Capitulo 08

Heloisa Moura

O ar da vinícola era sempre carregado com aquele aroma adocicado de uvas maduras e madeira envelhecida. Eu já tinha me acostumado com isso, assim como tinha me acostumado com Vittorio e sua mania insuportável de me afastar sempre que as coisas ficavam intensas.

Mas hoje... hoje eu estava cansada desse jogo.

Me sentei na varanda com alguns relatórios da safra e logo Matteo apareceu. Ele era do tipo que conversava fácil, cheio de histórias sobre o cultivo, o processo de vinificação entre outros. E eu gostava de ouvir.

E, claro, eu sentia o olhar de Vittorio queimando em mim a cada risada que escapava dos meus lábios.

— Então, vocês fazem a colheita sempre de madrugada? — perguntei, interessada.

Matteo sorriu, se encostando no batente da varanda.

— Sim. O frescor preserva melhor o sabor das uvas. — Ele fez uma pausa e me olhou com curiosidade. — Você tem jeito de quem gostaria de ver de perto.

— Eu adoraria — respondi, sincera.

Foi quando senti a presença de Vittorio antes mesmo de ver ele ali.

Ele chegou sem fazer barulho, mas o peso do seu olhar me fez levantar os olhos para encontrar ele parado a poucos metros, braços cruzados, a expressão fechada.

— Vejo que já se enturmou, Heloísa — disse, a voz carregada com um tom controlado demais.

Fingi não notar sua irritação.

— Matteo estava me contando sobre a colheita. Ele entende muito sobre o processo.

— Ele cresceu aqui. Seria estranho se não entendesse.

O tom cortante fez Matteo ajeitar a postura.

— Bom, eu já ia indo — disse ele, coçando a nuca. — Mais tarde posso te mostrar o resto da vinícola, se quiser.

— Vou adorar — respondi, sorrindo.

Assim que Matteo saiu, Vittorio permaneceu onde estava, sem se mover, mas seus olhos diziam tudo.

— Algum problema, Vittorio?

— Você sabe que ele só está tentando impressionar você, não sabe?

Inclinei a cabeça, me divertindo com o tom controlado da voz dele.

— E se estiver?

Ele apertou a mandíbula.

— Você realmente vai brincar disso?

Me levantei devagar e caminhei até ele, sentindo seu corpo inteiro enrijecer à medida que me aproximava.

— Brincar? Não seja ridículo. Matteo é um cara interessante. Inteligente, divertido… — eu estava perto o suficiente para ver a respiração pesada dele. — Diferente de certos homens que gostam de fugir.

Os olhos de Vittorio escureceram. Ele queria reagir. Eu via isso nos ombros tensos, na forma como seus dedos se fecharam ao lado do corpo.

— Faça o que quiser, Heloísa. Mas não se esqueça de que ele trabalha para mim.

Soltei uma risada baixa.

— E você não se esqueça de que não sou sua propriedade, e muito menos sua funcionária Vittorio. Estou aqui apenas para te ajudar, até você se recuperar.

Ele ficou em silêncio, seus olhos cravados nos meus como se tentasse me decifrar.

Então eu apenas sorri, me virei e saí dali sem olhar para trás.

O jogo tinha virado. E agora, eu queria ver até onde Vittorio conseguiria manter o autocontrole antes de finalmente ceder.

Ao cair da noite, fui na varanda, pois eu adorava o cheiro que ficava quando escurecia, tinha um ar diferente na vinícola. E então escutei a voz dele, Matteo se aproximava com um sorriso no rosto.

— Vim te buscar, para ver a colheita de pertinho, vamos?

Matteo estendeu a mão, em busca da minha. — E assim eu o segui.

Eu não sabia exatamente o que esperava quando aceitei o convite de Matteo para acompanhar a colheita. Talvez apenas ver o processo de perto. Talvez provocar Vittorio um pouco mais.

Talvez, no fundo, eu quisesse testar até onde ele aguentaria.

— Vai precisar disso. — Matteo me entregou uma lanterna e um par de luvas quando chegamos ao vinhedo.

O lugar estava iluminado por algumas luzes estrategicamente posicionadas entre as fileiras de uvas. Trabalhadores caminhavam entre as videiras, cortando os cachos com precisão.

— Então, por onde começamos? — perguntei, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo.

— Vou te ensinar o jeito certo de cortar. — Matteo sorriu, me entregando uma tesoura especial para a colheita. — Segura firme e corta aqui. — Ele mostrou o movimento preciso.

Fiz como ele ensinou, cortando meu primeiro cacho.

