Cecília
Três meses se passaram desde o pior dia da minha vida e eu sequer recebi qualquer notícia, qualquer informação, novidade ou uma mínima suspeita da polícia. Parecia que nada estava sendo feito, e eu acreditava firmemente naquilo. Até porque o maior suspeito no caso era ninguém menos que praticamente, o “chefe” da cidade, então eu mesma precisava fazer alguma coisa ou nada se resolveria. Ficar parada ali me afundando na depressão que me consumia desde então, não me levaria a absolutamente nada. Muito menos à minha filha.
— CECI! — minha amiga Bianca gritou me tirando daqueles pensamentos que me atormentavam 24h por dia. — Caramba mulher, estou te chamando a horas! — ela completou enquanto adentrava a cozinha, onde eu estava lavando a louça.
— Ah, oi, não te vi chegando... — sorri, tentando parecer no mínimo animada para não preocupar mais a minha amiga, mas sabia que aquilo tinha falhado logo de cara. — Já está saindo?
— Ih, Terra chamando Cecília! Já não né, estou atrasada! Meu despertador não tocou. Olha essa hora! Preciso correr, aquela lanchonete não anda sem mim. — Disse enquanto pegava uma torrada com manteiga na mesa e vinha me dar um beijo no rosto. — Você está bem mesmo? Eu posso pedir o dia de folga de hoje, eles estão me devendo no mínimo uns cem!
— Que isso, claro que estou! Pode ir trabalhar tranquila. — Forcei novamente um sorriso tentando convence-la, mas mais do que a mim mesma, só Bianca para me conhecer tão bem. Morávamos juntas há mais ou menos dois anos, mas nos conhecíamos à no mínimo uns seis. Fui morar com ela, depois de uma briga feia com meu pai, por conta do mesmo filho da mãe que tirou minha filha de mim. Eles obviamente não aprovavam o nosso relacionamento, e com toda razão, mas como uma menina boba e apaixonada, eu fechei meus olhos para tais defeitos que meus pais viam claramente. Pelo visto, todos viam, menos eu.
Bianca me olhou profundamente nos olhos e como se lesse meus pensamentos me disse:
— Amiga, eu sei que está sendo difícil e demorado, mas confie na polícia e deixe que eles cuidem disso. Se você se meter, pode piorar as investigações. — Ela passou a mão pelo meu rosto e já estava saindo, quando virou para mim e completou, mais uma vez lendo a minha alma. — E por favor, não vá atrás daquele traste. Ele é perigoso e você mais do que ninguém já está ciente disto! — Sorrindo, saiu me jogando um beijo e desejando bom dia.
É, eu devia mesmo seguir os conselhos da minha amiga, mas ficar parada ali estava acabando comigo, cada dia mais. Nada e nem ninguém seriam mais capazes de me colocar medo. Eu ia confrontar Leonardo sim, pois não importava o que a polícia investigara ou não, estava mais claro que água pra mim, que ele estava envolvido até o ultimo fio de cabelo dele naquilo.
A casa de Leonardo era no bairro vizinho, mas não ficava distante, então fui caminhando no intuito de esfriar a cabeça até chegar lá, porque só de pensar na possibilidade daquele moleque covarde ter roubado a minha filha pra esconder a paternidade e fugir de suas responsabilidades, já fazia meu sangue ferver.
Aquele bairro não era tão melhor quanto quem eu estava indo encontrar, pequenos grupinhos mal encarados, se reuniam em vários cantos dali e se esgueiravam, e observavam cada movimento das pessoas que passavam, então apertei o passo até chegar no portão pichado que eu havia visto uma única vez até então, e foi justamente quando achei que nunca mais veria.
