Capitulo 06

Heloisa Moura 

Assumir a vinícola não era um problema para mim. Eu entendia de safras, fermentação e a delicadeza do envelhecimento de um bom vinho. O que realmente tornava essa experiência um desafio era outra coisa.

Ou melhor, outra pessoa, Vittorio.

Desde que vim para a Itália, ele se manteve à distância, como se minha presença o incomodasse mais do que as próprias dores do acidente. Mas eu sabia que, por trás daquela frieza, havia algo mais.

— Ele já tomou os remédios? — perguntei a Matteo, que é um filho de um dos funcionários mais antigos do Vittorio, enquanto verificava a colheita das uvas.

— Tomou, sim, mas com muito custo — ele riu. — Ele não gosta de admitir que precisa de ajuda.

Revirei os olhos, já esperando aquela resposta.

— Vou falar com ele. Obrigada, Matteo.

Saí do campo e caminhei até a casa principal. Vittorio estava em repouso forçado, mas sabia que ele odiava essa situação.

Bati na porta e entrei sem esperar resposta. Ele estava sentado na beira da cama, com a camisa aberta até a metade, revelando parte do peito e a tipoia segurando seu braço imobilizado. Seu rosto estava cansado, e ele tentava, sem sucesso, desabotoar o restante da camisa com uma mão só.

— Precisa de ajuda? — perguntei, cruzando os braços.

Ele soltou um suspiro pesado.

— Não.

Mas era óbvio que sim.

Me aproximei, ignorando seu olhar de advertência, e comecei a desabotoar sua camisa. Seus músculos enrijeceram sob meu toque, e eu senti sua respiração ficar mais pesada.

— Helô, eu posso...

— Não pode — interrompi. Eu havia escutado ele reclamando com meu pai que estava com dificuldades para tomar banho, e eu sabia que ele jamais iria admitir isso para mim. — E você sabe disso.

Ele fechou os olhos por um instante, como se tentasse se controlar.

— Eu só preciso tomar um banho, não é nada de mais.

— Com um braço imobilizado e costelas fraturadas? Você mal consegue tirar a camisa sozinho.

Ele ficou em silêncio, claramente irritado por estar tão vulnerável.

— Eu posso chamar o Luiz — Diz ele a se referindo ao seu funcionário, o pai de Matteo 

— Você prefere que um dos funcionários te ajude a tomar banho do que eu? Qual seu problema comigo?

Vittorio me lançou um olhar afiado, mas não respondeu.

— Foi o que pensei.

Ele passou a língua pelos lábios, um gesto inconsciente que me distraiu por um segundo.

— Você não precisa fazer isso, Helô. Imagina se seu pai descobre que você me deu um banho?

— Mas eu vou. E meu pai sabe muito bem que você está incapacitado. 

Antes que ele protestasse de novo, estendi a mão para ajudá-lo a se levantar. Ele hesitou, mas, no fim, aceitou.

Levei-o até o banheiro, tentando ignorar a proximidade dos nossos corpos.

— Consegue se virar de costas?

Ele bufou, mas obedeceu. Ajudá-lo a tirar a camisa foi fácil, mas quando cheguei à calça, engoli em seco.

— Vittorio...

— Eu consigo fazer isso sozinho.

— Tem certeza?

— Helô.

Seu tom foi um aviso.

Me virei de costas, lhe dando privacidade. Ouvi o barulho da calça sendo removida e, logo depois, da água caindo no chuveiro.

— Ainda está aí? — ele perguntou, com a voz mais rouca do que o normal.

— Sim.

— Eu não vou me afogar, pode ir.

— Vittorio, eu...

— Helô. Vai.

Saí, mas fiquei parada do lado de fora, encostada na porta. Meu coração batia rápido demais.

Encostei na porta do banheiro, sentindo o calor subir pelo meu rosto. A sensação de ter Vittorio não próximo de mim, fazia meu coração disparar.

Por que depois de tanto tempo ele ainda mexia tanto comigo?

Fechei os olhos por um momento, tentando me recompor. Mas não tive muito tempo para isso.

— Helô... — A voz dele veio de dentro do banheiro, abafada pelo barulho do chuveiro.

— O que foi?

— Eu... — Houve uma pausa. — Preciso de ajuda.

Abri a porta hesitante e o encontrei parado de costas para mim, uma toalha enrolada na cintura, a água escorrendo pelos músculos tensos de suas costas. Meu olhar instintivamente deslizou pela pele molhada, pelas cicatrizes do acidente, pela forma como a água contornava cada linha de seu corpo.

Respira, Heloisa.

— O que houve? — minha voz saiu um pouco mais baixa do que eu pretendia.

