Fernando
Eram as primeiras horas da manhã de um sábado, por que raios aquele telefone não parava de tocar? A noite anterior tinha sido difícil demais pra nós e eu tinha dormido poucas horas, só queria o calor do meu cobertor e o escuro do meu quarto. Mais um toque estridente soou e dando-me por vencido tirei o edredom que me aquecia de cima de mim, coloquei os pés no chão gelado e desci para atender o bendito telefone.
— Alô? — minha voz ainda estava rouca de sono e eu pigarreei, esperando a resposta. Do outro lado da linha a voz doce de uma senhorinha invadiu meus ouvidos me fazendo despertar instantaneamente. - Oi dona Leda, alguma novidade boa pra gente?
— Oi querido, tenho ótimas notícias sim! Vocês podem me receber agora pela manhã? — Leda perguntou gentilmente.
— É claro! Vou acordar a Paty e a senhora já pode vir. Seus biscoitos favoritos estarão aqui te esperando. — falei sorrindo tentando transmitir a ela, ao menos, o mesmo cuidado e carinho que ela tem tido com a gente esses meses todos que vem nos acompanhando.
— Hm que delícia! Obrigada Nando, estou indo agora mesmo. — Afirmando isso ela se despediu e desligou. Cocei meus olhos pensativos, com a esperança já invadindo o meu peito. Eles tinham encontrado a minha bebê então? Não pude conter o sorriso e corri para o andar de cima pulando dois degraus de uma vez para chegar o mais rápido possível e dar a notícia à Paty.
Entrei devagar, quarto adentro e gentilmente acordei minha amada esposa com um leve toque dos meus lábios em sua boca. Acariciei suas bochechas e sussurrando em seu ouvido, dei a notícia de que dona Leda estava a caminho. Ela lentamente foi abrindo os olhos e me olhou profundamente com um brilho no olhar ao qual eu sabia que continha a mesma esperança que meu peito transbordava. Encostei minha testa na dela ainda deitada e uma lagrima solitária rolou de seus olhos. Não precisávamos de nenhuma palavra naquele momento, apenas o amor um do outro e aquela esperança que a cada segundo aumentava.
Paty se inclinou para frente e me deu um forte e longo abraço. Após alguns minutos ali no aconchego de seus braços, ela se afastou calada com os olhos fixos nos meus, levantou-se e pegando seu lenço favorito na cômoda foi para o banheiro se arrumar. Eu permaneci ali, sentado na beira da cama, seguindo seus passos e pensando o quão orgulhoso dela, eu era.
Mesmo depois da perda do nosso primeiro filho e a descoberta do seu câncer que a impossibilitava do seu sonho de ser mãe, ela nunca deixou de ser vaidosa e determinada. Muitas pessoas se entregam a doença após descobri-la, mas Patrícia tinha feito o oposto. Ela não desistiu de seu sonho, e após muitas conversas, nos propusemos a adotar um bebê para nos trazer vida e felicidade nesse tempo difícil que teríamos que enfrentar por muitos anos ainda.
Aliás, a noite anterior foi um desses dias. Ela passara muito mal após uma de suas sessões de quimioterapia e não parou de vomitar a madrugada inteira, e claro, eu nunca a deixaria sozinha em nenhum momento. Ficamos os dois acordados até mais ou menos às cinco da manhã e logo as sete, dona Leda ligara. Patrícia com certeza estava muito mais cansada que eu, mas o sorriso não saia de seu rosto enquanto esperávamos tomando café da manhã, ansiosos, na mesa da cozinha, a campainha tocar.
Cerca de meia hora depois do telefonema a campainha tocou. Patrícia e eu levantamos juntos em um rompante e corremos pra porta principal da casa. Segurei a mão trêmula da minha esposa e abri a porta. A cena que vi à minha frente era muito mais do que eu esperava conseguir suportar. As lagrimas caíram sem aviso prévio e indiquei a dona Leda que entrasse.
Ela carregava consigo um embrulhinho de panos com uma linda bebezinha de cabelinhos castanhos e entrou se sentando no sofá sem cerimônias, afinal, já tinha ido muito ali para nos entrevistar, recolher dados e até mesmo tomar café da tarde conosco em algumas visitas pessoais, mesmo preferindo o tradicional chazinho dela que acabamos aprendendo a fazer. Dona Leda se tornara nossa amiga, conselheira, e a gota de esperança que nos faltava, nesses últimos seis meses tão conturbados pra nós.
Depois de muitas pesquisas por orfanatos na região, encontramos o Refúgio dos Anjos e está adorável velhinha foi quem nos atendeu, recebeu e iniciou todo o processo de adoção. Sabíamos que não era nada fácil, que existiam muitas famílias na fila de espera, mas dona Leda fazia de tudo pra nos encaixar em todas as possibilidades e aquele era nosso primeiro mais novo passo a frente que demos.
