Não tenho a menor noção do que deixei para trás ao entrar na ambulância enquanto Giulia recebe os primeiros socorros. Parece que meus pensamentos estão presos em um loop onde cada vez mais quero ver novamente que eu o matei. Ouço a socorrista apreensiva dizendo que Giulia perdeu muito sangue, e que só saberão com certeza no hospital, mas dependendo do local onde a bala se alojou, pode ser um grande risco operá-la. Sinto dores pelo corpo de tão tenso que estou, aquele tiro não era para ela, Nikolai sabia disso e teve o fim que merecia.Sigo com ela pelos corredores, um grupo de enfermeiras assume seu atendimento, a enfermeira chefe tenta localizar o médico, e ouço a voz de Joe logo atrás de mim, dizendo para quem ela deve ligar logo a seguir, ela confirma que o tal Dr. Mancini está no hospital. Joe mete uma carteirada dizendo a ela que diga a ele que Joe Cavalieri pede gentilmente para que ele atenda Giulia imediatamente. Vejo a maca sendo levada pelas enfermeiras depois que uma delas
Abro meus olhos, é como se eu tivesse emergido de um longo mergulho. Estou deitada, há acessos em meus braços, uma bolsa de medicação pingando lentamente e alguém segurando minha mão. Michael está sentado ao lado da cama, e no momento que passo meu polegar pelo seu indicador ele olha para mim. Sua expressão é de alívio e ele se levanta devagar e chega mais perto de mim. Vê-lo é como relembrar o que provavelmente me trouxe até aqui, e é assustador como me lembro exatamente de tudo. A bala zunindo e me queimando, o olhar de Nikolai ao perceber que acertou o tiro e errou o alvo, e que antes de absolutamente nada, tudo que eu vi foi Mike, inclinando-se para mim.Eu toco seu rosto e percebo sua aflição se esvaindo, Michael beija minha mão, e aos poucos sinto um ligeiro desconforto na região abdominal, então ele me conta que milagrosamente nenhum órgão vital foi atingido, mas que devido ao meu estado passei por alguns procedimentos delicados.– Não era assim que eu queria que você soubesse
Acordo sobressaltada, um barulho alto e ensurdecedor faz meu coração disparar, porque sei do que se trata. Um tiro. Olho para o relógio na mesa de cabeceira antiga ao lado da minha cama, são três da manhã, e a súbita urgência em sair dali me deixa aflita. No escuro, ouço vozes se alterando, e mesmo sabendo ser impossível ouvir aquela distância, tento acompanhar a movimentação dentro. Eu preciso sair daqui, ou, pelo menos, me esconder.Quando abro a porta, vejo a Irmã Angela se aproximando, ela coloca o dedo em riste sobre os lábios e aponta para o roupão, simples porém confortável sobre o baú aos pés da minha cama. Em seguida, com urgência faz sinal para que eu a siga. Eu rezava todas as noites para que eles não me encontrassem, para que me esquecessem, mas a verdade é que em nosso mundo, praticamente tudo se passa de um para outro. O dinheiro, as propriedades, os problemas, o ódio, as promessas quebradas. E eu sou um fruto de uma promessa quebrada.Quando deixei Nova York, dois anos
Não demorou para que eu fosse encontrada, e tenho que confessar que de dentro daquele armário, tremendo e tentando manter minha respiração controlada a fim de passar despercebida, não houve um momento em que achei que eles não me encontrariam. Ouvia minha mãe aos sussurros, ao logo dos anos em que tivemos que deixar tudo para trás, e mudar as pressas, as vezes sem destino, os Villani não paravam até que conseguirem seu objetivo. Quando eu era criança eu não entendia, mas quando o fundo falso do armário foi identificado, e a porta violentamente aberta a minha frente, pela primeira vez desde sua morte, eu senti medo.– Signorina Cavaliere – disse o homem a minha frente – tem que vir comigo.Para onde mais eu iria afinal? Não muito longe dali eu ouvia vozes, fora do convento mais tiros e mesmo que eu me recusasse, mesmo que eu protestasse, esperneasse, eu não sabia o que estava acontecendo. Se eu respondesse que não iria a lugar algum, ele poderia me jogar sobre seus ombros com facilidad
