Giulia

Enquanto aguardo a chegada de minha família a casa de Linda, tento me distrair, mas é praticamente impossível, por que Michael Villani tem feito um esforço mínimo para entrar na minha mente, e está conseguindo! Estou com aquela sensação incomoda, de que cada vez que ele me toca, mais lhe pertenço, e não posso e não vou sucumbir ao charme dele, não importa o quanto ele tente. E não tem sido fácil, como quando ele encostou os lábios nos meus, certo de que eu deixaria me envolver, e a maneira que ele sempre dá um jeito de colocar suas mãos em mim, como toda propriedade que acha que tem. Sinto que Michael tem feito isso com frequência, como um lembrete de que sou dele, e se o odeio por isso, não posso negar que me sinto atraída por ele. A voz, o perfume, a maneira pervertida que me olha, e encontrá-lo trocando de roupa não foi nada ruim de se ver.

Respiro fundo, ele deve voltar para o jantar, e de qualquer forma, tenho que me habituar a presença dele, pelo menos até deixar os Villani, os Cavaliere e todos os seus acordos e rixas para trás. E para isso, vou precisar de toda informação e ajuda que puder receber, e por isso, minhas primas serão importantes aliadas. Quando Diana deu a entender enquanto trocamos mensagens, que ela e Alessa gostariam de ir a uma das boates, imediatamente me ocorreu que se alguém poderia conseguir o contato de Nik, seriam elas.

Claro, que pessoalmente, devo ficar atenta, e ganhar a confiança das duas, afinal não tenho ideia de quanto elas estariam dispostas a se envolver em meu plano de fuga. Só preciso de uma porta encostada, uma distração para o segurança, e Nikolai pode me fazer sumir das vistas dos Villani, ele me prometeu que faria isso por mim, em memória de meu pai. Penso em Nikolai por um momento, da última vez que o vi, ele já não tinha os traços juvenis do garoto de sorriso fácil que costumava dizer que um dia nós dois fugiríamos. Ele agora era um importante membro da máfia russa, seu executor. Eu não preciso saber mais do que isso para entender que Nikolai é tão perigoso quanto Michael, e que diferente dele, não me colocaria em uma prisão. Eu poderia ser livre, e quem sabe um dia, o amor de infância que sentíamos um pelo outro se tornasse real, como era seu desejo, expressado sutilmente nas linhas de suas cartas.

Sinto um calafrio em pensar que Michael leu as cartas que Nicolai me escreveu, e apesar de Linda ter me dito que meus pertences haviam chegado, eu ainda não havia recebido. Se Michael leu as cartas, preciso estar preparada para responder algumas perguntas, não tenho dúvidas de que ele não admitiria qualquer ligação como a que eu e Nik cultivamos durante todos esses anos. Eu deveria perguntar sobre meus pertences, afinal, são meus! Mas, se ele leu as cartas, talvez esteja esperando exatamente por isso para demonstrar sua insatisfação com o conteúdo.

Fabian b**e à porta, de um jeito já conhecido, e então me acompanha depois de me avisar que meus tios já chegaram. Enquanto vou para a escada penso que não posso mais me demorar, a impressão que Michael Villani está muitos passos a frente me deixa preocupada, e devo me tornar sua noiva em dois dias, com os preparativos para o casamento conduzidos por Linda, rápida e perfeitamente, meu tempo está se esgotando. Ouço a voz de meu tio, que fica feliz ao me ver. Ao seu lado, tia Charlotte. Alessa, minha prima mais nova está ao lado da mãe, e é impossível não notar a semelhança entre elas. Minha prima Diana está linda, como sempre, com a mesma postura de rainha que me lembro que tinha anos atrás.

Cumprimento a todos, feliz em vê-los, e a conversa inicialmente cuidadosa entre nós torna-se descontraída com o passar dos minutos. Minha tia observa-me com curiosidade e tenho impressão que se pudesse, dispararia em uma série de perguntas. Nunca fomos próximas, mesmo quando morei em sua casa, antes de voltar para a Europa, depois que minha mãe morreu. Passei algum tempo em Chicago enquanto meu tio resolvia como seria minha vida. As perseguições teriam que acabar, afinal tanto Donatella, quanto Andrey estavam mortos, mas eu percebia, mesmo devastada pelo luto, que uma rixa que durava tanto tempo, com tanta dor e ressentimento, não cessaria de uma hora para outra.

Eu, Alessa e Diana nos afastamos, mesmo estando visíveis aos olhos dos demais e nos sentamos em um sofá confortável, com nossos drinques sem álcool, relembrando as noites de filmes e conversa no quarto de alguma delas. Dormíamos tarde, e talvez se não fosse a companhia daquelas meninas, eu não tivesse resistido a tentação de entrar no escritório de meu tio, a procura de uma arma. Minha vida não é nada de acordo com o que eu gostaria que fosse, mas, ainda assim, hoje entendo o quanto perder minha mãe acabou comigo, e como a união com Michael Villani me faria infeliz. Enquanto conversamos, sobre os lugares que elas conheceram, amigos, o que gostavam de fazer e o quanto estavam ansiosa para que nós pudéssemos passar mais tempo juntas, a sensação que eu não havia vivido nada além do exílio ao qual fui submetida desde que me entendo por gente, esmagou-me novamente. Eu sorrio e concordo, mas me sinto sufocada.

– Ansiosa pelo grande dia, prima? – Alessa, segurou delicadamente o meu braço e sorriu calorosamente – porque nós estamos!

– Bem, Linda está cuidando de tudo, então tenho certeza que tudo correrá bem – falo, tentando parecer empolgada com o casamento.

– Linda é um amor – ela diz – você tem tanta sorte! Vai se casar com Michael Villani, tem ideia de quantas garotas já foram oferecidas em casamento a ele?

– Não posso dizer que tenho – entre risos tomo um pouco do meu drinque, nunca havia pensado dessa forma, e não consigo deixar de pensar em quanto aquele costume retrógrado era desagradável. Imagino que nem todas fiquem satisfeitas com os arranjos definidos pela conveniência de homens de honra.

– Eu mesma fui oferecida a Michael Villani – Diana fala, despreocupada, recebendo um olhar de reprovação da irmã, e continua – é melhor que ela saiba por mim, Ale.

– Saber exatamente o que? – estou curiosa, essa história parece ser interessante, já que até aquele momento eu não tinha ideia de que meu tio tinha feito essa oferta ao meu futuro marido.

– O trato entre meu pai e o falecido Villani era que Michael e você se casariam, e por meio dessa união, as desavenças cessariam de uma vez por todas – Diana sentou-se ao meu lado – Eu vi Michael em duas ocasiões antes dele partir para a Itália atrás de você. Meu pai achava que se houvesse incompatibilidade entre vocês, ainda assim poderia propor essa aliança, oferecendo minha mão em casamento a ele.

– E como você pode ver, ele recusou – Alessa enfatiza a palavra recusou, olhando para Diana como se a irmã tivesse feito algo errado – ele foi claro quando disse que queria ver Giulia antes de tomar uma decisão, e voltou da Itália trazendo-a de volta.

– Com uma Cavalieri aqui mesmo, disposta a casar-se com ele, porque se dar ao trabalho de toda a operação de me tirar do convento? – pergunto, tentando entender como ele havia tomado aquela decisão.

– Os russos, quem sabe? – Diana dá de ombros, e logo seu olhar segue Fabian que está ao celular, saindo de um cômodo – seu segurança é lindo... – ela fala baixinho, sem tirar os olhos dele.

– Não, os russos não sabiam do meu paradeiro até Michael chegar a Província di Roma, eu ouvi essa conversa no voo, alguém o traiu – falo pensando que se não fosse por isso, teria deixado o convento em circunstancias melhores, e não em meio a um tiroteio.

– Prestígio – Alessa disse – ele se casa com a filha da mulher que deu início a toda essa história entre Cavalieres e Villanis, é mais uma demonstração de força.

– E além de tudo você é o estereótipo perfeito do que todo capo deseja para esposa – Diana diz, me analisando – delicada, bonita, sendo criada por freiras, inocente. Sem falar do selinho de virgindade na sua testa!

– Diana! – Alessa disse entredentes, mas não me importei com o comentário, não é como se eu não soubesse que homens como Michael Villani procurassem por mulheres com essas características.

– Aposto que ele anda sedento pela Giulia! – Diana fala de um jeito malicioso, que me deixa tímida, acho que o pensamento constante em como escapar daquele casamento me toma tanto tempo que não havia pensado nisso até o momento. Para mim, Michael vive rodeado de mulheres, ele não deixaria seus velhos hábitos porque vai se casar.

– Giulia? – Alessa me cutuca de leve em busca de algum detalhe.

– Não há muito o que falar, não o vejo com muita frequência – digo, sob os olhares atentos de minhas primas.

