Capítulo 4

Cecília

Há alguns meses eu cheguei aqui na casa dos meus pais e diferente do que pensei, fui muito bem recebida, sem muitas perguntas ou julgamentos, como eles faziam quando eu namorava aquele traste. Ah se eu pudesse voltar no tempo e dar ouvidos aos meus pais... Não, senão eu não teria tido a minha Gio, e o meu amor por ela, superava qualquer adversidade de qualquer momento da minha vida.

E por falar nela, desde o primeiro momento que eu coloquei meus pés aqui, não parei de ligar para orfanatos locais e até das cidades mais à frente, porém não alcancei nem sequer um fio de sucesso. Na maioria dos locais, eles não podiam dar tais informações e nas outras, quando eu finalmente aprendi a implorar e fiz minha narrativa rotineira, eles não tinham dados nem sequer similares ao da minha menininha.

Eu realmente não tinha como dar muitas informações dela, pois foi tirada de mim logo após o parto. Mas eu sentia que estava chegando perto. Ou pelo menos, queria acreditar nisso.

Não eram nem oito horas da manhã e eu já estava pendurada no telefone, com o meu smartphone acesso. Na tela, uma lista de números dos orfanatos mais próximos que pesquisei no g****e. Desligava de uma ligação quando meu pai adentrou a cozinha.

— Bom dia filha, começou mais cedo hoje? Quer ajuda com a lista nova? — meu pai perguntou enquanto dava um beijo no topo da minha cabeça e eu pensava, quando eu poderia fazer o mesmo com a minha garotinha?

— Bom dia pai, não sei, acho que comecei no horário de sempre, não estou muito ligada nisso, só não consigo dormir. E não, muito obrigada, deixa que eu quero insistir de um em um, sozinha. Com você, eles podem achar suspeito, ou coisa do tipo... — respondi meu pai sem prestar muita atenção nele. Meus dedos já digitavam outro número nesse momento.

Uma senhora com uma voz doce me atendeu, enquanto meu pai puxava a cadeira à minha frente, me observando. Narrei todo o meu roteiro novamente com ela, e a resposta foi a de sempre. “Não podemos liberar essas informações, mas desejamos sorte em sua busca!”, insisti mais um pouco, o meu sexto sentido nunca falhara e eu sabia que ela era muito gentil pra deixar uma mãe desesperada sem respostas.

— Por favor, posso deixar meu número com a senhora pelo menos? — perguntei com a voz embargada antes que desligasse. — Eu faria qualquer coisa pra ter minha filha de volta. — A senhorinha ficou muda por alguns instantes, mas logo concordou, escutei do outro lado da linha ela rasgando uma folha de caderno e pelo tilintar de alumínio, ela pegara algo no porta-lápis para anotar. Respirei aliviada e passei o meu número com o meu nome e desliguei ainda esperançosa, partindo para o telefone seguinte. Meu pai continuava observando, por trás da borda de sua caneca, lá do outro lado da mesa redonda e eu o olhei já sabendo o que ele falaria.

— Fala pai, o que quer falar? — revirei os olhos e segui atenta nos números.

— Filha, você sabe que a polícia já está cuidando disso. Eu e sua mãe, tanto quanto você, perdemos nossa netinha também, mas você mais do que ninguém também, sabe do que aquele canalha é capaz. Por favor, é perigoso. — Eu nunca ouvira meu pai tocar no nome de Leonardo com tanta calma como naquela manhã, mas ele não entendia que justamente por eu agora saber quem era ele, eu tinha a total certeza que nada seria resolvido, porque nessa altura, a polícia inteira de Bellavista já tinha sido calada por ele.

— Pai, você não entende! Leonardo é traficante, bandido, corrupto, um filho da... — Meu pai me interrompeu com seu olhar como se eu fosse uma menininha de dez anos que não podia falar palavrão e eu apenas bufei acatando. — Que seja, entenda pai, é por eu conhece-lo, que sei que nada será feito se não for por minhas próprias mãos.

Ele se inclinou um pouco mais pra frente na mesa e pegou minhas mãos juntando nas dele. — Ah filha, tudo bem, eu confio em você. Sempre confiei, até mesmo quando preferiu passar por cima de nossos conselhos, eu sabia que você faria a coisa certa quando tomasse conhecimento por si só. O coração apaixonado, nos deixa cego, eu sei, mas estou falando novamente pelo seu bem. Eu me preocupo com o que ele pode fazer contra você. — Minha mãe chegava na cozinha agora, completando a única família que eu tinha conhecimento, desde que me entendia por gente. Como meu pai, beijou o topo da minha cabeça dando bom dia e pegando uma xicara no armário se juntou a nós. Resolvi parar por uns minutos os telefonemas para tomar café da manhã com eles, afinal por quase dois anos, não fazíamos isso e a saudade bateu forte por várias vezes.

Mais algumas semanas e telefonemas mais tarde, minhas opções já acabavam e eu percebia que o que aquele lixo me falara, era na verdade uma mentira deslavada. Não obtive qualquer resultado positivo ali, então decidi voltar à estaca zero e começar tudo de novo, mas mais minuciosamente do que antes, e se fosse necessário, enfrentaria Leonardo de novo, não importava. Eu só queria respostas, um norte novamente, e dessa vez, verdadeiro.