Já é tarde, e enquanto sirvo-me de mais uma dose de uísque penso na idiotice que havia feito ao prometer ao meu pai em seu leito de morte, algo de que eu certamente me arrependeria para o resto de minha vida. Era claro, tanto para os Villani, quanto para os Cavalieri que aquela desavença já havia durado tempo demais, e que talvez esse acordo funcionasse, e se as famílias não pudessem deixar no passado tudo o que havia acontecido, pelo menos que o embate cessasse, o que poderia gerar até mesmo alguma colaboração entre todos os envolvidos.Ela é jovem demais. E insolente demais. Encarou-me como se estivesse acima do bem e do mal, e não vamos nos entender se me contrariar somente porque acha que está certa. Sei que Giulia deve agir assim por inúmeros motivos, toda a vida nas mãos de Donatella, que não pensava em nada a não ser em si mesma, guiando-a por uma infância e adolescencia conturbada, sempre fugindo, escondendo-se. Porém, era a oportunidade que ela teria de viver em segurança, co
Chegando a bela residência onde vive Linda Villani, logo noto a presença de segurança por toda a parte, como na mansão em Província di Roma, o lugar é imenso. Fabian abre a porta do carro para mim, enquanto Linda sai pela outra porta falando com alguém ao celular. Fabian Schiavo é minha escolta pessoal, e pela maneira que vem se comportando desde que saímos da Itália, Michael deve tê-lo ameaçado de morte por ter me jogado no banco do carro enquanto deixávamos o convento. O homem está me tratando como se eu fosse feita de cristal, abrindo portas, cuidando até mesmo se subo ou desço alguma escada, e apesar de ter achado divertido nas primeiras vezes, está começando a me irritar.Linda me trata com muita gentileza, apesar de não confiar nem mesmo em minha sombra depois de tudo, me sinto bem na presença dela. Ela sorri calorosamente enquanto entramos na casa, passando por um pequeno hall e indo em seguinte para uma sala confortável de onde posso ver outros ambientes. Em um deles uma garot
Estou no quarto escovando meus cabelos, pensando que é hora de cortá-los um pouco, tentando não sofrer por antecipação já que logo meu tio deve chegar a casa de Linda. A última vez que o vi, foi quando ele enviou-me de volta a Itália, eu não queria ficar, queria voltar para o lugar onde havia vivido com minha mãe nos últimos meses de sua vida. Dizem que ela morreu de tristeza, ela nunca mais foi a mesma pessoa depois da morte de meu pai, e eu tinha a impressão que iria pelo mesmo caminho. Meu tio fez se espalhar os boatos de lugares onde eu poderia estar, e até mesmo alguns de que eu havia morrido. E durante dois anos eu vivi praticamente reclusa no Convento de Santa Lucia, ocasionalmente saía para o vilarejo com a Madre e algumas irmãs, e sempre me senti protegida por elas. Meu tia enviava dinheiro, para minhas despesas, e como forma de gratidão ao Convento, as vezes, nos falávamos por telefone, as vezes eu recebia cartas de Nikolai, mas meu contato com o mundo fora das antigas pare
Com o passar dos dias, não só de assuntos relacionados a Giulia Cavalieri necessitam de minha atenção. Por motivos que todos sabemos, os russos parecem estar querendo vingança pelos homens perdidos na Itália e por termos colaborado com os Cavalieri, tomando deles dois fornecedores de droga em Chicago. Estamos não somente em maior número, mas melhor organizados, e além de tudo, desde que não interfiram nos negócios os civis estão seguros em nossa vizinhança. Não damos motivos para a polícia, nem eles fazem questão de investigar quando é muito mais favorável fingir que não veem uma infração aqui, outra ali. Muito diferente dos russos, cujo diplomacia é inexistente.Nossos inimigos em comum estão recuando, mas eu não me engano, desde que os boatos de que estavam enviando homens de prestígio internacional, entre eles seu executor, Nikolai Dotroiov. Desconfiava-se que ele estava em Nova Iorque à alguns dias e que sua missão é recuperar não só seus domínios e recursos, como levar com ele Gi