– Já se beijaram? – Diana chega mais perto, curiosíssima.

– Não – digo, me ajeitando no sofá, e noto a determinação das duas em querer saber de detalhes da minha relação com Michael Villani.

– Uau, Giulia levando os ensinamentos religiosos a sério – Diana brinca, e fica séria antes de continuar – o primeiro beijo de vocês vai ser na frente de todos, durante o noivado?

– Você falando assim, parece bem ruim mesmo – sinto um leve tremor, não era desse jeito que eu costumava pensar em como seria meu primeiro beijo, não com pessoas assistindo, seria constrangedor para dizer o mínimo.

– Olha, Michael chegou – Alessa fala apontando com o nariz, discretamente em direção ao outro lado da sala – quem é o homem que está com ele?

Ela se refere a Chris Villani, o consiglieri, que parece bem à vontade enquanto cumprimenta meu tio, e os demais, assim como Michael. Linda olha discretamente em nossa direção, sei que ela gostaria que eu fosse até lá e ficasse ao lado de Michael, e não há como ignorar depois que ele olha diretamente para mim, como se estivesse me aguardando. Me aproximo, as garotas logo atrás de mim, ele beija meu rosto timidamente, e depois de responder a um gracejo do consiglieri com um sorriso, me sento ao lado dele.

Não posso deixar de notar a forma sedutora que Diana fala rapidamente com Michael, apesar da discrição dele, eles fariam um casal magnífico, minha prima é o tipo de mulher que nasceu para se casar com um homem como ele. Durante o jantar, a conversa é descontraída, nada de negócios, somente família, detalhes do casamento que não tarda a acontecer, o que minha família gostaria de fazer enquanto estiver em Nova Iorque, e Diana aproveita para insinuar que gostaríamos de aproveitar a noite. Vejo uma troca de olhares rápida entre Michael e Chris, enquanto Joe diz para Diana que conversarão sobre isso nos dias que devem se seguir.

Apesar da noite agradável, as palavras de Diana ficam martelando em minha cabeça, e a ideia de beijar Michael na frente dos convidados, e aí devo dizer que os principais homens Cavalieri e Villani estarão presentes, com suas famílias para o pedido oficial, e em minha imaginação, seria um vexame completo, com direito a náuseas, desmaio ou ficar completamente sem ação na frente de todos, daí para pior. Olho para Michael, que fala sobre saírem dali para um de seus clubes com meu tio e Chris, o típico entretenimento masculino, bebidas, charutos e jogo de cartas, e penso como seria beijá-lo. Ele tem uma boca atraente, e por um momento me ocorre o quanto Michael é experiente, e que deve beijar muito bem.

– Giulia? – a voz de Chris me traz de volta de meus pensamentos inoportunos, e sinto meu rosto esquentar. Michael olha para mim, a sobrancelha direita levemente erguida, e o consiglieri continua – eu estava dizendo que mandaremos Michael para casa cedo, sei que vocês tem um compromisso importante amanhã, serão apenas drinques e cartas.

– Oh, acho que os senhores devem aproveitar a ocasião – pergunto-me o quanto da conversa havia perdido, enquanto a conversa continua, animada.

Meus tios não se demoraram muito depois do jantar, ele deixaria tia Charlotte e minhas primas no hotel e seguiria para algumas rodadas de pôquer com os Villani, e assim mesmo, enquanto eles deixavam a casa, percebi a mão de Michael ao redor do meu braço, puxando-me gentilmente impedindo-me de sair da casa, sinto como se ele tivesse lido meus pensamentos porque estamos muito próximos. Sou uma tola, ele deve ter percebido que foi o motivo da minha distração e isso só piorava a situação, deixar um homem como aquele ainda mais seguro de si era tudo o que eu não precisava!

– Está tudo bem, Giulia? – ele pergunta calmamente – você parecia meio distraída durante o jantar.

– Acho que estou ansiosa sobre o almoço com a sua mãe – não é mentira – na real, estou apavorada, e com a impressão que ela não gostará de mim.

– Não se preocupe, minha mãe é uma pessoa muito gentil, vai gostar dela – ele disse, e tocou meu rosto de leve – tente descansar, teremos um dia cheio.

Eu o observei voltar-se para a porta e sair sem olhar para trás, para a noite, enquanto eu voltava para meu silêncio e pensamentos sobre tudo que havia acontecido desde minha última noite no convento. Me sinto completamente só.

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