Giulia

Depois do jantar na noite passada, não demorei a me recolher, estava com um pouco de dor de cabeça, e demorei a dormir, mesmo me sentindo exausta. Linda me deu um comprimido, mas não perguntou nada, aliás, se tem algo que eu aprecio na irmã de Michael, é a qualidade de perceber o momento certo para falar, sobre qualquer que fosse o assunto. Acho que seria muito bom se eu aprendesse com ela, pois precisava falar com Villani sobre a questão do beijo. Em hipótese nenhuma eu gostaria que isso acontecesse na frente dos convidados, talvez para ele não fosse nada demais, mas seria meu primeiro beijo, e eu sinto arrepios só de pensar que teria uma plateia observando.

Tenho certeza que ele vai achar que estou dando muita importância e que me preocupo sem motivos, mas a ideia é convencê-lo a fazer isso logo, tipo, hoje mesmo. E fazê-lo entender o quanto pode ser constrangedor, quem sabe ele até reconsidere, e me dê um beijo respeitoso e rápido. Suspiro, desanimada, pensando que ele muito provavelmente não vai se importar, afinal, sou apenas a Cavalieri com quem ele se casará por conveniência.

Enquanto Linda me ajuda a escolher algo apropriado para conhecer sua mãe, penso em como deve ser Sylvia Villani. Na verdade, a não ser por Morgan, que comenta uma coisa ou outra sobre a vovó, tanto Linda quanto Michael fala quase nada sobre ela, o que me deixa um pouco curiosa, e também apreensiva. Imagino que ela deva ser astuta, reservada e até mesmo rigorosa, afinal, uma mulher que viveu com um chefe da máfia por quase trinta anos não pode ser menos do que uma fortaleza. Enquanto provo o vestido elegante, vintage, rosa claro, Linda escolhe para mim um trend coach claro, e me aconselha a usar saltos altos, pois segundo ela, a mãe usa diariamente, e é capaz de correr uma meia maratona graciosamente se lhe for exigido . Olho resignada dos saltos baixos que havia escolhido para o que ela sugeriu, pensando que nunca iria entender a obsessão das mulheres por essa tortura em forma de sapatos.

– Você há de concordar que sua postura fica mais elegante, não? – Linda perguntou – não que você precise, é claro, parece que usou saltos a vida toda, realmente não entendo como os odeiam tanto!

– Bom, você é uma boa professora! – digo a ela enquanto me olho no espelho, e então me volto para Linda, que parece entender que preciso conversar – amanhã será um dia importante, não?

– Sim, querida – ela se aproxima – algo está a incomodando desde ontem, Giu, houve algum mal entendido com as garotas?

– Não, não – sinalizo ouvido com a cabeça – eu fiquei feliz em revê-las! Elas virão mais tarde, inclusive – faço uma pausa – hum, Alessa tocou em um assunto que, eu confesso, me deixou preocupada.

– Sobre Diana e Michael? – Linda se apressou – eu não sei o que elas comentaram, mas ele nem sequer cogitou a possibilidade – ela respirou fundo como se quisesse explicar de uma forma mais clara, sem me deixar chateada – Diana. Sua prima, ela viu Michael em uma ou duas ocasiões antes do pai apresentá-los formalmente e oferecê-la em casamento. Mas, ele estava decidido a ir buscá-la, Giulia.

– Foi exatamente isso que ela me disse – tenho a impressão de que Linda acha que posso estar com ciúmes de Diana e Michael, quando na verdade facilitaria a minha vida se ele se interessasse por ela.

– Menos mal – ela suspirou – garotas, com Diana, estão sempre a procura de um casamento acolhedor antes de se ver entregue a algum homem por gratidão ou lealdade, ou seja, qualquer um a quem o pai, irmão, tio, deva um grande favor.

– Espero que não seja o caso de Alessa e Diana – digo, pensando seriamente se ainda é tarde para que Diana se torne esposa de Michael, porém sei que ele está determinado a seguir em frente com a decisão de se casar comigo – mas, honestamente , não era sobre isso que eu gostaria de falar com você.

