Estou no quarto escovando meus cabelos, pensando que é hora de cortá-los um pouco, tentando não sofrer por antecipação já que logo meu tio deve chegar a casa de Linda. A última vez que o vi, foi quando ele enviou-me de volta a Itália, eu não queria ficar, queria voltar para o lugar onde havia vivido com minha mãe nos últimos meses de sua vida. Dizem que ela morreu de tristeza, ela nunca mais foi a mesma pessoa depois da morte de meu pai, e eu tinha a impressão que iria pelo mesmo caminho. Meu tio fez se espalhar os boatos de lugares onde eu poderia estar, e até mesmo alguns de que eu havia morrido. E durante dois anos eu vivi praticamente reclusa no Convento de Santa Lucia, ocasionalmente saía para o vilarejo com a Madre e algumas irmãs, e sempre me senti protegida por elas. Meu tia enviava dinheiro, para minhas despesas, e como forma de gratidão ao Convento, as vezes, nos falávamos por telefone, as vezes eu recebia cartas de Nikolai, mas meu contato com o mundo fora das antigas paredes onde vivia era restrito. Tinha certeza, que se me afastasse muito de lá, os Villani me encontrariam. Bem, eles encontraram de qualquer jeito.
Faço uma trança solta em meus cabelos, e logo penso se é mesmo necessário esse vestido, não quero causar nenhum problema, não estou na casa de minha família, mas tenho a impressão que Linda quer que eu use roupas mais justas quando Michael está presente, e isso me incomoda, tanto quanto os saltos. O vestido da vez é preto, e foi entregue por uma loja a pedido de Linda, com outra dúzia de sacolas que não cheguei a olhar. Ouço batidas a porta e logo Fabian a abre, e sem olhar diretamente para mim, diz que o convidado de Linda me aguarda. Meu tio, Joe Cavalieri, que eu espero, possa me ajudar a me livrar daquele compromisso. Sei que falar em particular com ele será quase impossível, mas minha outra alternativa é fugir.
Desço a escada depois de respirar fundo, Fabian vai logo a minha frente, como se sem sua presença eu simplesmente não conseguisse chegar ao último degrau, onde está Michael Villani, com uma expressão totalmente indecifrável. Ele está sério, de um jeito assustadoramente austero, me olhando como se eu tivesse feito algo que o desagradou, e por mais que meu desejo de ficar longe dele seja enorme, eu não atino o que poderia ter feito além de detestá-lo e a sua companhia.
Ele me oferece a mão quando estou a dois degraus do chão, e mesmo contrariada coloco a minha sobre a dele, quente e suave, e vacilo no último degrau, então ele me segura percebendo imediatamente meu nervosismo, e me enviando um olhar de quem estava pouco se importando com o fato de que estava sendo negociada.
– Não vai demorar – diz, segurando-me junto dele – e depois que conversar com seu tio, tenho um presente para você.
– Um presente... – não me ocorre nada, e o braço de Michael ao meu redor me deixa apreensiva. Esse tipo de homem, comum ao nosso mundo, audacioso e sedento por conquistas é tudo que definitivamente não me atrai.
– Nada de mais – ele fala, com aquele jeito de que não dá importância enquanto segue ao meu lado – é só bastante útil, desde que use com moderação.
Não continuamos a conversa, pois entramos em uma sala mais íntima da casa, e imediatamente vejo meu tio, o mesmo jeito de sorrir enviesado, os cabelos alourados, elegante em seus um metro e oitenta, bem vestido, como sempre me lembrava dele. Joe Cavalieri abriu os braços para mim e apressei meu passo até ele, em um abraço saudoso e demorado. Por um momento tenho uma sensação boa, de estar de volta, de família, mesmo não estando em Chicago.
– Está tão linda, Giu – ele me olha nos olhos – lembra muito a sua mãe.
Sento-me ao lado dele, e conversamos por um tempo, sobre minha tia Charlotte, meus primos, e como todos estavam ansiosos para me encontrar, meu tio diz que não deve demorar, e noto uma rápida troca de olhares entre ele e Villani, que por um momento eu havia até esquecido da existência, então logo entramos no assunto pelo qual aquele encontro estava acontecendo.
