Fernando
Cheguei cedo na clínica aquele dia, por duas razões muito nobres. Primeiro, tinha uma paciente à minha espera, com filhotinhos recém nascidos e segundo porque minha salvadora estava em casa para cuidar da minha pequena, me dando a chance de me dedicar mais àquela nova fase.
Por ainda ser pequeno e pouco conhecido por ali, não via necessidade de ter uma recepcionista ainda e caso precisasse de plantão, eu procuraria algum estagiário para fazer um freelance. Conseguiria facilmente me virar sozinho por hora e assim, ter menos gastos. Não que isso fosse algum problema, mas eu prezava pelo futuro da minha princesinha dali pra frente e só queria deixar o melhor pra ela.
Portanto, após verificar minha paciente especial e seus filhotinhos, sentei no balcão da recepção com meu notebook pra mais uma nova busca de babás, afinal Leda não poderia ficar muito além do final da semana. Já estava me dando por vencido e telefonando para
Cecília Meu corpo inteiro doía e eu sabia que não era só o cansaço de ter dormido pouco na noite passada. Doía de medo e nervoso por estar indo pra casa de um homem, cujo a filha tão pequena e ingênua me causou tantos sentimentos em míseros segundos. Depois que cheguei em casa na noite anterior, se passaram pouco mais de duas horas e Fernando me ligou, dizendo para que eu chegasse por volta das oito da manhã que era o horário que ele costumava sair de casa para a clínica. Ao me passar o endereço, percebi que morávamos muito próximos, em ruas paralelas, e até passei a gostar mais da ideia de trabalhar ali, já que eu poderia ir andando e pouparia muito mais o meu tempo para a busca da minha filha. Mas sempre que lembrava daquela bebezinha linda de olhos verdes, como a minha Gio, rindo para mim de dentro do carro, eu já suava frio. Por isso, passei o curto trajeto todo, mentalizando o mantra que criei na madrugada
Fernando Hoje era o dia de me despedir da minha Ledinha, ela sairia de viagem e eu não poderia deixar de leva-la à rodoviária. Por isso, no dia anterior, antes de sair, coloquei um aviso na porta do consultório, que chegaria um pouco mais tarde hoje. Os meus poucos clientes conquistados nesses cinco dias de abertura, já estavam atendidos como devido, então não tinha com o que me preocupar por ora. Porém, mesmo assim, acordei mais cedo que o normal, no intuito de preparar um belo café da manhã de surpresa para nossa convidada mais que especial. Leda merecia o mundo todo só pra ela, mas como eu não tinha esse poder ainda, o menor gesto de amor retribuído a ela, já era válido. Tomei um banho, me vesti
Cecília Já estava no meu terceiro dia com Aurora, dessa vez sem Leda e agora um pouco menos desconfortável com minha própria situação, mas ainda assim, muitas vezes nervosas com certos gestos da própria bebezinha. Com ela no colo, observamos o carro de Fernando seguir viagem em direção a rodoviária e acenamos alegres pra ele. Voltei a entrar pra dentro da casa com ela e respirei fundo olhando nos olhos daquela que tão inocentemente me assustava. — Oi minha fofinha, então, o que quer fazer hoje só com a tia Cecí? — Aurora olhava pra mim extremamente sorridente e eu me sentia estranhamente feliz com aquilo. Não completa, é claro, afinal minha filha ainda não estava comigo. Mas feliz por ter a oportunidade de ter Aurora em minha vida por agora. — Ah sim, parquinho seria uma ótima ideia. Eu ia adorar! Vamos trocar você, levar uns brinquedinhos e nos divertir muito. — Eu continuava conversando com ela
