele momento, mas agora, eu podia entender com clareza.. eu podia fechar os olhos e vê-lo a minha frente.

"Eu amo você..", eu conseguia me lembrar disso. Forçando um pouco mais a minha cabeça, consegui me  lembrar das suas últimas palavras balbuciadas.

"Conte a ele.", mesmo antes de morrer, Thomas jamais desistiu disso.

As lágrimas molhavam meu rosto por completo agora, enquanto eu apertava a borda da pia com força, fazendo meus dedos ficarem brancos. O soluço escapou alto, chamando a atenção dos presentes.. eu não tinha me permitido chorar desde que cheguei, não queria que Nicholas visse.

Nicholas, meu filho. Estava grávida dele quando fui embora da casa de Henry, não era de Thomas.. ele passou do meu lado toda a gravidez, ele esteve lá quando Nicholas deu seu primeiro choro, ele estava lá... eu vi a felicidade em seus olhos quando ele o segurou pela primeira vez. Quando Nic fez seu primeiro ano, Thomas me pediu em casamento e eu aceitei.. ele era tudo aquilo que eu precisava. 

Thomas esteve lá para tudo, o primeiro dente a crescer, seus primeiros passos, as suas primeiras palavras. Thomas esteve na sua primeira febre, no seu primeiro resfriado, sua primeira ida ao hospital.. ele cuidou do meu filho como se fosse dele.

Além de tudo, Thomas ensinou a Nicholas que ele não era o seu pai de sangue, mas que o amava como um. Eu não queria que ele soubesse, mas Thomas queria ser sincero, ele achava que Nic merecia saber e eu não discuti.. A única coisa que Nic não sabia, era quem é seu pai.. e droga, agora eu estou soluçando nos braços dele.

— Vai passar, querida. — Henry sussurrou, acariciando meus cachos.

— Eu não consigo fazer isso sozinha. — Eu disse entre o choro.

— Eu estou aqui, não precisa fazer nada sozinha. — Ele disse baixo.

— Não, você não pode. — me afastei dele, secando o meu rosto. — Você vai me odiar, você não entende.

— Por que eu te odiaria? — Ele levantou uma das sobrancelhas.

Reparei seu smoking molhado pelas minhas lágrimas e desviei os olhos para a janela aberta atrás de mim. Amberly olhava para nós atentamente, parecia querer me decifrar e droga, eu odiava isso.

Abri a boca tentando formular uma frase, sem efeito algum. Eu não conseguia falar.

— Henry.. — Eu disse por fim e fiz uma longa pausa. — Quando eu fui embora, eu... — Fui interrompida pela alegria de Nicholas, enquanto ele entrava saltitante pela porta.

— Mamãe! — ele se aproximou e agarrou minhas pernas.

Meu menino tinha somente cinco anos, mas era a criança mais elétrica que eu conhecia. Além do seu português impecável, conseguia ser bastante maduro para a sua idade, tentando compreender os limites que eu impunha.

— Nicholas. — Eu sorri fraco e o peguei no colo. Ele passou suas mãos pelo meu pescoço e depositou um beijo estalado.

— Ele é seu filho? — Henry perguntou.

Era impossível não notar a semelhança entre os dois, Nicholas era negro claro, como eu, mas havia herdado os belos olhos azuis do pai e seus cachos eram tão negros quanto os de Henry, o sorriso e o nariz eram tão idênticos, que qualquer um, a dez quilômetros daqui conseguiria ver.

— Sim. — Eu disse rápido, mordendo o lábio inferior.

— Com Thomas? — Sua voz falhou por um segundo e eu me apoiei na pia, colocando Nic sentado no pequeno mármore escuro.

Abri a boca para responder, mas fui interrompida pela voz do meu pequeno homenzinho, que balançava suas pernas para lá e para cá:

— Não, mas o Papai Thomas disse que me amava como se eu fosse dele. — Nic sorriu com seus dentes brancos e perfeitamente alinhados.

Henry me encarou e eu engoli o seco. Ele parecia um pouco desesperado e eu queria poder abrir um buraco no chão e me enfiar. Eu não queria passar por isso agora.

— Ele é meu? — Henry perguntou. Fechei os olhos e respirei fundo. — Me responde.

Fiquei em silêncio e encarei a janela novamente. Um pequeno pássaro pousou ali e nos olhos atentamente.

— Quantos anos você tem, Nicholas? — Henry se aproximou do menino que o encara curioso. Seus lindos olhos azuis arregalados, enquanto percebia a proximidade repentina do pai.

— Cinco. — Ele respondeu e levantou sua mão, deixando seus dedos bem abertos. — Você é o meu pai? — Ele levantou uma das sobrancelhas e pendeu a cabeça para o lado.

— Droga. — Heather disse. — Me desculpa, tive que ir ao banheiro.

— Tudo bem, Heat. — Ela sorriu fraco.

— Vamos, Nicholas. — Ela disse rápido. — Você precisa de um banho, Capitão Sujeira.

— Eu não estou fedendo. — Nic reclamou, fazendo uma careta. — E o moço não respondeu a minha pergunta. — Ele cruzou seus pequenos braçinhos na frente do corpo. Ri fraco, Thomas dizia que ele era tão teimoso quanto eu.

— Está sim, querido. — Eu disse. — Obedeça a sua tia e vá tomar banho.

— Só se você vir junto. — Ele fez bico.

— Ok. — Salva pelo gongo. — Conversamos mais tarde,  Henry.

Ele assentiu, ainda estático no lugar. Desci Nic do balcão e segurei suas mãozinhas, enquanto o levava até o andar de cima. Seu quarto todo decorado por Thomas, era o lugar preferido de Nicholas na casa. Eles eram muito ligados.

Após seu banho, Heather preparou algo para que Nicholas comece. O garoto parecia animado enquanto me contava sobre o seu dia.

— Que horas o papai volta? — Ele perguntou, depois de terminar o seu toddynho. 

— Querido, a mamãe precisa conversar com você. — Ele me olhou calmo, enquanto eu sentia meus olhos se encherem de lágrimas. — o seu pai, o Thomas, ele foi morar com o papai do céu ontem.

— Ele não volta mais? — Ele disse triste, seus olhinhos molhados pela agua.

Neguei com a cabeça, enquanto Nic começava a chorar  alto, provavelmente, permitindo que todos da casa ouvissem. O mais novo pulou da sua cama em formato de foguete e correu quarto a fora. Me levantei, tentando o alcançar.

— Papai. — Ele gritava, enquanto abria todas as portas da casa. — Tia Heather, cadê o meu pai?

Heather estava chorando agora, pela primeira vez desde que recebeu a notícia.

— Vem cá. — Ela abriu os braços, e se sentou no sofá com o menino no colo.

O lugar estava silencioso agora. Desci as escadas devagar, tomando cuidado para não cair e me sentei ao lado dos dois.

Heather o abraçou forte, enquanto sussurrava algo em seu ouvido. Nicholas assentiu e escondeu seu rosto nos fios lisos de Heat, a moça se aproximou e encostou no meu ombro. Suas lágrimas me molhando, enquanto eu lutava para ser forte agora.

Henry não me importava agora e nem a sua perseguição para saber se Nicholas era seu filho ou não. Eu só precisava cuidar das duas coisas que me lembravam Thomas agora:

Heather e o próprio Nicholas. Minha prioridades.

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