Heloisa Moura
O ar da vinícola era sempre carregado com aquele aroma adocicado de uvas maduras e madeira envelhecida. Eu já tinha me acostumado com isso, assim como tinha me acostumado com Vittorio e sua mania insuportável de me afastar sempre que as coisas ficavam intensas. Mas hoje... hoje eu estava cansada desse jogo. Me sentei na varanda com alguns relatórios da safra e logo Matteo apareceu. Ele era do tipo que conversava fácil, cheio de histórias sobre o cultivo, o processo de vinificação entre outros. E eu gostava de ouvir. E, claro, eu sentia o olhar de Vittorio queimando em mim a cada risada que escapava dos meus lábios. — Então, vocês fazem a colheita sempre de madrugada? — perguntei, interessada. Matteo sorriu, se encostando no batente da varanda. — Sim. O frescor preserva melhor o sabor das uvas. — Ele fez uma pausa e me olhou com curiosidade. — Você tem jeito de quem gostaria de ver de perto. — Eu adoraria — respondi, sincera. Foi quando senti a presença de Vittorio antes mesmo de ver ele ali. Ele chegou sem fazer barulho, mas o peso do seu olhar me fez levantar os olhos para encontrar ele parado a poucos metros, braços cruzados, a expressão fechada. — Vejo que já se enturmou, Heloísa — disse, a voz carregada com um tom controlado demais. Fingi não notar sua irritação. — Matteo estava me contando sobre a colheita. Ele entende muito sobre o processo. — Ele cresceu aqui. Seria estranho se não entendesse. O tom cortante fez Matteo ajeitar a postura. — Bom, eu já ia indo — disse ele, coçando a nuca. — Mais tarde posso te mostrar o resto da vinícola, se quiser. — Vou adorar — respondi, sorrindo. Assim que Matteo saiu, Vittorio permaneceu onde estava, sem se mover, mas seus olhos diziam tudo. — Algum problema, Vittorio? — Você sabe que ele só está tentando impressionar você, não sabe? Inclinei a cabeça, me divertindo com o tom controlado da voz dele. — E se estiver? Ele apertou a mandíbula. — Você realmente vai brincar disso? Me levantei devagar e caminhei até ele, sentindo seu corpo inteiro enrijecer à medida que me aproximava. — Brincar? Não seja ridículo. Matteo é um cara interessante. Inteligente, divertido… — eu estava perto o suficiente para ver a respiração pesada dele. — Diferente de certos homens que gostam de fugir. Os olhos de Vittorio escureceram. Ele queria reagir. Eu via isso nos ombros tensos, na forma como seus dedos se fecharam ao lado do corpo. — Faça o que quiser, Heloísa. Mas não se esqueça de que ele trabalha para mim. Soltei uma risada baixa. — E você não se esqueça de que não sou sua propriedade, e muito menos sua funcionária Vittorio. Estou aqui apenas para te ajudar, até você se recuperar. Ele ficou em silêncio, seus olhos cravados nos meus como se tentasse me decifrar. Então eu apenas sorri, me virei e saí dali sem olhar para trás. O jogo tinha virado. E agora, eu queria ver até onde Vittorio conseguiria manter o autocontrole antes de finalmente ceder. Ao cair da noite, fui na varanda, pois eu adorava o cheiro que ficava quando escurecia, tinha um ar diferente na vinícola. E então escutei a voz dele, Matteo se aproximava com um sorriso no rosto. — Vim te buscar, para ver a colheita de pertinho, vamos? Matteo estendeu a mão, em busca da minha. — E assim eu o segui. Eu não sabia exatamente o que esperava quando aceitei o convite de Matteo para acompanhar a colheita. Talvez apenas ver o processo de perto. Talvez provocar Vittorio um pouco mais. Talvez, no fundo, eu quisesse testar até onde ele aguentaria. — Vai precisar disso. — Matteo me entregou uma lanterna e um par de luvas quando chegamos ao vinhedo. O lugar estava iluminado por algumas luzes estrategicamente posicionadas entre as fileiras de uvas. Trabalhadores caminhavam entre as videiras, cortando os cachos com precisão. — Então, por onde começamos? — perguntei, prendendo o cabelo em um rabo de cavalo. — Vou te ensinar o jeito certo de cortar. — Matteo sorriu, me entregando uma tesoura especial para a colheita. — Segura firme e corta aqui. — Ele mostrou o movimento preciso. Fiz como ele