Patrícia foi quem conseguiu mais uma vez, demonstrar ser a pessoa mais forte dali, muito mais do que eu, que estava petrificado no hall de entrada. Caminhando até dona Leda que agora embalava o bebe em uma cantiga de ninar, ela se aproximou o suficiente para contemplar aquele rostinho de princesa, e a vi levando a mão à boca no intuito de calar o soluço de choro que vinha descontrolado. Leda a olhou com ternura e ofereceu que pegasse a menina no colo. Queria guardar aquela cena na minha memória por toda a minha vida. Paty afastara o lenço que pendia pelo ombro para trás e pegou a garotinha delicadamente. Me aproximei colocando uma das mãos em suas costas enquanto a outra acariciava a cabecinha do bebe no colo da minha mulher. Dona Leda foi quem falou primeiro, cessando nosso choro de felicidade enfim.
— Preciso lembrar a vocês queridos, que essa visita não é definitiva ok? Existe muito ainda o que fazer até que possam finalmente registrá-la caso consigam sua guarda. — Ela suspirou levantando e olhando nos meus olhos com a mesma ternura que fizera com Paty. — Nando, Paty, eu quero que saibam, que farei qualquer coisa pra que vocês consigam essa bebezinha, pois o tanto que vocês precisam dela, ela precisa de vocês também!
Leda se virou e pegou uma pasta em sua bolsa me entregando, enquanto Paty começava a se afastar andando pela saleta, ninando a bebê em seu colo. Minha atenção, que até então estava fixa naquela cena, foi puxada pra dona Leda novamente, quando a mesma voltou a falar.
— Seu histórico é curto. Foi deixada em nossa porta tem menos de duas semanas, sem qualquer informação possível, mas está saudável, fez todos os devidos exames na nossa enfermaria assim que a achamos e segundo nossa pediatra, parece ter em torno dos quatro meses. — Assim que terminou de falar, ouvimos um risinho baixo e olhamos na direção de Paty.
A neném havia acordado e brincava, tentando pegar a mão da minha esposa que fazia cócegas nela. Não contive o sorriso e disse sem tirar os olhos delas. — É ela, Leda, é ela! — mais uma lágrima escorreu dos meus olhos e senti a pequena mãozinha de Leda acalentando minhas costas.
Após breves segundos vislumbrando aquela que parecia ser a felicidade certa pra nós, me recompus e a chamei para a cozinha, dando início a uma conversa mais burocrática, deixando Paty à sós para aproveitar o amor da nossa futura filha. E claro, também para poder servir os prometidos biscoitos com chá da dona Leda.
Cecília Três meses se passaram desde o pior dia da minha vida e eu sequer recebi qualquer notícia, qualquer informação, novidade ou uma mínima suspeita da polícia. Parecia que nada estava sendo feito, e eu acreditava firmemente naquilo. Até porque o maior suspeito no caso era ninguém menos que praticamente, o “chefe” da cidade, então eu mesma precisava fazer alguma coisa ou nada se resolveria. Ficar parada ali me afundando na depressão que me consumia desde então, não me levaria a absolutamente nada. Muito menos à minha filha. — CECI! — minha amiga Bianca gritou me tirando daqueles pensamentos que me atormentavam 24h por dia. — Caramba mulher, estou te chamando a horas! — ela completou enquanto adentrava a cozinha, onde eu estava lavando a louça.
Fernando Os últimos meses tinham sido insuportáveis sem ela. Eu estava quase desistindo de tudo se não fosse por minha filha e Leda, que aliás, se tornara essencial nas nossas vidas. Se não fosse Leda, eu não sei de onde teria achado forças após a partida de Paty. Minha esposa, falecera de modo quase que natural, sua saúde, segundo o médico estava estável, mas por alguma razão, naquela última semana havia piorado três vezes mais. Havia aproximadamente um ano agora que ela partira, e gosto de pensar que ela não sofrera tanto quanto em vida com aquela doença maldita que já à perseguia por anos. A luta diária agora era pra me reerguer, pois eu tinha certeza que Paty estaria muito triste me vendo destruído assim. Minha filha chegara em nossas vidas e convivera com a mãe apenas por pouquíssimo tempo, mas eu tinha a impressão de que ela sentia sua falta tanto quanto eu, ou até mais, já que Paty, mesmo que um pouco ma
CecíliaHá alguns meses eu cheguei aqui na casa dos meus pais e diferente do que pensei, fui muito bem recebida, sem muitas perguntas ou julgamentos, como eles faziam quando eu namorava aquele traste. Ah se eu pudesse voltar no tempo e dar ouvidos aos meus pais... Não, senão eu não teria tido a minha Gio, e o meu amor por ela, superava qualquer adversidade de qualquer momento da minha vida.E por falar nela, desde o primeiro momento que eu coloquei meus pés aqui, não parei de ligar para orfanatos locais e até das cidades mais à frente, porém não alcancei nem sequer um fio de sucesso. Na maioria dos locais, eles não podiam dar tais informações e nas outras, quando eu finalmente aprendi a implorar e fiz minha narrativa rotineira, eles não tinham dados nem sequer similares ao da minha menininha.Eu realmente n&atil