Ele virou levemente o rosto para mim.

— Meu braço... não consigo enxugar direito.

Engoli em seco.

Com passos cuidadosos, me aproximei e peguei a toalha extra que estava no suporte. E passei suavemente por seus ombros, tentando ignorar a forma como sua respiração ficou mais lenta e pesada.

— Você está muito quieto — murmurei, tentando aliviar a tensão.

— Estou tentando não enlouquecer.

Meus movimentos pararam por um segundo.

E então ele continuou:

— Você não tem ideia do que está fazendo comigo.

Minha garganta secou.

— Vittorio...

Ele se virou lentamente, e nossos olhares se encontraram. Seus olhos estavam escuros, intensos. Havia algo ali que ele tentava reprimir, mas que eu via com tanta clareza que chegava a me deixar sem ar.

Minha mão ainda segurava a toalha contra seu peito. Eu podia sentir seu coração batendo acelerado sob meus dedos, tão forte quanto o meu.

— Você devia ir — ele disse, mas sua voz não tinha firmeza.

Não me mexi.

— E se eu não quiser ir?

Vittorio fechou os olhos por um momento, como se lutasse contra algo dentro dele. Quando os abriu novamente, eu soube que ele estava no limite.

— Não brinque comigo, Heloisa.

— Quem disse que eu estou brincando?

O silêncio entre nós era carregado.

Então, devagar, soltei a toalha e levei minha mão até seu rosto, tocando-o suavemente. Ele não se afastou.

Na verdade, ele inclinou levemente o rosto contra meu toque, como se estivesse se permitindo sentir.

— Você quer que eu vá? — perguntei, minha voz mal passando de um sussurro.

Ele engoliu em seco.

— Eu deveria querer.

— Mas não quer.

Os dedos de sua mão boa roçaram de leve minha cintura, um toque tão sutil que parecia acidental. Mas não era.

— Heloisa….

E eu sabia que, se eu não saísse naquele momento, algo mudaria entre nós para sempre.

O tempo parecia ter parado. O banheiro estava quente pelo vapor, mas não era a água quente que fazia minha pele formigar. Era ele. A forma como Vittorio me olhava, como se estivesse se segurando para não cruzar uma linha que jamais poderíamos voltar.

Mas eu queria que ele cruzasse.

Minha mão continuava em seu rosto, sentindo a aspereza da barba por fazer. Seus dedos tocaram minha cintura de novo, desta vez com um pouco mais de firmeza, e meu coração bateu tão forte que eu podia ouvir o som nos meus próprios ouvidos.

— Você deveria sair — ele disse, num tom que traía suas palavras.

— Diga isso olhando nos meus olhos — desafiei.

Vittorio respirou fundo, como se tentasse se controlar, mas em vez de recuar, ele fez o contrário. Seu rosto se aproximou do meu, e por um instante, achei que ele ia me beijar. Minha boca se entreabriu, esperando, desejando...

Mas ele parou a centímetros da minha pele.

— Você não faz ideia do que está pedindo, Heloisa.

Sua voz era um sussurro grave, carregado de algo que me fez estremecer.

Minha respiração estava acelerada. Minhas mãos tremiam ao lado do corpo, mas não de medo. De expectativa.

— Então me mostra — sussurrei de volta.

Foi o suficiente para que ele soltasse um palavrão baixo e fechasse os olhos por um segundo, como se estivesse lutando contra si mesmo. Quando os abriu novamente, havia um brilho perigoso ali, algo que fez meu estômago revirar.

Mas então, como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre nós, ele recuou.

Lentamente, afastou a mão da minha cintura e deu um passo para trás.

— Não podemos fazer isso, eu sou mais velho que você, sou como um tio Helô. Tenho idade para ser seu pai.

— Mais não é. E quem disse que idade é um problema? 

Ele passou a mão pelos cabelos molhados.

— O que acha que seu pai vai fazer comigo,  se descobrir a tensão entre nós? Não podemos fazer isso e não vamos ok?

Cruzei os braços, tentando ignorar a dor que aquelas palavras me causavam.

— E quem disse que você pode decidir isso por mim?

Ele ficou em silêncio, seu olhar me perfurando como se estivesse procurando uma resposta dentro de mim.

Por um momento, achei que ele fosse mudar de ideia. Que fosse finalmente admitir o que estava tão claro entre nós.

Mas, ao invés disso, ele apenas pegou a toalha e se virou de costas.

— Vá descansar, Helô.

Aquelas palavras foram piores do que qualquer golpe.

Respirei fundo, lutando contra o nó na garganta.

— Boa noite, Vittorio.

E então saí do banheiro, sem olhar para trás.

Mas eu sabia que isso estava longe de acabar.

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