ensinou, cortando meu primeiro cacho. — Muito bem, Heloísa. Se um dia decidir largar tudo, já tem emprego garantido aqui. Sorri, aproveitando a leveza do momento. Matteo era fácil de lidar. Não tinha rodeios, não recuava. Diferente de Vittorio. Ou pelo menos… até aquele momento. Porque eu sabia que ele estava ali, antes mesmo de vê-lo. Senti seu olhar queimando em mim, como um toque invisível que arrepiou minha pele antes mesmo de eu me virar. Vittorio estava parado a alguns metros, braços cruzados, a expressão sombria sob a pouca luz. Matteo percebeu e se afastou inventando uma desculpa. — Vou ver como estão as caixas. Volto já. E então me deixou sozinha com ele. Vittorio demorou alguns segundos antes de falar. — O que diabos você está fazendo aqui? — Ele pergunta. Ergui uma sobrancelha. — Achei que fosse óbvio. Estou ajudando na colheita. Ele deu um passo à frente, os olhos me analisando. — Você não tem nada a ver com isso. Cruzei os braços, desafiando-o. — Por que se incomoda tanto, Vittorio? Está com medo que eu descubra que sua vinícola funciona perfeitamente sem você? Seus olhos brilharam perigosamente. — Isso não tem nada a ver com a vinícola. — Não? Então qual é o problema? O fato de Matteo estar aqui comigo? Me ensinando como as coisas funcionam? A tensão entre nós ficou densa, pesada como o ar antes de uma tempestade. Ele estava lutando consigo mesmo, e eu sabia disso. — Você não faz ideia do que está fazendo, Heloísa. O Matteo, não respeita as mulheres, ele é um conquistador. — Engraçado… — dei um passo para perto, olhando diretamente em seus olhos. — Porque eu tenho a impressão de que sei exatamente. E falar em conquistador... Sabemos muito bem quem foge, e não encara os desafios. — Heloisa, você era apenas uma criança. — O maxilar de Vittorio se contraiu, e ele avançou um passo, reduzindo a distância entre nós. Sua presença era avassaladora, como sempre. Mesmo machucado, mesmo tentando manter o controle, ele era uma força bruta de pura intensidade. — Você acha que isso é um jogo? — Sua voz era um murmúrio grave, mas carregado de algo que eu não conseguia definir completamente. Raiva? Frustração? Desejo? Eu não recuei. Segurei sua atenção com o olhar e mantive minha postura firme. — Acho que você está com medo — retruquei, desafiadora. — Medo de perder o controle, medo de que eu veja que por trás de toda essa pose existe um homem que sente. Os olhos dele brilharam sob a luz fraca das lanternas espalhadas pelo vinhedo. Seu corpo estava tenso, como se lutasse contra algo interno, algo que eu não conseguia ver, mas sentia. Ele passou a língua pelos lábios, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras que diria a seguir. — Você não sabe nada sobre mim, Heloísa. Nada. — Então me ensine — desafiei, cruzando os braços. — Porque até agora, tudo o que vejo é um homem que empurra tudo e todos para longe, mas que não consegue desviar o olhar quando estou por perto. A respiração dele acelerou. Seus dedos se fecharam e se abriram ao lado do corpo, e eu percebi que ele estava à beira do limite. — Você está brincando com fogo — ele avisou, a voz mais baixa agora, quase um sussurro rouco. Me aproximei mais um pouco, sentindo o calor que emanava dele, mesmo naquela noite fresca. — E você está se queimando, Vittorio. Por um segundo, achei que ele fosse fazer algo. Tocar-me. Segurar meu rosto. Puxar-me para perto. O ar entre nós era pesado, elétrico, e meu coração batia tão forte que eu tinha certeza de que ele podia ouvir. Mas, como sempre, ele se conteve. Fechou os olhos por um breve instante e deu um passo para trás, criando um espaço que me fez sentir um vazio imediato. — Vá para casa, Heloísa — disse, com uma firmeza que me irritou. — Isso aqui não é para você. Eu podia ter insistido. Podia ter testado seus limites um pouco mais. Mas, naquele momento, percebi algo importante: Vittorio já estava perto demais de ceder. Então apenas sorri de leve, abaixei a lanterna e passei por ele, roçando de propósito meu ombro no dele. Não olhei para trás ao me afastar, mas eu