FernandoMais uma vez, ela havia corrido dele e Aurora. Como Leda poderia dizer para eu confiar nela, se era pior que bicho do mato? Ri com a comparação e caminhei até o berço da minha filha. Ela havia acordado e eu estava doido para abraça-la depois de um dia exaustivo.Claro que justo no dia que eu resolvia chegar atrasado, era o dia que receberia dois novos clientes de uma vez não é mesmo? Quando cheguei na clínica havia um papel colado por cima do meu aviso com um telefone, e assim que abri a porta, avistei outro. Telefonei para ambos e fui até suas respectivas residências. Afinal, não os faria se deslocar novamente, já que o erro havia sido meu. Atendi uma calopsita e um cãozinho filhote que havia ingerido algo indevido, típico para sua idade.Quando voltei dos dois atendimentos, recebi mais um novo cliente a procu
Cecília Acordei, mas continuei deitada. Ainda me sentia envergonhada pelo ocorrido na noite passada. Eu pegara no sono em meio ao serviço. O que Fernando devia estar pensando de mim agora? Eu deveria estar muito bem acordada, tomando conta de sua filha. Mas não, eu tinha que ter passado essa vergonha no meu primeiro dia sozinha com ela né? Bufei irritada comigo mesma e levantei logo, afinal, chegar atrasada estava longe de ser uma opção naquele momento. Fui pra cozinha começar a preparar as coisas e me deparei com Bia. — Uau, que bicho te mordeu? Levantando cedo hein, quem diria. — Impliquei e ela fez uma careta. — Pensei em ir com você até a casa do Fernando e acompanhar ele até a clínica para poder ver os filhotinhos antes de entrar na lanchonete. — Ela deu de ombros. — Ah, nem me fale em Fernando. Não sei como vou ter coragem de olha-lo hoje. — Tapei o rosto enquanto ria de vergonha.
Cecília Algumas semanas se passaram desde aquela intensa primeira troca de olhares que eu e Fernando trocamos. Faíscas vinham aumentando nesses dias e era totalmente perceptível o que aquilo me causava. Mas eu não vou negar que estava adorando aquele joguinho. Nosso dialogo continuava sucinto, mas de certo modo, não fazia a menor diferença já que nossos olhares diziam muito mais que mil palavras. Outra coisa que eu vinha percebendo era a falta de semelhança de Aurora com Fernando, e até mesmo com Patrícia, sua falecida esposa. Caminhando pela sala enquanto embalava Aurora em sua soneca da tarde naquele dia, vislumbrei algumas fotos de família que Fernando havia exposto recentemente pela sala. Ambos eram morenos. Ele de olhos azuis
Fernando Cecília se despediu e saiu com pressa sem me dar a chance de responder, já estava tão acostumado com aquilo que apenas dei de ombros e coloquei minha filha de volta na cadeirinha para ir cortar e amassar o mamão pra ela. Coloquei o potinho com uma colherzinha em formato de bichinho na frente de Aurora para que ela comesse, ou melhor, brincasse com o mamão sozinha, pois ela sequer comeu alguma coisa enquanto eu começava a preparar o meu jantar. Me sobressaltei com uma espécie de gargalhada, ouço dizer, um pouco macabra, que ouvi vindo lá de fora, mas não me importei em conferir, até que em um momento, escutei um homem se alterar e pareceu ser bem perto à minha porta. Olhei por entre a cortina da janela da cozinha e o meu sangue ferveu quando assimilei aquela cena em poucos segundos. Não por ser quem era, ficaria assim com qualquer pessoa é claro, mas pareceu que meu corpo inteiro reagira pior po
Cecília Enquanto Fernando falava com minha amiga ao telefone no outro cômodo, peguei Aurora no colo para brincar um pouquinho com ela. Tal foi minha surpresa, quando me virei e me deparei com Nando me observando silenciosamente recostado na porta que dividia a cozinha do corredor da escada. Um pouco sem graça, tentei entregar a bebezinha a ele e percebi seus olhos marejados. Me preocupei achando que era algo com Bia, então perguntei. — Aconteceu alguma coisa com Bianca? — Pigarreei e olhei para baixo. — Você me parece um pouco... triste. — Ah não, não. Está tudo certo com ela. — Ele levou uma das mãos aos olhos, me dando a certeza de que ele havia chorado em algum momento. — Eu ofereci que ela viesse me auxiliar na clínica enquanto não acha outro emprego melhor. — Ele disse vindo em minha direção pra pegar a filha. — Vamos deixar a tia Cecí a vontade agora não é meu amor? O último quarto no final do corredor, tem