Leonardo se dizia muito reservado e nunca me levara a casa dele no nosso quase um ano e meio de namoro. Inventava sempre uma desculpa preocupado com minha integridade, dizendo que o bairro não era seguro para uma mulher como eu, e realmente não era segura para nenhuma mulher mesmo. Mas a verdade, que infelizmente descobri muito tarde, era que ele não queria que eu descobrisse quem ele realmente era. Um bandido, viciado, que se fazia de santo e bom moço para impressionar meninas inexperientes como eu, na época. Uma pessoa cuja índole era mais do que duvidosa e que comandava cada corrupção daquela cidadezinha. Ou como ele gostou de se intitular no nosso último encontro: O poderoso chefão.
Respirei profundamente antes de apertar a campainha firme. Sem resposta. Tentei de novo, e mais uma vez ninguém atendeu. Pressionei com mais força e por um tempo maior, ouvi passos e o portão abriu. Leonardo estava de cueca box e alguém o seguia logo atrás, uma mulher. Senti pena da moça. Seria mais uma de suas “vitimas”? Não quis parecer simpática então sem permissão, adentrei o portão convicta, me dirigi a Leonardo sem delongas ou filtros pela espectadora e com o dedo em riste o ameacei.
— Escuta aqui Leonardo, eu não quero saber de mais mentiras, então vamos direto ao assunto ou você me diz onde está a minha filha ou eu vou acabar com a sua vida, tá me ouvindo? — o babaca que me olhava estático até então, teve a pior das reações; Ele riu. Gargalhou na verdade, e eu não aguentei. Sentei a minha mão na cara dele assustando a moça e o deixando nitidamente puto da vida. Ele mandou a garota ir embora imediatamente e depois de fechar o portão com violência, segurou o meu braço com força me levando pra dentro de sua casa. O cheiro da maconha, era forte e eu quase não aguentei segurar a ânsia que vinha, mas me mantive forte e de cabeça erguida. Como disse, nada e nem ninguém me colocaria mais medo, depois de terem arrancado de mim a minha própria vida, a minha filhinha... eu só queria ter a minha bebe comigo novamente.
Provavelmente devido a droga que claramente havia consumido recentemente, ele me jogou no sofá e começou a gritar, mais fora de si que o normal que havia conhecido à alguns meses, quando dei a notícia de que estava grávida.
— Quem você pensa que é, vadia? Vem na minha casa, me ameaça e ainda me bate na frente da minha convidada? Você é maluca? Ainda não percebeu quem eu sou? Me ameaça de novo e serei eu a acabar com a tua vida antes mesmo de você tentar qualquer coisa contra mim. — Ele pausou com um sorriso sarcástico no rosto antes de continuar — Ou antes mesmo de você conseguir encontrar aquele bebê ridículo.
Não pude conter as lágrimas que forçaram a escorrer dos meus olhos ouvindo o tom de desprezo que aquele ser demoníaco dizia sobre minha filha... nossa filha afinal!
Ameacei me levantar, mas ele me empurrou novamente, meu corpo estava tremulo de tanta raiva e eu só conseguia chorar agora. Falhei em ser forte diante de tanta atrocidade, mas reuni o que restara e me ergui novamente apenas pegando minha bolsa que havia caído no chão e de cabeça erguida sai o mais rápido que pude dali, mas ainda ouvi ele gritar umas últimas palavras que quase me fizeram parar em choque.
— Você nunca vai achar aquela criança, sua imbecil! Eu a abandonei em outra cidade e essa hora já tá mais longe, talvez, até morta. — Enquanto falava, ele ria alto e o ultimo som que ouvi foi do portão batendo.
Caminhei cada vez mais rápido em busca do refúgio da minha casa. Sabia que Bianca não demoraria muito mais a chegar e eu não queria que ela soubesse que eu tinha quebrado minha promessa de não ir confronta-lo.
Eu não saberia dizer o que estava sentido de fato, era um misto de sentimentos, ele podia estar falando a verdade por estar muito puto comigo e saber que aquilo me machucaria horrores, mas ele também poderia estar mentindo pra poder me machucar igualmente ou mais, quando eu de fato, não encontrasse minha bebezinha.