Cecília Subi os poucos lances de escada, ainda respirando mais ofegante por conta do peso da mala, abri a porta de casa e entrei, ainda em choque por tudo que acabara de acontecer. Minhas pernas estavam bambas e eu não saberia dizer se pelo susto do quase atropelamento, se por correr todo aquele trajeto ou se por ter visto aquela criança. Apoiei minhas costas na porta que havia fechado e me deixei escorregar, sentando no chão com as mãos tapando o rosto, tentando conter o choro. Eu sabia que nunca superaria aquela situação, mas não sabia que ficaria tão atordoada apenas por ver um serzinho tão pequeno como aquele. Ela devia ter mais ou menos a idade da minha Gio agora e acho que foi isso, o que mais me abalou. Senti meu celular vibrar no bolso da calça e peguei pra ver a mensagem da minha amiga. Percebi que a que eu tinha enviado, estava totalmente distorcida, provavelmente por conta do susto, eu devo ter apert
FernandoHavia muito a ser feito, afinal, começar do zero não era mesmo fácil. Tinha levado Aurora comigo para a clínica que consegui naquele mesmo centro comercial que mostrei a Leda no fatídico dia da decisão final. As creches locais não tinham mais vagas naquele ano, então precisaria arrumar alguma babá o quanto antes para ficar com minha princesinha, pois a inauguração já estava atrasada.Abriríamos em dois dias e eu precisava planejar a finalização do local logo. O espaço não era enorme, mas era ótimo para o meu propósito. Daria pra abrigar em média 20 animais por vez. Queria poder além de tratar os animais domesticados, tratar igualmente e voluntariamente os animais de rua, então as obras para a criação de canis e gatis limpos e modernos para o confor
Cecília Acordei mais decidida que nunca a sair pra buscar emprego, afinal aqueles aplicativos não estavam dando retorno algum desde antes de ir para a casa dos meus pais até. O destino realmente não estava feliz comigo, pregando uma peça atrás da outra, desandando a minha vida sem limites há um ano, não duvidaria se em mais isso, ele não me derrubaria. Como toda manhã, nada tinha mudado, eu sempre acordava mais cedo do que Bia mesmo ela já estando atrasada, então arrumei a mesa e fiquei imaginando como havia sido esse tempo que não estive ali, ela provavelmente nem comia direito, aposto. Ouvi ela saindo do seu quarto que ficava no meio do comprido corredor que ligava a sala ao banheiro e me inclinei para frente sob a bancada da nossa cozinha americana pra implicar com ela. — Deu formiga na cama é senhorita? — ela olhou pra trás debochando, enquanto caminhava pro banheiro escovando os cabelos. — Não, eu tenho que
Fernando Cheguei cedo na clínica aquele dia, por duas razões muito nobres. Primeiro, tinha uma paciente à minha espera, com filhotinhos recém nascidos e segundo porque minha salvadora estava em casa para cuidar da minha pequena, me dando a chance de me dedicar mais àquela nova fase. Por ainda ser pequeno e pouco conhecido por ali, não via necessidade de ter uma recepcionista ainda e caso precisasse de plantão, eu procuraria algum estagiário para fazer um freelance. Conseguiria facilmente me virar sozinho por hora e assim, ter menos gastos. Não que isso fosse algum problema, mas eu prezava pelo futuro da minha princesinha dali pra frente e só queria deixar o melhor pra ela. Portanto, após verificar minha paciente especial e seus filhotinhos, sentei no balcão da recepção com meu notebook pra mais uma nova busca de babás, afinal Leda não poderia ficar muito além do final da semana. Já estava me dando por vencido e telefonando para
Cecília Meu corpo inteiro doía e eu sabia que não era só o cansaço de ter dormido pouco na noite passada. Doía de medo e nervoso por estar indo pra casa de um homem, cujo a filha tão pequena e ingênua me causou tantos sentimentos em míseros segundos. Depois que cheguei em casa na noite anterior, se passaram pouco mais de duas horas e Fernando me ligou, dizendo para que eu chegasse por volta das oito da manhã que era o horário que ele costumava sair de casa para a clínica. Ao me passar o endereço, percebi que morávamos muito próximos, em ruas paralelas, e até passei a gostar mais da ideia de trabalhar ali, já que eu poderia ir andando e pouparia muito mais o meu tempo para a busca da minha filha. Mas sempre que lembrava daquela bebezinha linda de olhos verdes, como a minha Gio, rindo para mim de dentro do carro, eu já suava frio. Por isso, passei o curto trajeto todo, mentalizando o mantra que criei na madrugada