Meu tio diz que aquele arranjo já havia sido acertado, antes da morte de Erico Villani, e que ao contrário do meu tio Tony, não tinha a intenção de voltar atrás. Quando perguntei se eu poderia ir para Chicago, o clima ficou estranho, e meu tio fez uma pausa antes de responder. E a resposta não foi a que eu havia imaginado. Quando Linda havia dito que eu ficaria ali por uns dias, pensei que seria até aquele encontro, e me senti frustrada enquanto ouvia que ficaria sob proteção do meu futuro marido até o casamento, que se realizaria um mês após o noivado.
– Achei que iria poder ficar com minha família antes do casamento – olhei de Joe para Michael, que havia falado quase nada enquanto meu tio explicava que ambos haviam feito conceções, e aquela era uma das exigências de Villani.
– O que o senhor ganhou em troca? – perguntei, sem meias palavras, sentindo como se tivesse uma pressão em minha garganta.
– Giulia, por trás de nossas decisões há quase três decadas de conflito – Joe colocou sua mão sobre o meu ombro.
– Ficarei prisioneira, então? – encarei Michael, tão irritantemente tranquilo que só me fez achá-lo ainda mais detestável – É uma péssima maneira de começar esse acordo!
– Estou me assegurando que desta vez o acordo seja cumprido – ele responde, calmo e irritante.
– O que acha que vou fazer se for para Chicago? – estou pensando que talvez não tenha outra alternativa a não ser fugir, mesmo sabendo que minhas chances de escapar são mínimas.
– Tony ajudou nossa irmã a fugir, Giulia – Joe respirou fundo – Villani e eu só estamos tentando ganhar a confiança de Nova Iorque e Chicago, e tenha certeza, a maioria não acredita que essa união vai se realizar.
– O que é motivo para mais desavenças – Michael concordou, e em seguida ofereceu um copo de uísque a Cavalieri – Ficará aqui, alguns soldados de Chicago serão autorizados a fazer sua segurança enquanto for nossa hóspede. Seu tio poderá vê-la, assim como suas primas. Linda inclusive já fez esse convite aos Cavalieri.
– Saber que estamos, ambas as famílias dispostas a fazer com que essa união aconteça, é bom para todos – tio Joe se aproximou de mim – não vou mentir a você, cedi um carregamento valioso ao Sr. Villani, assim como ele passou para os Cavalieri a gerencia de um importante clube. Faz parte do acordo, Giulia, e a cooperação entre nossas famílias nos deixará em uma posição importante.
Ouví-los falar sobre seus acordos e sobre o que isso representava me deixava enjoada, eles não entendiam como eu me sentia. Era um mero joguete, moeda de troca, nas mãos de homens que não pensavam em nada além de poder. Quando me despedi do meu tio naquele final de tarde, meu único pensamento era que não poderia esperar que ele fizesse algo para evitar aquele casamento, e que qualquer oportunidade que surgisse, não importava o quão arriscado fosse, seria minha melhor chance, não só para honrar a memória de minha mãe, mas para viver a vida que ela não teve.
Achei que Michael não daria pela minha falta quando voltei para o quarto, o plano era tentar conseguir de volta meus objetos pessoais, e Linda havia me garantido que logo os teria de volta, se conseguisse que uma mensagem minha chegar a um dos contatos de Nikolai, talvez ele possa me ajudar. Ouço uma batida leve a porta.
– Pode entrar – imagino que deve ser Linda, trazendo Morgan com ela para tentar me animar, mas vejo Michael.
– Trouxe o seu presente – ele trazia uma sacola de uma marca famosa de celulares – vai precisar disso.
Ele ficou parado na porta, mas não parecia com pressa, era como se estivesse esperando que eu o convidasse para entrar, em seu antigo quarto, o que eu achei ótimo, pois não tinha a intenção de fazê-lo. Pensei em dizer a ele que sumisse dali com aquele celular, mas a verdade era que poderia facilitar se eu quisesse contato com o mundo exterior, mesmo sabendo que deveria ter todo tipo de "app" ali, para me rastrear, e muito possivelmente Villani poderia ter até mesmo ler minhas conversas. Ainda assim, se eu soubesse usar, seria uma ferramenta útil.