Como sempre, meu pai acordara antes da minha mãe, e também como todos os outros dias, me dava bom dia beijando minha cabeça. Comuniquei a ele o que pretendia fazer e diferente do que eu esperava, ele acatou... Com uma condição, que ele estivesse junto comigo em qualquer decisão que eu tomasse. E eu entendia bem que ação em especifico ele se referia. Obviamente eu não levaria meu pai ao encontro de Leo, mas apenas concordei com seus termos e condições e assinei a papelada imaginaria. Tentei o último número que tinha e como previa, sem sucesso.

Subi para o meu quarto já mandando mensagem para Bianca, perguntando se teria algum problema eu voltar a morar com ela. Minha amiga respondeu animada que não via a hora desse dia chegar e então comecei a arrumar minhas coisas para voltar.

Era engraçado pensar que naquele mesmo quarto eu vivi meus momentos mais diversos. Era ali que eu conversava com minhas amigas de colégio por telefone, horas a fio, falando de banalidade, desde a Barbie que iriamos ganhar naquele natal, ao primeiro beijo de fulana com o menino mais bonito da nossa sala. Foi ali também, que eu planejei meu vestido de casamento e quantos filhos eu queria ter, naquelas brincadeiras de papel sem noção que a gente amava brincar. E foi ali que chorei tantas vezes, como toda adolescente que se decepciona com namoricos, amizades e sermões dos pais. O quarto ainda era o mesmo, com minha cama pintada a mão de cor de rosa com florezinhas, por mim e minha mãe, minha estante de livros eram igualmente artesanais, feitas com caixotes de frutas e desenhos meus, e eu só imaginava como seria bom, se tudo tivesse corrido como o combinado.

Eu daria luz a minha filha e viria morar novamente com meus pais, sem sequer mencionar Leonardo em qualquer que fosse a ocasião que perguntassem sobre o pai. E esse quarto, provavelmente seria meu e de Gio agora e ela crescia tão feliz quanto eu fui aqui. Algumas lágrimas começavam a escorrer nas ultimas peças que eu dobrava enquanto imaginava tudo isso, quando ouvi alguém bater à porta.

— Filha, posso entrar? — minha mãe perguntou enquanto já começava a virar a maçaneta.

— Claro mãe, só estou arrumando a mala. — Me apressei a secar o rosto com a barra da manga do suéter que eu usava e se ela percebeu, eu não saberia dizer, pois me mantinha de costas pra ela pra não demonstrar mais do que já estava claro, a minha dor e insatisfação comigo mesma.

— Seu pai me contou que está voltando pra recomeçar as buscas. Você está mesmo certa disso? — eu apenas afirmei com a cabeça, olhando-a de cabeça baixa e forçando um sorriso. — Tudo bem então, eu estou aqui pra te apoiar a qualquer momento e em qualquer coisa ok? Quero que se lembre disso sempre que achar que chegou o fim. — Sem conseguir mais segurar, me rendi ao choro que começava a ficar intenso enquanto minha mãe me abraçava e acalentava em seu colo. — Pode chorar meu amor, as vezes faz bem! Não somos cem porcento fortes sempre. — A voz da minha mãe era suave e junto com o seu abraço, se tornavam o meu porto seguro de sempre.

Meu pai me levou até a rodoviária e eu consegui vaga no ônibus seguinte. Meu desespero era o mesmo de sempre e eu não aguentava esperar um dia parada sem buscar por minha filha. Me comunicando por mensagens com Bianca, ela me disse que não poderia ir me buscar pois havia trocado de horário com outro funcionário, mas que se eu não estivesse muito cansada, eu poderia ir pra loja ficar com ela em vez de ficar sozinha em casa ociosa e ansiosa, como ela disse que me conhecia bem e que eu ficaria. Respondi que dependendo do estado que eu chegasse, eu decidiria na hora. Desliguei o telefone e me permiti cochilar pelas próximas uma hora e quarenta minutos de viagem que vinha pela frente. O banco não era totalmente confortável, mas só por aquele curto período, acho que eu conseguiria descansar.

Chegando na rodoviária com meu pescoço dolorido, resolvi que iria direto para o apartamento mesmo. Peguei o celular para avisar Bia como combinado e distraída, atravessei a curta rua que levava de uma calçada a outra, digitando quando escutei um freio sendo acionado e o vapor quente do motor a centímetros de distância da minha perna. Congelei apertando os olhos com força e quando abri, dei de cara com uma bebezinha linda de olhos verdes rindo pra mim na cadeirinha presa no banco traseiro do carro. Meus olhos se encheram de lágrimas e minha única reação foi correr. Correr pra bem longe, daquela cena, daquela dor que cismava em me machucar. Eu não sei se estava machucada, se o homem que saia do carro estava me xingando ou tentando ajudar, eu não via e nem ouvia nada, a não ser aqueles olhinhos verdes e o sonzinho daquela risadinha que eu mal ouvia do lado de fora do carro. E eu só parei quando entrei em casa.

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