Não importava o que estava certo ou não, eu precisava tentar todas as opções, ao menos agora, eu já sabia por onde recomeçar. Precisava voltar pra minha cidade natal e isso consistia em voltar para casa dos meus pais. Então hoje à noite mesmo, eu conversaria com Bianca e ligaria pra eles. Fazia alguns meses que voltávamos a nos falar depois de um longo e emocionante pedido de desculpas de ambas as partes, e obviamente eles fariam qualquer coisa como eu, para achar sua netinha.
Eu precisava achar minha filha, e em momento algum me agarrei nas últimas palavras que ouvi Leonardo dizer, pois eu sentia que ela estava viva, mas não era ali mesmo que a encontraria e acredito eu, o mais longe que Leonardo conseguiria ir com uma recém nascida seria a cidade vizinha na qual eu nasci e fui criada.
Fernando Os últimos meses tinham sido insuportáveis sem ela. Eu estava quase desistindo de tudo se não fosse por minha filha e Leda, que aliás, se tornara essencial nas nossas vidas. Se não fosse Leda, eu não sei de onde teria achado forças após a partida de Paty. Minha esposa, falecera de modo quase que natural, sua saúde, segundo o médico estava estável, mas por alguma razão, naquela última semana havia piorado três vezes mais. Havia aproximadamente um ano agora que ela partira, e gosto de pensar que ela não sofrera tanto quanto em vida com aquela doença maldita que já à perseguia por anos. A luta diária agora era pra me reerguer, pois eu tinha certeza que Paty estaria muito triste me vendo destruído assim. Minha filha chegara em nossas vidas e convivera com a mãe apenas por pouquíssimo tempo, mas eu tinha a impressão de que ela sentia sua falta tanto quanto eu, ou até mais, já que Paty, mesmo que um pouco ma
CecíliaHá alguns meses eu cheguei aqui na casa dos meus pais e diferente do que pensei, fui muito bem recebida, sem muitas perguntas ou julgamentos, como eles faziam quando eu namorava aquele traste. Ah se eu pudesse voltar no tempo e dar ouvidos aos meus pais... Não, senão eu não teria tido a minha Gio, e o meu amor por ela, superava qualquer adversidade de qualquer momento da minha vida.E por falar nela, desde o primeiro momento que eu coloquei meus pés aqui, não parei de ligar para orfanatos locais e até das cidades mais à frente, porém não alcancei nem sequer um fio de sucesso. Na maioria dos locais, eles não podiam dar tais informações e nas outras, quando eu finalmente aprendi a implorar e fiz minha narrativa rotineira, eles não tinham dados nem sequer similares ao da minha menininha.Eu realmente n&atil
Cecília Subi os poucos lances de escada, ainda respirando mais ofegante por conta do peso da mala, abri a porta de casa e entrei, ainda em choque por tudo que acabara de acontecer. Minhas pernas estavam bambas e eu não saberia dizer se pelo susto do quase atropelamento, se por correr todo aquele trajeto ou se por ter visto aquela criança. Apoiei minhas costas na porta que havia fechado e me deixei escorregar, sentando no chão com as mãos tapando o rosto, tentando conter o choro. Eu sabia que nunca superaria aquela situação, mas não sabia que ficaria tão atordoada apenas por ver um serzinho tão pequeno como aquele. Ela devia ter mais ou menos a idade da minha Gio agora e acho que foi isso, o que mais me abalou. Senti meu celular vibrar no bolso da calça e peguei pra ver a mensagem da minha amiga. Percebi que a que eu tinha enviado, estava totalmente distorcida, provavelmente por conta do susto, eu devo ter apert
FernandoHavia muito a ser feito, afinal, começar do zero não era mesmo fácil. Tinha levado Aurora comigo para a clínica que consegui naquele mesmo centro comercial que mostrei a Leda no fatídico dia da decisão final. As creches locais não tinham mais vagas naquele ano, então precisaria arrumar alguma babá o quanto antes para ficar com minha princesinha, pois a inauguração já estava atrasada.Abriríamos em dois dias e eu precisava planejar a finalização do local logo. O espaço não era enorme, mas era ótimo para o meu propósito. Daria pra abrigar em média 20 animais por vez. Queria poder além de tratar os animais domesticados, tratar igualmente e voluntariamente os animais de rua, então as obras para a criação de canis e gatis limpos e modernos para o confor