Me aproximo, desconfiada, e a maneira que Michael me olha me faz querer recuar. Sinto-me acuada cada vez que preciso falar com ele, e sei que isso tem que acabar, isso só o torna mais seguro de que pode fazer o que quiser comigo, então levanto meu queixo levemente, sem me dar conta que ele deu dois passos em minha direção, o que nos deixou a centímetros um do outro, de maneira que posso sentir seu calor por trás do perfume masculino e leve odor de charuto. Ele me encara de volta, enquanto entrega-me a sacola, sinto seus dedos roçarem nos meus, quentes e macios, e logo depois ele se vira e sai, e no silêncio consigo ouvir o som do meu coração como se eu tivesse corrido até a beira de um precipício, e quase caído.
Com o passar dos dias, não só de assuntos relacionados a Giulia Cavalieri necessitam de minha atenção. Por motivos que todos sabemos, os russos parecem estar querendo vingança pelos homens perdidos na Itália e por termos colaborado com os Cavalieri, tomando deles dois fornecedores de droga em Chicago. Estamos não somente em maior número, mas melhor organizados, e além de tudo, desde que não interfiram nos negócios os civis estão seguros em nossa vizinhança. Não damos motivos para a polícia, nem eles fazem questão de investigar quando é muito mais favorável fingir que não veem uma infração aqui, outra ali. Muito diferente dos russos, cujo diplomacia é inexistente.Nossos inimigos em comum estão recuando, mas eu não me engano, desde que os boatos de que estavam enviando homens de prestígio internacional, entre eles seu executor, Nikolai Dotroiov. Desconfiava-se que ele estava em Nova Iorque à alguns dias e que sua missão é recuperar não só seus domínios e recursos, como levar com ele Gi
Quando Linda me avisou que eu acompanharia Michael a casa do consiglieri, estranhei aquele convite inesperado. Estou a dias aqui, e por mais gentil que seja minha futura cunhada, e por maior que seja a casa, me sinto mais prisioneira aqui do que quando estava no convento. Me olho no espelho do closet de Linda, que parece analisar se o vestido que estou usando agradaria Michael, e eu odeio isso. Cada vez que o vejo, é sempre em vestidos justos, e não gosto de pensar que o próprio Villani esteja achando que estou me insinuando para ele. O vestido da vez é nude, um decote insinuante e apesar de estar um pouco acima dos joelhos, é o tipo de roupa que certamente faz Michael Villani olhar com interesse.Logo que soube que ele me aguardava, tratei de ir ao seu encontro, e o vi sobre um dos joelhos sorrindo para Morgan enquanto a menina contava animada sobre algo que havia acontecido na escola. Então, quando ele levantou-se e olhou diretamente para mim, não pude deixar de notar como estava el
Enquanto me dirijo a casa de Linda, penso em tudo que me foi relatado na reunião da qual acabei de sair, havíamos perdido bons homens em um conflito na noite em que levei Giulia para jantar, e por isso adiamos a saída dela novamente para que fossemos meticulosos quanto a segurança dela. Os objetos pessoais de Giulia haviam sido enviados, e evidentemente passaram por mim antes de qualquer um, e mesmo correndo o risco que isso se tornasse motivo de brigas futuramente, não acho que seja um bom momento para devolver a ela. Talvez eu esteja cruzando um limite e por isso não esteja feliz em ver que entre fotos de Donatella e Andrey Ivenchev, caixinhas de música, documentos e roupas pertencentes a ela, eu encontrei cartas, as quais ela provavelmente respondeu. E o remetente é Nikolai Dotroiev.Não li as cartas. Seja qual for seu conteúdo, não me interessa, mas vi as datas, e a última era bem recente, ainda estava fechada, porque quando foi entregue no convento, Giulia já não estava mais lá.