Depois de contar a Linda sobre a questão que me atormentava desde a noite anterior, percebi que ela entendeu perfeitamente o que eu queria dizer: – Você deveria falar com ele, sabe – disse Linda – Michael certamente entenderá, e pode nem beijá-la se não estiver disposta a isso, e esteja certa, ninguém irá questioná-lo.

– Acha mesmo? – de fato eu acreditava quando ela falava que ninguém iria questioná-lo, mas e se ele estivesse disposto? Parece que Linda pode ler meus pensamentos.

– Tem outra solução, claro – ela me dá um sorriso rápido – vocês podem resolver isso, sabe, podem beijar. E você pode aproveitar que passará parte do dia com ele para fazê-lo perceber isso.

– Eu nem sei por onde começar – rio nervosamente – como falaria sobre isso: ei, Mike, precisamos beijar, sabe...

Linda ri descontraída, e continua em seguida: – Ele não espera que você tome a iniciativa, Giu, mas pode tocar no assunto, e dizer que está nervosa com a situação. Michael não é nenhum santo, sabe, será como se você estivesse  dando a ele permissão para beijá-la, o que ele não fez ainda sabe-se Deus por que – ela revirou os olhos.

– Porque, evidentemente, ele não liga. Não é como se gostássemos um do outro – falo, enquanto estamos saindo do quarto.

– Hum – ela fala, e abafa um risinho antes de falar – talvez vocês realmente não gostem, certo? Mas, já vi o jeito que olha para você, Giulia, ele pode não gostar, mas se sente atraído, e você até se distrai olhando para ele.

– Se está falando de ontem, eu não me distraí olhando para ele – tento me defender, mas Linda apenas ri – eu só... hum... estava pensando em como tudo está indo rápido. Só isso.

Não demorou para que Michael chegasse, e ele parecia sonolento o que me levou a pensar que a noite de cartas e charutos deveria ter se projetado bem mais do que Chris havia sugerido. Ele estava particularmente bonito no terno azul-escuro, escondendo os olhos que denunciavam que quase não havia dormido com óculos escuros. Lembro que meu pai não era muito diferente quando eu o via nos dias seguintes, depois das noites em que minha mãe costumava responder às minhas perguntas impacientes sobre o paradeiro dele. "Ele deve chegar tarde, querida – ela dizia – compromissos do trabalho." Mas, quanto mais eu crescia, mais entendia que esses compromissos costumavam irritar minha mãe, e fazer com que os dois discutissem.

– Sente-se mais calma hoje? – ouço a voz dele, Michael pergunta aquele jeito inexpressivo e irritado de sempre, mas já estou me acostumando, não acho que a atitude dele mudará.

– Não posso dizer que sim – respondo olhando para ele, enquanto dirige. A postura relaxada, guiando com a mão enquanto segura a lata de energético com a outra – espero que ela goste de mim.

– Ela não tem que gostar, não há nada para minha mãe aprovar, entende o que eu digo? – ele pergunta, está sério e entendo que ele parece até mais tenso do que eu – esse casamento foi tratado a muito tempo, Giulia, está tudo correndo como deveria, então não há porque se preocupar com isso – percebo o leve sotaque italiano aparecendo sutilmente enquanto ele fala, Michael raramente o deixa escapar.

– Certo – digo enquanto ele para diante de um portão eletrônico, estamos diante de um prédio luxuoso, e eu imaginava que minha futura sogra moraria em uma casa ainda maior do que a de Linda.

Há apenas uma torre, e enquanto ele dirige a garagem fico calada, tentando imaginar como seria a mulher que muito provavelmente juntou os cacos do coração de Erico Villani, o homem que perseguiu minha desde família que minha mãe o rejeitou. Michael abre a porta do carro para mim, e depois de fechá-la, me oferece o braço, enquanto estamos a caminho do elevador privativo. Posso sentir seus músculos tensos por baixo do terno elegante, e ele me olha de canto.