Cecília Acordei mais decidida que nunca a sair pra buscar emprego, afinal aqueles aplicativos não estavam dando retorno algum desde antes de ir para a casa dos meus pais até. O destino realmente não estava feliz comigo, pregando uma peça atrás da outra, desandando a minha vida sem limites há um ano, não duvidaria se em mais isso, ele não me derrubaria. Como toda manhã, nada tinha mudado, eu sempre acordava mais cedo do que Bia mesmo ela já estando atrasada, então arrumei a mesa e fiquei imaginando como havia sido esse tempo que não estive ali, ela provavelmente nem comia direito, aposto. Ouvi ela saindo do seu quarto que ficava no meio do comprido corredor que ligava a sala ao banheiro e me inclinei para frente sob a bancada da nossa cozinha americana pra implicar com ela. — Deu formiga na cama é senhorita? — ela olhou pra trás debochando, enquanto caminhava pro banheiro escovando os cabelos. — Não, eu tenho que
Fernando Cheguei cedo na clínica aquele dia, por duas razões muito nobres. Primeiro, tinha uma paciente à minha espera, com filhotinhos recém nascidos e segundo porque minha salvadora estava em casa para cuidar da minha pequena, me dando a chance de me dedicar mais àquela nova fase. Por ainda ser pequeno e pouco conhecido por ali, não via necessidade de ter uma recepcionista ainda e caso precisasse de plantão, eu procuraria algum estagiário para fazer um freelance. Conseguiria facilmente me virar sozinho por hora e assim, ter menos gastos. Não que isso fosse algum problema, mas eu prezava pelo futuro da minha princesinha dali pra frente e só queria deixar o melhor pra ela. Portanto, após verificar minha paciente especial e seus filhotinhos, sentei no balcão da recepção com meu notebook pra mais uma nova busca de babás, afinal Leda não poderia ficar muito além do final da semana. Já estava me dando por vencido e telefonando para
Cecília Meu corpo inteiro doía e eu sabia que não era só o cansaço de ter dormido pouco na noite passada. Doía de medo e nervoso por estar indo pra casa de um homem, cujo a filha tão pequena e ingênua me causou tantos sentimentos em míseros segundos. Depois que cheguei em casa na noite anterior, se passaram pouco mais de duas horas e Fernando me ligou, dizendo para que eu chegasse por volta das oito da manhã que era o horário que ele costumava sair de casa para a clínica. Ao me passar o endereço, percebi que morávamos muito próximos, em ruas paralelas, e até passei a gostar mais da ideia de trabalhar ali, já que eu poderia ir andando e pouparia muito mais o meu tempo para a busca da minha filha. Mas sempre que lembrava daquela bebezinha linda de olhos verdes, como a minha Gio, rindo para mim de dentro do carro, eu já suava frio. Por isso, passei o curto trajeto todo, mentalizando o mantra que criei na madrugada
Fernando Hoje era o dia de me despedir da minha Ledinha, ela sairia de viagem e eu não poderia deixar de leva-la à rodoviária. Por isso, no dia anterior, antes de sair, coloquei um aviso na porta do consultório, que chegaria um pouco mais tarde hoje. Os meus poucos clientes conquistados nesses cinco dias de abertura, já estavam atendidos como devido, então não tinha com o que me preocupar por ora. Porém, mesmo assim, acordei mais cedo que o normal, no intuito de preparar um belo café da manhã de surpresa para nossa convidada mais que especial. Leda merecia o mundo todo só pra ela, mas como eu não tinha esse poder ainda, o menor gesto de amor retribuído a ela, já era válido. Tomei um banho, me vesti