Enquanto aguardo a chegada de minha família a casa de Linda, tento me distrair, mas é praticamente impossível, por que Michael Villani tem feito um esforço mínimo para entrar na minha mente, e está conseguindo! Estou com aquela sensação incomoda, de que cada vez que ele me toca, mais lhe pertenço, e não posso e não vou sucumbir ao charme dele, não importa o quanto ele tente. E não tem sido fácil, como quando ele encostou os lábios nos meus, certo de que eu deixaria me envolver, e a maneira que ele sempre dá um jeito de colocar suas mãos em mim, como toda propriedade que acha que tem. Sinto que Michael tem feito isso com frequência, como um lembrete de que sou dele, e se o odeio por isso, não posso negar que me sinto atraída por ele. A voz, o perfume, a maneira pervertida que me olha, e encontrá-lo trocando de roupa não foi nada ruim de se ver.Respiro fundo, ele deve voltar para o jantar, e de qualquer forma, tenho que me habituar a presença dele, pelo menos até deixar os Villani, os
Depois do jantar na noite passada, não demorei a me recolher, estava com um pouco de dor de cabeça, e demorei a dormir, mesmo me sentindo exausta. Linda me deu um comprimido, mas não perguntou nada, aliás, se tem algo que eu aprecio na irmã de Michael, é a qualidade de perceber o momento certo para falar, sobre qualquer que fosse o assunto. Acho que seria muito bom se eu aprendesse com ela, pois precisava falar com Villani sobre a questão do beijo. Em hipótese nenhuma eu gostaria que isso acontecesse na frente dos convidados, talvez para ele não fosse nada demais, mas seria meu primeiro beijo, e eu sinto arrepios só de pensar que teria uma plateia observando.Tenho certeza que ele vai achar que estou dando muita importância e que me preocupo sem motivos, mas a ideia é convencê-lo a fazer isso logo, tipo, hoje mesmo. E fazê-lo entender o quanto pode ser constrangedor, quem sabe ele até reconsidere, e me dê um beijo respeitoso e rápido. Suspiro, desanimada, pensando que ele muito provav
Durante o almoço a conversa foi mais leve. Falamos sobre a sugestão de Sylvia sobre irmos para Hamptons, na propriedade da família dias antes da cerimônia de casamento, porém Michael fala que provavelmente deve fazer uma viagem a Vegas por aqueles dias, mas acha que podemos ir nos dias que se seguirão.Eu a convido para acompanhar as próximas provas do vestido de noiva, e pela primeira vez vejo um sorriso genuíno nos lábios da mãe de Michael. Ela agradece, e diz que ficaria muito feliz. Percebo que ela não me odeia, mas que está passando por cima de décadas de sentimentos que eu posso apenas imaginar, mas que de fato jamais entenderei. Em nenhum momento o nome de minha mãe é citado, mas tenho a impressão de que Donatella a assombra, e que ela teme que eu possa fazer o mesmo, e deixar Michael no altar.Quando ele vai para o escritório atender o consiglieri, eu fico sozinha com Sylvia e por um momento espero algum tipo de desfeita da parte dela, que se aproxima de mim.– Como estão as c
Michael não atende. O que me faz pensar que talvez seja melhor mesmo, afinal o que eu diria a ele? De novo, a sensação de que ele vai rir, e não vai dar importância. Me levanto, determinada a não pensar mais no assunto quando e vejo que ele está ligando de volta, e atendo depois de alguns longos segundos incerta de que deveria.– Giulia – ouço a voz de Michael – o que houve?– Ah, sim, hum... não houve nada – perfeito, como se eu fosse ligar para Michael em algum momento por nada.– Desculpe-me não atende-la, estava em reunião – tenho uma impressão nítida de ter ouvido alguém grunhir de dor, e o som foi abafado logo em seguida – o que queria?– Não sei como dizer isso, sério, vai parecer ridículo – respiro fundo e me sento na cama – não tem um jeito disso não soar estranho, então, Michael, precisamos nos beijar.Silêncio do outro lado, e quase posso vê-lo abafando um riso descontraído enquanto tenta manter a compostura antes de me responder qualquer coisa.– Isso é uma sugestão, uma o
Olho para o relógio na tela do celular, ainda é cedo, muito cedo para quem voltou duas da manhã da boate, para onde Chris havia me chamado para tratar de assuntos com os quais eu não queria lidar. Meu consiglieri quer agradar as garotas Cavalieri, e esteve tentando de todo jeito me convencer que se diminuíssemos a lotação, e existisse mais seguranças dentro e fora da boate, esperando que eu queira fazer essa gentileza a Giulia, Diana e Alessa.Estou quase certo que Chris está querendo uma chance para impressionar Diana, e não tenho nada a ver com isso, se ele quer uma garota insolente e mimada, problema é dele. Só espero que ele veja no que está se metendo antes de acenar com alguma promessa à Joe, pois ele ficaria particularmente ofendido se voltasse atrás. A rejeição de dois Villani poderia estremecer a aliança, e francamente, Diana não vale o risco.A ideia de levar as meninas a boate não me agrada, para mim é exposição desnecessária, e tem o fato de que terei que ficar de olho em