— Muito bem, Heloísa. Se um dia decidir largar tudo, já tem emprego garantido aqui.

Sorri, aproveitando a leveza do momento. Matteo era fácil de lidar. Não tinha rodeios, não recuava. Diferente de Vittorio.

Ou pelo menos… até aquele momento.

Porque eu sabia que ele estava ali, antes mesmo de vê-lo.

Senti seu olhar queimando em mim, como um toque invisível que arrepiou minha pele antes mesmo de eu me virar.

Vittorio estava parado a alguns metros, braços cruzados, a expressão sombria sob a pouca luz.

Matteo percebeu e se afastou inventando uma desculpa.

— Vou ver como estão as caixas. Volto já.

E então me deixou sozinha com ele. Vittorio demorou alguns segundos antes de falar.

— O que diabos você está fazendo aqui? — Ele pergunta.

Ergui uma sobrancelha.

— Achei que fosse óbvio. Estou ajudando na colheita.

Ele deu um passo à frente, os olhos me analisando.

— Você não tem nada a ver com isso.

Cruzei os braços, desafiando-o.

— Por que se incomoda tanto, Vittorio? Está com medo que eu descubra que sua vinícola funciona perfeitamente sem você?

Seus olhos brilharam perigosamente.

— Isso não tem nada a ver com a vinícola.

— Não? Então qual é o problema? O fato de Matteo estar aqui comigo? Me ensinando como as coisas funcionam?

A tensão entre nós ficou densa, pesada como o ar antes de uma tempestade. Ele estava lutando consigo mesmo, e eu sabia disso.

— Você não faz ideia do que está fazendo, Heloísa. O Matteo, não respeita as mulheres, ele é um conquistador.

— Engraçado… — dei um passo para perto, olhando diretamente em seus olhos. — Porque eu tenho a impressão de que sei exatamente. E falar em conquistador... Sabemos muito bem quem foge, e não encara os desafios.

— Heloisa, você era apenas uma criança. — O maxilar de Vittorio se contraiu, e ele avançou um passo, reduzindo a distância entre nós. Sua presença era avassaladora, como sempre. Mesmo machucado, mesmo tentando manter o controle, ele era uma força bruta de pura intensidade. — Você acha que isso é um jogo? — Sua voz era um murmúrio grave, mas carregado de algo que eu não conseguia definir completamente. Raiva? Frustração? Desejo?

Eu não recuei. Segurei sua atenção com o olhar e mantive minha postura firme.

— Acho que você está com medo — retruquei, desafiadora. — Medo de perder o controle, medo de que eu veja que por trás de toda essa pose existe um homem que sente.

Os olhos dele brilharam sob a luz fraca das lanternas espalhadas pelo vinhedo. Seu corpo estava tenso, como se lutasse contra algo interno, algo que eu não conseguia ver, mas sentia. Ele passou a língua pelos lábios, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras que diria a seguir.

— Você não sabe nada sobre mim, Heloísa. Nada.

— Então me ensine — desafiei, cruzando os braços. — Porque até agora, tudo o que vejo é um homem que empurra tudo e todos para longe, mas que não consegue desviar o olhar quando estou por perto.

A respiração dele acelerou. Seus dedos se fecharam e se abriram ao lado do corpo, e eu percebi que ele estava à beira do limite.

— Você está brincando com fogo — ele avisou, a voz mais baixa agora, quase um sussurro rouco.

Me aproximei mais um pouco, sentindo o calor que emanava dele, mesmo naquela noite fresca.

— E você está se queimando, Vittorio.

Por um segundo, achei que ele fosse fazer algo. Tocar-me. Segurar meu rosto. Puxar-me para perto. O ar entre nós era pesado, elétrico, e meu coração batia tão forte que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.

Mas, como sempre, ele se conteve. Fechou os olhos por um breve instante e deu um passo para trás, criando um espaço que me fez sentir um vazio imediato.

— Vá para casa, Heloísa — disse, com uma firmeza que me irritou. — Isso aqui não é para você.

Eu podia ter insistido. Podia ter testado seus limites um pouco mais. Mas, naquele momento, percebi algo importante: Vittorio já estava perto demais de ceder.

Então apenas sorri de leve, abaixei a lanterna e passei por ele, roçando de propósito meu ombro no dele. Não olhei para trás ao me afastar, mas eu sabia. Eu sabia que ele estava me observando, sentindo a mesma tempestade que ameaçava me engolir inteira.

E, dessa vez, eu sabia que não demoraria para que ele parasse de fugir.

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