sabia. Eu sabia que ele estava me observando, sentindo a mesma tempestade que ameaçava me engolir inteira. E, dessa vez, eu sabia que não demoraria para que ele parasse de fugir.Vittorio Bianchi Faz um mês que cai do Ébano, e amanhã voltarei no hospital para verificar se está tudo bem e tirar esse gesso que está me deixando impossibilitado. Por um lado estou feliz, pois voltarei ao trabalho com todo vigor, por outro lado, não quero deixar que a Heloísa vá embora. Mesmo que durante todo esse tempo, não tenha acontecido nada entre nós além de provocações, não sei se estou preparado para vê-la partir. Sem que ela saiba tomei a decisão de ligar para o Hugo, preciso de uma desculpa para que ela não volte para Nova Iorque agora. Peguei o celular sobre a mesa de cabeceira e deslizei o dedo pela tela até encontrar o contato de Hugo. Respirei fundo antes de apertar o botão para ligar. Era raro eu recorrer a ele para algo, mas desta vez, não tinha outra escolha. — Vittorio! Como você está? Já está querendo mandar a Heloísa para casa? — Hugo atendeu de imediato, seu tom carregado de bom humor. — Já me recuperando. Amanhã tiro o gesso e volto ao trabalho — r
Heloisa Moura Eu estava organizando algumas anotações sobre os vinhos quando meu celular tocou. Ao ver o nome do meu pai na tela, atendi imediatamente. — Pai? — Bom dia, filha! Como está tudo por aí? — Tudo bem. Vittorio vai tirar o gesso amanhã — disse casualmente, cruzando os braços. — Ótimo! Mas, na verdade, liguei para falar sobre outra coisa. Quero que você fique mais um tempo na vinícola. Franzi o cenho. — Como assim? — O lançamento do novo espumante está se aproximando, e Vittorio mencionou que sua ajuda seria essencial nesse processo. Você criou um bom vínculo com a equipe e está trazendo ideias valiosas. Acho que seria uma excelente experiência para você. Apertei os lábios, sentindo uma irritação sutil crescer dentro de mim. E, ao mesmo tempo, um sorriso brotou de meus lábios. — E foi o Vittorio que sugeriu isso? — Sim, mas eu concordo com ele. Essa pode ser uma oportunidade única para o seu crescimento profissional. Respirei fundo. Meu pai estava realmente con
Vittorio BianchiAo sairmos do hospital decido perguntar para Heloisa se ela já se decidiu se vai ou não ficar aqui. Ela me olha com tom de desafio e fala que está considerando e o mais tentador é quando ela me desafia a convencê-la a ficar. Dou um sorriso de lado e a prendo entre meu corpo e o carro, sinto sua respiração ficar irregular e o brilho desafiador em seus olhos me instiga, mas é a forma como sua respiração vacila que me dá a certeza de que estou no caminho certo. Meu rosto se aproxima do dela, e posso sentir o calor de sua pele, desço meus lábios até seu pescoço e depósito um beijo ali, seguindo meus lábios até sua orelha.— Quer que eu a convença, Heloisa? — murmuro, minha voz saindo baixa, rouca. Um pouco mais alto que um sussurro.Seus lábios se entreabrem, e o brilho nos olhos vacila por um segundo, como se ela própria estivesse surpresa com sua reação. Gosto dessa oscilação, desse conflito que vejo se desenrolar em sua expressão. É um jogo, e ela sabe disso. Mas, dif
Heloísa moura Eu deveria parar.Cada parte do meu corpo grita que isso é perigoso, que me envolver com Vittorio é me jogar no fogo sem a menor chance de sair ilesa. Mas quando ele me beija desse jeito, quando suas mãos traçam caminhos lentos e torturantes pelo meu corpo, é impossível pensar com clareza.A verdade? Eu não quero parar.Não quando ele me olha assim, como se eu fosse a única coisa que importa no mundo. Não quando seu toque me faz esquecer de tudo que prometi a mim mesma.Meu corpo se encaixa contra o dele como se pertencesse exatamente ali. Minhas mãos deslizam por sua nuca, sentindo os fios macios entre meus dedos, e quando ele morde de leve meu lábio inferior, um arrepio delicioso percorre minha espinha.Isso é insano. Perigoso. É viciante.Minha respiração está ofegante, e ele sabe disso. Seus dedos pressionam minha cintura com mais firmeza, me puxando ainda mais para si. Eu deveria dizer algo, impor um limite antes que isso vá longe demais. Mas então ele sussurra:—