– Tem que parar com isso – ele diz, baixo, e tira os óculos escuros para me encarar com os olhos azuis, que parecem mais claros nessa manhã – tem que parar de ter medo de mim, Giulia.

– Não tenho medo de você – digo, mas sinto meu coração acelerar, claro que tenho, apesar de saber de alguma maneira, que Michael não me faria mal, bom, pelo menos enquanto eu não o irritasse.

– Vai ter que me dizer o que fazer – ele diz impaciente, como se eu soubesse do que ele fala – me incomoda que fique tensa sempre que estamos próximos.

A porta do elevador se abriu no instante seguinte, e enquanto passávamos pelo pequeno hall, noto um segurança perto da porta que leva ao interior da cobertura duplex onde mora a mãe de Michael. Entramos em uma grande sala, muito bem decorada, e enquanto passamos pelo cômodo, o percebo relaxando, e quando entramos em uma sala um pouco mais íntima, cuja vista de Nova Iorque é muito bonita, uma mulher na casa dos cinquenta anos nos aguarda. Magra, usando uma saia lápis escura, e uma blusa verde que ressalta seus olhos, os cabelos pretos como os filhos, e um rosto clássico, que imediatamente me remete a figuras de revistas antigas, como uma diva de Hollywood. Era Sylvia Villani.

Solto sutilmente o braço de Michael, quando vejo o sorriso dela para o filho, que corresponde ao seu abraço afetuoso, fazendo as vezes de bom rapaz. Eles trocam gracejos familiares, ela diz que as vezes têm a impressão que ele se esquece que tem mãe, e ele diz que é impossível, já que ela o lembra diariamente. Então, Sylvia me observa com atenção, obviamente, me avaliando. Sua expressão é tranquila, mas eu realmente não me deixou enganar, ela esteve esperando por esse momento, muito mais do que eu. Ela se aproxima, posso sentir seu perfume, e percebo a aura de intensidade da matriarca dos Villani, ela sorri, gentilmente, e me oferece sua mão.

– Olá, Giulia – diz ela – enfim podemos nos conhecer.

– Sra. Villani, é um prazer conhecê-la – retribuo ao cumprimento.

– Tão graciosa – Sylvia olha para Michael, e de volta para mim – exatamente como você me disse.

Sylvia aponta para o sofá, onde sentamos próximos enquanto Michael senta-se em uma poltrona, no canto da sala.

– Está cada vez mais parecido com o pai – ela diz, um olhar carinhoso enquanto Michael atende rapidamente o celular, posso ouvi-lo dizer que não deseja ser incomodado – diga-me, Giulia, está ansiosa para a recepção amanhã?

– Sim, eu espero que corra tudo bem – estou escolhendo as palavras, até mesmo porque ela obviamente também está.

– Certamente tudo será perfeito, minha filha, Linda, tem se dedicado muito tempo à ocasião. Significa muito para nossa família – sua expressão endurece por alguns instantes – creio que para a sua também.

– Sim, senhora – estamos jogando sobre um tabuleiro imaginário, Sylvia move suas peças para que eu também me mova as minhas, estudando e avaliando.

– Não tenho certeza de que Michael poderia se ausentar nesse momento, como você já deve ter ouvido falar, estamos passando por uma crise com os russos.

– Sim, tenho visto e ouvido a respeito.

– Não acho que você ainda seja próxima ao executor russo – ela fala com tranquilidade, e sinto meu estômago embrulhar pensando imediatamente que as cartas podem ter chegado às mãos dela – mas, gostaria de tranquilizar seu coração – Sylvia coloca sua mão sobre a minha, fria e suave, com uma brisa de outono – Nessa família, cuidamos dos nossos.

– Não tenho dúvidas disso, Sra. Villani – tento não soar petulante a duras custas, a mensagem foi clara, e era sobre a história de anos atrás não voltar a se repetir.

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