Vittorio Bianchi
Heloísa saiu do banheiro sem olhar para trás, e eu fiquei parado ali, com a toalha enrolada na cintura, sentindo o corpo inteiro tenso. Ela me desafiava de uma forma que nenhuma outra mulher já tinha feito. Não era com palavras afiadas ou provocações vazias, mas com a verdade crua do que sentia. Ela me queria, e droga, eu também a queria. Encostei as mãos na pia, fitando meu reflexo no espelho. O corte na testa, as olheiras fundas, a expressão exausta… Eu parecia um homem à beira do colapso. E talvez estivesse. Passei a toalha nos cabelos molhados e saí do banheiro. Vesti uma calça de moletom com dificuldade, meu corpo inteiro protestando contra qualquer movimento. Mas a dor física não era nada comparada à outra. Eu deveria me afastar. Mas, quando desci para tomar um pouco de água na cozinha, dei de cara com ela na sala de estar, analisando alguns papéis da vinícola. Seu cabelo estava preso em um coque bagunçado, uma taça de vinho de lado, caneta entre os dedos enquanto mordia o lábio, concentrada. Respirei fundo, mas era tarde demais. Ela já tinha me visto. — Você não devia estar descansando? — perguntou parando o que estava fazendo — Se estiver com sede, me chama que levo algo até seu quarto, está andando com dificuldade. — Não precisa se preocupar comigo, não está doendo tanto, e caminhar ajuda na recuperação — disse, parando ao lado dela — E você não devia estar dormindo? Ela ergueu o olhar para mim, os olhos iluminados pela pouca luz da lareira. — Alguém tem que garantir que sua vinícola não vá pelos ares, enquanto você se recupera. Cruzei os braços e me apoiei na mesa. — Você sempre teve essa necessidade de controlar tudo? Ela sorriu de canto. — Eu aprendi com o melhor. Revirei os olhos. — Seu pai. — Não. — Ela me encarou. — Você. Aquilo me pegou de surpresa. Fiquei em silêncio, observando ela, e ela fez o mesmo. A tensão voltou a se instalar entre nós, mas dessa vez era diferente. Menos bruta, mais… inevitável. Ela se levantou lentamente, deixando os papéis sobre a mesa. Se aproximou de mim com passos leves, sem pressa. — O que foi? — perguntei, a voz mais baixa do que pretendia. — Você. — Ela parou bem à minha frente. — Você é o problema. — Helô… — Você me evita, mas não consegue ficar longe. Me afasta, mas olha para mim como se quisesse tudo. Você me deixa confusa. Ela estava certa. E isso me enfurecia. — Você quer que eu pare? — perguntou. Minha respiração ficou presa na garganta, porque eu sabia a resposta. Mas também sabia que, se dissesse a verdade, não haveria volta. Então fiz a única coisa que ainda me restava. Toquei seu rosto com a ponta dos dedos e deslizei até sua nuca, sentindo seu arrepio sob meu toque. Ela fechou os olhos, esperando, e por um segundo, me permiti imaginar como seria. Ceder. Mas então, me forcei a soltar um suspiro pesado e a me afastar. Não posso me deixar levar novamente. — Boa noite, Heloisa. E subi para o quarto sem olhar para trás. Fechei a porta do quarto atrás de mim com mais força do que o necessário. Meu corpo inteiro estava tenso, meus músculos doloridos, mas nada doía tanto quanto o desejo reprimido que queimava em meu peito. Eu estava no meu limite. Passei a mão pelo rosto e soltei um suspiro frustrado. Não era só atração. Se fosse, seria mais fácil ignorar. Mas Heloísa era como um vinho raro que eu nunca deveria provar — e, no entanto, o aroma dela já estava impregnado em mim. Mas não. Eu não podia. Me deitei na cama, esperando que o sono me levasse para longe daquela confusão. Mas o destino não estava ao meu favor. O som de uma batida suave na porta me despertou. — Vittorio? Era a voz dela. Fechei os olhos com força. Se eu ignorasse, talvez ela desistisse. Talvez... — Sei que está acordado — insistiu. Soltei um suspiro pesado antes de responder: — O que foi, Helô? A porta se abriu devagar, e a luz do corredor iluminou sua silhueta. Ela hesitou por um instante, então entrou, fechando a porta atrás de si. — Você está com dor? — perguntou baixinho. Ela estava vestindo uma camisola de seda clara, e o tecido fino que marcava suas curvas de uma forma que fez meu autocontrole vacilar. Desviei o olhar. — Estou bem. Pode voltar para o seu quarto. Ela cruzou os braços, me estudando. — Você nunca aceita ajuda, não é? — Não preciso. — Teimoso. Ela caminhou até a escrivaninha onde eu havia deixado um frasco de pomada para os hematomas. Pegou o vidro e virou-se para mim. — Tire a camisa. Ergui uma sobrancelha. — O quê? — Você não está conseguindo passar isso sozinho com um braço machucado. Então, tire a camisa. — Não preciso… — Vittorio. A forma como ela disse meu nome me fez perder qualquer argumento. Bufei, mas fiz o que ela pediu. Assim que tirei a camisa, senti o olhar dela sobre meu corpo, e algo dentro de mim se aqueceu. Ela se sentou ao meu lado na cama, abriu o frasco e começou a espalhar a pomada com os dedos delicados. O toque dela era cuidadoso, e delicado. Fechei os olhos, tentando não reagir. — Está doendo? — sua voz saiu mais baixa. — Não. A dor era o menor dos meus problemas agora. Ela continuou, os dedos deslizando pelos músculos. Meu coração batia forte, e o ar parecia mais pesado entre nós. — Vittorio... Abri os olhos e encontrei os dela. Ela estava tão perto. Tão malditamente perto. — O que foi? — minha voz saiu rouca. Ela hesitou por um segundo, depois mordeu o lábio. — Se eu te beijasse agora, você me afastaria? O ar me faltou. Cada célula do meu corpo gritava para que eu dissesse "não". Mas minha mente sabia que, se eu cruzasse essa linha, nunca mais voltaria. Heloisa ainda esperava minha resposta, os olhos cravados nos meus, a respiração acelerada. Eu sabia que, se não me afastasse agora, nada mais impediria o que estava prestes a acontecer. Mas eu não me mexi,ela se inclinou um pouco mais para perto. Sua boca parou a um fio de distância da minha. — Não estou te pedindo permissão, Vittorio — ela sussurrou. — Só quero saber se você vai fugir de novo. Minha respiração ficou presa na garganta. Ela me conhecia bem demais. Sabia que eu tinha passado a vida fugindo. De sentimentos, de promessas, de laços que pudessem me prender. Mas com Heloísa… fugir parecia impossível. Minhas mãos se moveram sozinhas, deslizando pela curva de sua cintura, a puxando para mais perto. Ela soltou um suspiro suave quando nossas testas se tocaram, como se já soubesse o que seguiria. — Me diz para parar — ela provocou. Mas eu não disse. O ar entre nós estava carregado, cada centímetro de distância entre nossos corpos parecia pequeno demais. Eu podia sentir seu perfume, o calor da sua pele tão perto da minha. Mas então, algo dentro de mim gritou para recuar. Para não atravessar essa linha. Fechei os olhos e soltei um suspiro pesado antes de afastá-la com delicadeza, meus dedos deslizando por sua cintura até a soltar por completo. — Helô… vai descansar — murmurei, minha voz saindo rouca. Ela me observou por alguns segundos, como se esperasse que eu mudasse de ideia. Mas quando percebeu que eu não faria isso, deu um pequeno sorriso de canto, sem disfarçar a frustração nos olhos. — Você pode fugir de mim, Vittorio… mas não por muito tempo. E com isso, ela pegou o frasco de pomada, se virou e saiu do quarto sem olhar para trás. Fiquei ali, parado no mesmo lugar, ouvindo seus passos se afastando pelo corredor. Passei a mão pelo rosto e fechei os olhos. Droga, Se ela soubesse o quanto eu queria ficar junto dela.Heloisa Moura O ar da vinícola era sempre carregado com aquele aroma adocicado de uvas maduras e madeira envelhecida. Eu já tinha me acostumado com isso, assim como tinha me acostumado com Vittorio e sua mania insuportável de me afastar sempre que as coisas ficavam intensas.Mas hoje... hoje eu estava cansada desse jogo.Me sentei na varanda com alguns relatórios da safra e logo Matteo apareceu. Ele era do tipo que conversava fácil, cheio de histórias sobre o cultivo, o processo de vinificação entre outros. E eu gostava de ouvir.E, claro, eu sentia o olhar de Vittorio queimando em mim a cada risada que escapava dos meus lábios.— Então, vocês fazem a colheita sempre de madrugada? — perguntei, interessada.Matteo sorriu, se encostando no batente da varanda.— Sim. O frescor preserva melhor o sabor das uvas. — Ele fez uma pausa e me olhou com curiosidade. — Você tem jeito de quem gostaria de ver de perto.— Eu adoraria — respondi, sincera.Foi quando senti a presença de Vittorio ante
Vittorio Bianchi Faz um mês que cai do Ébano, e amanhã voltarei no hospital para verificar se está tudo bem e tirar esse gesso que está me deixando impossibilitado. Por um lado estou feliz, pois voltarei ao trabalho com todo vigor, por outro lado, não quero deixar que a Heloísa vá embora. Mesmo que durante todo esse tempo, não tenha acontecido nada entre nós além de provocações, não sei se estou preparado para vê-la partir. Sem que ela saiba tomei a decisão de ligar para o Hugo, preciso de uma desculpa para que ela não volte para Nova Iorque agora. Peguei o celular sobre a mesa de cabeceira e deslizei o dedo pela tela até encontrar o contato de Hugo. Respirei fundo antes de apertar o botão para ligar. Era raro eu recorrer a ele para algo, mas desta vez, não tinha outra escolha. — Vittorio! Como você está? Já está querendo mandar a Heloísa para casa? — Hugo atendeu de imediato, seu tom carregado de bom humor. — Já me recuperando. Amanhã tiro o gesso e volto ao trabalho — r
Heloisa Moura Eu estava organizando algumas anotações sobre os vinhos quando meu celular tocou. Ao ver o nome do meu pai na tela, atendi imediatamente. — Pai? — Bom dia, filha! Como está tudo por aí? — Tudo bem. Vittorio vai tirar o gesso amanhã — disse casualmente, cruzando os braços. — Ótimo! Mas, na verdade, liguei para falar sobre outra coisa. Quero que você fique mais um tempo na vinícola. Franzi o cenho. — Como assim? — O lançamento do novo espumante está se aproximando, e Vittorio mencionou que sua ajuda seria essencial nesse processo. Você criou um bom vínculo com a equipe e está trazendo ideias valiosas. Acho que seria uma excelente experiência para você. Apertei os lábios, sentindo uma irritação sutil crescer dentro de mim. E, ao mesmo tempo, um sorriso brotou de meus lábios. — E foi o Vittorio que sugeriu isso? — Sim, mas eu concordo com ele. Essa pode ser uma oportunidade única para o seu crescimento profissional. Respirei fundo. Meu pai estava realmente con
Vittorio BianchiAo sairmos do hospital decido perguntar para Heloisa se ela já se decidiu se vai ou não ficar aqui. Ela me olha com tom de desafio e fala que está considerando e o mais tentador é quando ela me desafia a convencê-la a ficar. Dou um sorriso de lado e a prendo entre meu corpo e o carro, sinto sua respiração ficar irregular e o brilho desafiador em seus olhos me instiga, mas é a forma como sua respiração vacila que me dá a certeza de que estou no caminho certo. Meu rosto se aproxima do dela, e posso sentir o calor de sua pele, desço meus lábios até seu pescoço e depósito um beijo ali, seguindo meus lábios até sua orelha.— Quer que eu a convença, Heloisa? — murmuro, minha voz saindo baixa, rouca. Um pouco mais alto que um sussurro.Seus lábios se entreabrem, e o brilho nos olhos vacila por um segundo, como se ela própria estivesse surpresa com sua reação. Gosto dessa oscilação, desse conflito que vejo se desenrolar em sua expressão. É um jogo, e ela sabe disso. Mas, dif
Heloísa moura Eu deveria parar.Cada parte do meu corpo grita que isso é perigoso, que me envolver com Vittorio é me jogar no fogo sem a menor chance de sair ilesa. Mas quando ele me beija desse jeito, quando suas mãos traçam caminhos lentos e torturantes pelo meu corpo, é impossível pensar com clareza.A verdade? Eu não quero parar.Não quando ele me olha assim, como se eu fosse a única coisa que importa no mundo. Não quando seu toque me faz esquecer de tudo que prometi a mim mesma.Meu corpo se encaixa contra o dele como se pertencesse exatamente ali. Minhas mãos deslizam por sua nuca, sentindo os fios macios entre meus dedos, e quando ele morde de leve meu lábio inferior, um arrepio delicioso percorre minha espinha.Isso é insano. Perigoso. É viciante.Minha respiração está ofegante, e ele sabe disso. Seus dedos pressionam minha cintura com mais firmeza, me puxando ainda mais para si. Eu deveria dizer algo, impor um limite antes que isso vá longe demais. Mas então ele sussurra:—
Vittorio BianchiNão sei onde estou com a cabeça, mas uma vez me deixei levar, Heloisa, mesmo em corpo de mulher, ainda é uma criança. Lembro o dia em que ela nasceu, quando a segurei pela primeira vez em meus braços, tão inocente, tão pequena, e agora ela nada mais é que um furacão em forma de gente. A forma como ela rebolava em cima do meu pau, tive que me segurar muito para não fuder com ela ali mesmo.Tento desfasar, para que os empregados não percebam nada, não quero nem imaginar se o Hugo descobre que tive a ousadia de tocar na filhinha dele.Saio do quarto dela sentindo o corpo tenso, como se minha própria pele fosse uma armadilha da qual não consigo escapar. O ar do corredor parece pesado, carregado com o cheiro doce do perfume dela, uma lembrança insolente do que acabei de fazer — do que nunca deveria ter feito.Passo a mão pelos cabelos, tentando afastar os pensamentos que insistem em me atormentar. Eu sabia que isso era errado, sabia que não deveria sequer olhar para ela d
Heloisa Moura A estrada à minha frente parece infinita. Cada metro percorrido é uma despedida silenciosa daquilo que nunca deveria ter começado. O carro avança devagar pelo caminho de terra que leva à saída da propriedade, e eu mantenho o olhar fixo na janela, me recusando a olhar para trás. Minha mente repete a cena de minutos atrás como um disco quebrado. O olhar de Vittorio quando pedi uma resposta que ele não pôde me dar. O silêncio sufocante que se seguiu. O vazio no peito quando percebi que eu estava me segurando a algo que nunca existiu de verdade. Minha mala está jogada ao meu lado no banco. Poucos pertences, apenas o suficiente para voltar para casa. Para longe dele. Para longe do desejo que me consumia e da culpa que me sufocava. — Senhorita, tem certeza de que deseja ir direto para o aeroporto? — o motorista perguntou educadamente, seus olhos atentos pelo retrovisor. Minha voz sai firme, mesmo que minhas mãos estejam trêmulas. — Sim, direto para o aeroporto. O homem
Vittorio Bianchi O céu da Itália desapareceu pela janela do avião, mas a sensação de que estou deixando algo inacabado me acompanha.Heloisa foi embora. E, com ela, levou algo que não consigo nomear, mas que pesa no peito a cada dia que passa.Eu tentei ignorar. Mergulhei no trabalho, tentei afogar a confusão em taças de vinho perfeitamente envelhecido, mas nada funcionou. A vinícola sem ela parece… vazia.Talvez por isso eu esteja aqui, a caminho da casa dela. Assim que chego à casa dos Mouras, Hugo me recebe com um sorriso surpreso.— Ora, ora! O que um italiano perdido está fazendo nos EUA? Solto um suspiro, dando de ombros.— Precisava sair um pouco da Itália. A vinícola anda bem, mas... tudo lá me lembra uma garota. E é complicado.Hugo solta uma risada, me dando um tapa no ombro.— Ah, então é isso! Não sabia que você estava apaixonado, Bianchi. Mas entendo, às vezes um novo ambiente ajuda a clarear a mente.Assinto, forçando um sorriso. Ele comprou a desculpa. Mas a verdade?