Vittorio BianchiNão sei onde estou com a cabeça, mas uma vez me deixei levar, Heloisa, mesmo em corpo de mulher, ainda é uma criança. Lembro o dia em que ela nasceu, quando a segurei pela primeira vez em meus braços, tão inocente, tão pequena, e agora ela nada mais é que um furacão em forma de gente. A forma como ela rebolava em cima do meu pau, tive que me segurar muito para não fuder com ela ali mesmo.Tento desfasar, para que os empregados não percebam nada, não quero nem imaginar se o Hugo descobre que tive a ousadia de tocar na filhinha dele.Saio do quarto dela sentindo o corpo tenso, como se minha própria pele fosse uma armadilha da qual não consigo escapar. O ar do corredor parece pesado, carregado com o cheiro doce do perfume dela, uma lembrança insolente do que acabei de fazer — do que nunca deveria ter feito.Passo a mão pelos cabelos, tentando afastar os pensamentos que insistem em me atormentar. Eu sabia que isso era errado, sabia que não deveria sequer olhar para ela d
Heloisa Moura A estrada à minha frente parece infinita. Cada metro percorrido é uma despedida silenciosa daquilo que nunca deveria ter começado. O carro avança devagar pelo caminho de terra que leva à saída da propriedade, e eu mantenho o olhar fixo na janela, me recusando a olhar para trás. Minha mente repete a cena de minutos atrás como um disco quebrado. O olhar de Vittorio quando pedi uma resposta que ele não pôde me dar. O silêncio sufocante que se seguiu. O vazio no peito quando percebi que eu estava me segurando a algo que nunca existiu de verdade. Minha mala está jogada ao meu lado no banco. Poucos pertences, apenas o suficiente para voltar para casa. Para longe dele. Para longe do desejo que me consumia e da culpa que me sufocava. — Senhorita, tem certeza de que deseja ir direto para o aeroporto? — o motorista perguntou educadamente, seus olhos atentos pelo retrovisor. Minha voz sai firme, mesmo que minhas mãos estejam trêmulas. — Sim, direto para o aeroporto. O homem
Vittorio Bianchi O céu da Itália desapareceu pela janela do avião, mas a sensação de que estou deixando algo inacabado me acompanha.Heloisa foi embora. E, com ela, levou algo que não consigo nomear, mas que pesa no peito a cada dia que passa.Eu tentei ignorar. Mergulhei no trabalho, tentei afogar a confusão em taças de vinho perfeitamente envelhecido, mas nada funcionou. A vinícola sem ela parece… vazia.Talvez por isso eu esteja aqui, a caminho da casa dela. Assim que chego à casa dos Mouras, Hugo me recebe com um sorriso surpreso.— Ora, ora! O que um italiano perdido está fazendo nos EUA? Solto um suspiro, dando de ombros.— Precisava sair um pouco da Itália. A vinícola anda bem, mas... tudo lá me lembra uma garota. E é complicado.Hugo solta uma risada, me dando um tapa no ombro.— Ah, então é isso! Não sabia que você estava apaixonado, Bianchi. Mas entendo, às vezes um novo ambiente ajuda a clarear a mente.Assinto, forçando um sorriso. Ele comprou a desculpa. Mas a verdade?
Heloisa moura Fazia muito tempo que não me sentia tão… irritada.Vittorio tinha o dom de mexer comigo de um jeito que ninguém mais conseguia. Ele me provocava, me desafiava, me fazia querer gritar e beijá-lo na mesma intensidade.Mas o que mais me irritava era a maldita confiança que ele tinha."Você percebe que não consegue ficar longe de mim."Quem ele pensa que é?Cruzo os braços, observando ele se afastar como se soubesse exatamente o que estava fazendo comigo. E talvez soubesse.Porque, no fundo, ele estava certo.Vittorio sempre foi minha maior fraqueza. E minha maior tentação.Fecho os olhos por um instante, tentando recuperar o controle. Desde que ele chegou, tenho evitado ao máximo ficar sozinha com ele. Mas agora, depois dessa conversa, depois desse olhar intenso, sei que fugir não vai mais adiantar.Ele está aqui. E ele está esperando por mim…..Mais tarde naquela noite, depois do jantar, subi para o meu quarto e me jogo na cama. Meus pensamentos estão um caos.Ficar perto