Capitulo 03

Vittorio Bianchi

Não entendo o que se passa na cabeça dessa garota. Sei apenas que ela está brincando com fogo — e o pior é que sou eu quem está prestes a queimar.

Vejo Hugo e os demais indo para a sala enquanto os empregados retiram os pratos da mesa. Pelo canto do olho, percebo Heloísa deslizando silenciosamente pelos fundos da casa. Meu corpo reage antes da minha razão: dou um passo, depois outro, até a seguir.

Desde quando ela se tornou essa mulher? Tão segura, tão certa do que quer — e tão imprudente?

— Vittorio? — Ela se vira e me encontra. Me amaldiçoo por dentro. Estou aqui. De novo. Envolvido nesse laço invisível que ela insiste em puxar.

— Heloísa, precisamos conversar. Você tem que esquecer o que pensa que sente por mim. 

Ela ergue o queixo com a audácia de quem sabe exatamente o que faz.

— Não fuja, tio. Sei o que senti e sei que você sentiu também, quando me beijou, mesmo que tenha sido apenas um beijo em minha face.

Engulo em seco. Minhas defesas estão caindo rápido demais.

— Foi um erro. Um grande erro — repito, tentando convencer a ela. A mim. A qualquer um que ainda queira ouvir.

Ela se aproxima, olhos cheios de brilho e desafio.

— Se foi mesmo um erro... por que está tão abalado?

Tento manter o controle. Respiro fundo.

— Porque tenho idade para ser seu pai, Heloísa! — Minha voz se eleva, carregada de um desespero que não consigo mais conter. — Isso é errado em todos os sentidos.

Mas ela apenas sorri, aquele sorriso teimoso, o mesmo que dava quando quebrava regras pequenas. Agora, porém, as regras são grandes. Perigosas.

— Mas você não é meu pai. — Sua voz é calma, incisiva. — E o que você se... foi real.

Ela encurta a distância entre nós. Seus dedos tocam meu braço, leves, mas queimam como brasa. É demais.

Seguro seu pulso, afastando-a com firmeza, sem machucar, mas com urgência.

— Não pode continuar. Você é praticamente da minha família, Heloísa. Isso foi um impulso, uma confusão. Você ainda é muito jovem para entender.

Ela não recua. Seus olhos escurecem, a dor se mistura à fúria em sua expressão.

— Você pode dizer o que quiser, Vittorio, mas sei que está fugindo. Você sente. E isso te apavora.

Ela está certa. E é exatamente por isso que preciso ser cruel.

— Esqueça, Heloísa. Se afaste de mim.

As palavras saem duras, frias. Ela congela por um instante, seus olhos brilhando com mágoa. Mas não posso vacilar.

Viro as costas e vou embora antes que minha coragem me abandone.

Mal chego a porta de entrada da casa, pego o celular no bolso. As mãos tremem. Digito um número que guardei no fundo da memória. Quando a voz masculina do outro lado atende, sou direto:

— Vou para a Itália. Pessoalmente. Cuidar do vinhedo.

— Agora? — A surpresa é evidente.

— O mais rápido possível. Organize tudo.

Desligo antes que o peso da minha decisão me esmague.

Volto para a sala tentando parecer inteiro. Hugo me nota de imediato.

— Finalmente voltou! — diz, erguendo um copo. — Onde se meteu?

Ignoro o tom e caminho até o bar. Sirvo um copo de uísque e tomo em um gole só. Preciso daquilo. Preciso de coragem líquida.

— Preciso falar com vocês.

Todos os olhares se voltam para mim. Hugo franze o cenho.

— O que houve?

— Vou voltar para a Itália — digo, firme.

O silêncio cai como uma pedra.

— O quê? — Hugo levanta-se, confuso. — Desde quando você quer cuidar do vinhedo?

— Desde agora.

— Está fugindo de alguma coisa? Você nunca se importou com o vinhedo.

— Estou tomando uma decisão.

— Quando vai?

— Talvez em alguns dias.

Ava ri, incrédula. Hugo me encara com olhos que conhecem demais. Mas não insiste. Aperta meu ombro.

— Me avise antes de partir. Quero me despedir.

Apenas aceno. Não sei se quero despedidas. Quero distância.

Já é noite quando decido ir embora. A brisa é fria, mas não tanto quanto o que sinto por dentro. Passo pelo jardim — e ali está ela.

Heloísa.

Sozinha. Perto da piscina. A luz reflete na água, nos cabelos dela, no vazio que há entre nós. Quando me vê, se vira. Seus olhos já sabem a verdade.

— Então é real. — Sua voz é baixa, mas carrega tudo que ela não disse antes.

Fecho os olhos por um instante.

— Você não deveria estar aqui.

— Está fugindo de mim.

— Estou indo cuidar do meu negócio. Isso não tem nada a ver com você.

Ela dá um sorriso triste, sem humor.

— Não minta para mim, Vittorio.

— E é por isso que estou indo. — Minha voz é firme, mesmo que tudo em mim seja instável.

— Acha mesmo que a distância vai mudar alguma coisa?

Não respondo. Porque ela tem razão.

— Heloísa, você vai superar isso. Vai viver sua vida. Vai esquecer. E encontrar alguém da sua idade, que te faça feliz e que não seja errado

— E você?

— Eu vou esquecer. Preciso esquecer. Vou assumir a Liliane.

Ela suspira. Me observa por um longo tempo.

— Vá, então. Mas saiba de uma coisa, Vittorio: você pode fugir agora... mas um dia, nossos caminhos vão se cruzar de novo. Espero que não se arrependa.

Viro-me antes que ela veja nos meus olhos que estou perdido. Antes que ela veja que, apesar de tudo... estou torcendo para que esse dia realmente chegue.

Falei da Liliane para fazê-la desistir, mas, na verdade, quero apenas me isolar e esquecer esse sentimento que nem eu consigo entender de verdade.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP