Heloisa Moura
Assumir a vinícola não era um problema para mim. Eu entendia de safras, fermentação e a delicadeza do envelhecimento de um bom vinho. O que realmente tornava essa experiência um desafio era outra coisa.
Ou melhor, outra pessoa, Vittorio.
Desde que vim para a Itália, ele se manteve à distância, como se minha presença o incomodasse mais do que as próprias dores do acidente. Mas eu sabia que, por trás daquela frieza, havia algo mais.
— Ele já tomou os remédios? — perguntei a Matteo, que é um filho de um dos funcionários mais antigos do Vittorio, enquanto verificava a colheita das uvas.
— Tomou, sim, mas com muito custo — ele riu. — Ele não gosta de admitir que precisa de ajuda.
Revirei os olhos, já esperando aquela resposta.
— Vou falar com ele. Obrigada, Matteo.
Saí do campo e caminhei até a casa principal. Vittorio estava em repouso forçado, mas sabia que ele odiava essa situação.
Bati na porta e entrei sem esperar resposta. Ele estava sentado na beira da cama, com a camisa aberta até a metade, revelando parte do peito e a tipoia segurando seu braço imobilizado. Seu rosto estava cansado, e ele tentava, sem sucesso, desabotoar o restante da camisa com uma mão só.
— Precisa de ajuda? — perguntei, cruzando os braços.
Ele soltou um suspiro pesado.
— Não.
Mas era óbvio que sim.
Me aproximei, ignorando seu olhar de advertência, e comecei a desabotoar sua camisa. Seus músculos enrijeceram sob meu toque, e eu senti sua respiração ficar mais pesada.
— Helô, eu posso...
— Não pode — interrompi. Eu havia escutado ele reclamando com meu pai que estava com dificuldades para tomar banho, e eu sabia que ele jamais iria admitir isso para mim. — E você sabe disso.
Ele fechou os olhos por um instante, como se tentasse se controlar.
— Eu só preciso tomar um banho, não é nada de mais.
— Com um braço imobilizado e costelas fraturadas? Você mal consegue tirar a camisa sozinho.
Ele ficou em silêncio, claramente irritado por estar tão vulnerável.
— Eu posso chamar o Luiz — Diz ele a se referindo ao seu funcionário, o pai de Matteo
— Você prefere que um dos funcionários te ajude a tomar banho do que eu? Qual seu problema comigo?
Vittorio me lançou um olhar afiado, mas não respondeu.
— Foi o que pensei.
Ele passou a língua pelos lábios, um gesto inconsciente que me distraiu por um segundo.
— Você não precisa fazer isso, Helô. Imagina se seu pai descobre que você me deu um banho?
— Mas eu vou. E meu pai sabe muito bem que você está incapacitado.
Antes que ele protestasse de novo, estendi a mão para ajudá-lo a se levantar. Ele hesitou, mas, no fim, aceitou.
Levei-o até o banheiro, tentando ignorar a proximidade dos nossos corpos.
— Consegue se virar de costas?
Ele bufou, mas obedeceu. Ajudá-lo a tirar a camisa foi fácil, mas quando cheguei à calça, engoli em seco.
— Vittorio...
— Eu consigo fazer isso sozinho.
— Tem certeza?
— Helô.
Seu tom foi um aviso.
Me virei de costas, lhe dando privacidade. Ouvi o barulho da calça sendo removida e, logo depois, da água caindo no chuveiro.
— Ainda está aí? — ele perguntou, com a voz mais rouca do que o normal.
— Sim.
— Eu não vou me afogar, pode ir.
— Vittorio, eu...
— Helô. Vai.
Saí, mas fiquei parada do lado de fora, encostada na porta. Meu coração batia rápido demais.
Encostei na porta do banheiro, sentindo o calor subir pelo meu rosto. A sensação de ter Vittorio não próximo de mim, fazia meu coração disparar.
Por que depois de tanto tempo ele ainda mexia tanto comigo?
Fechei os olhos por um momento, tentando me recompor. Mas não tive muito tempo para isso.
— Helô... — A voz dele veio de dentro do banheiro, abafada pelo barulho do chuveiro.
— O que foi?
— Eu... — Houve uma pausa. — Preciso de ajuda.
Abri a porta hesitante e o encontrei parado de costas para mim, uma toalha enrolada na cintura, a água escorrendo pelos músculos tensos de suas costas. Meu olhar instintivamente deslizou pela pele molhada, pelas cicatrizes do acidente, pela forma como a água contornava cada linha de seu corpo.
Respira, Heloisa.
— O que houve? — minha voz saiu um pouco mais baixa do que eu pretendia.
Ele virou levemente o rosto para mim.
— Meu braço... não consigo enxugar direito.
Engoli em seco.
Com passos cuidadosos, me aproximei e peguei a toalha extra que estava no suporte. E passei suavemente por seus ombros, tentando ignorar a forma como sua respiração ficou mais lenta e pesada.
— Você está muito quieto — murmurei, tentando aliviar a tensão.
— Estou tentando não enlouquecer.
Meus movimentos pararam por um segundo.
E então ele continuou:
— Você não tem ideia do que está fazendo comigo.
Minha garganta secou.
— Vittorio...
Ele se virou lentamente, e nossos olhares se encontraram. Seus olhos estavam escuros, intensos. Havia algo ali que ele tentava reprimir, mas que eu via com tanta clareza que chegava a me deixar sem ar.
Minha mão ainda segurava a toalha contra seu peito. Eu podia sentir seu coração batendo acelerado sob meus dedos, tão forte quanto o meu.
— Você devia ir — ele disse, mas sua voz não tinha firmeza.
Não me mexi.
— E se eu não quiser ir?
Vittorio fechou os olhos por um momento, como se lutasse contra algo dentro dele. Quando os abriu novamente, eu soube que ele estava no limite.
— Não brinque comigo, Heloisa.
— Quem disse que eu estou brincando?
O silêncio entre nós era carregado.
Então, devagar, soltei a toalha e levei minha mão até seu rosto, tocando-o suavemente. Ele não se afastou.
Na verdade, ele inclinou levemente o rosto contra meu toque, como se estivesse se permitindo sentir.
— Você quer que eu vá? — perguntei, minha voz mal passando de um sussurro.
Ele engoliu em seco.
— Eu deveria querer.
— Mas não quer.
Os dedos de sua mão boa roçaram de leve minha cintura, um toque tão sutil que parecia acidental. Mas não era.
— Heloisa….
E eu sabia que, se eu não saísse naquele momento, algo mudaria entre nós para sempre.
O tempo parecia ter parado. O banheiro estava quente pelo vapor, mas não era a água quente que fazia minha pele formigar. Era ele. A forma como Vittorio me olhava, como se estivesse se segurando para não cruzar uma linha que jamais poderíamos voltar.
Mas eu queria que ele cruzasse.
Minha mão continuava em seu rosto, sentindo a aspereza da barba por fazer. Seus dedos tocaram minha cintura de novo, desta vez com um pouco mais de firmeza, e meu coração bateu tão forte que eu podia ouvir o som nos meus próprios ouvidos.
— Você deveria sair — ele disse, num tom que traía suas palavras.
— Diga isso olhando nos meus olhos — desafiei.
Vittorio respirou fundo, como se tentasse se controlar, mas em vez de recuar, ele fez o contrário. Seu rosto se aproximou do meu, e por um instante, achei que ele ia me beijar. Minha boca se entreabriu, esperando, desejando...
Mas ele parou a centímetros da minha pele.
— Você não faz ideia do que está pedindo, Heloisa.
Sua voz era um sussurro grave, carregado de algo que me fez estremecer.
Minha respiração estava acelerada. Minhas mãos tremiam ao lado do corpo, mas não de medo. De expectativa.
— Então me mostra — sussurrei de volta.
Foi o suficiente para que ele soltasse um palavrão baixo e fechasse os olhos por um segundo, como se estivesse lutando contra si mesmo. Quando os abriu novamente, havia um brilho perigoso ali, algo que fez meu estômago revirar.
Mas então, como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre nós, ele recuou.
Lentamente, afastou a mão da minha cintura e deu um passo para trás.
— Não podemos fazer isso, eu sou mais velho que você, sou como um tio Helô. Tenho idade para ser seu pai.
— Mais não é. E quem disse que idade é um problema?
Ele passou a mão pelos cabelos molhados.
— O que acha que seu pai vai fazer comigo, se descobrir a tensão entre nós? Não podemos fazer isso e não vamos ok?
Cruzei os braços, tentando ignorar a dor que aquelas palavras me causavam.
— E quem disse que você pode decidir isso por mim?
Ele ficou em silêncio, seu olhar me perfurando como se estivesse procurando uma resposta dentro de mim.
Por um momento, achei que ele fosse mudar de ideia. Que fosse finalmente admitir o que estava tão claro entre nós.
Mas, ao invés disso, ele apenas pegou a toalha e se virou de costas.
— Vá descansar, Helô.
Aquelas palavras foram piores do que qualquer golpe.
Respirei fundo, lutando contra o nó na garganta.
— Boa noite, Vittorio.
E então saí do banheiro, sem olhar para trás.
Mas eu sabia que isso estava longe de acabar.
Vittorio Bianchi Heloísa saiu do banheiro sem olhar para trás, e eu fiquei parado ali, com a toalha enrolada na cintura, sentindo o corpo inteiro tenso.Ela me desafiava de uma forma que nenhuma outra mulher já tinha feito. Não era com palavras afiadas ou provocações vazias, mas com a verdade crua do que sentia.Ela me queria, e droga, eu também a queria.Encostei as mãos na pia, fitando meu reflexo no espelho. O corte na testa, as olheiras fundas, a expressão exausta… Eu parecia um homem à beira do colapso.E talvez estivesse.Passei a toalha nos cabelos molhados e saí do banheiro. Vesti uma calça de moletom com dificuldade, meu corpo inteiro protestando contra qualquer movimento. Mas a dor física não era nada comparada à outra.Eu deveria me afastar.Mas, quando desci para tomar um pouco de água na cozinha, dei de cara com ela na sala de estar, analisando alguns papéis da vinícola. Seu cabelo estava preso em um coque bagunçado, uma taça de vinho de lado, caneta entre os dedos enqua
Heloisa Moura O ar da vinícola era sempre carregado com aquele aroma adocicado de uvas maduras e madeira envelhecida. Eu já tinha me acostumado com isso, assim como tinha me acostumado com Vittorio e sua mania insuportável de me afastar sempre que as coisas ficavam intensas.Mas hoje... hoje eu estava cansada desse jogo.Me sentei na varanda com alguns relatórios da safra e logo Matteo apareceu. Ele era do tipo que conversava fácil, cheio de histórias sobre o cultivo, o processo de vinificação entre outros. E eu gostava de ouvir.E, claro, eu sentia o olhar de Vittorio queimando em mim a cada risada que escapava dos meus lábios.— Então, vocês fazem a colheita sempre de madrugada? — perguntei, interessada.Matteo sorriu, se encostando no batente da varanda.— Sim. O frescor preserva melhor o sabor das uvas. — Ele fez uma pausa e me olhou com curiosidade. — Você tem jeito de quem gostaria de ver de perto.— Eu adoraria — respondi, sincera.Foi quando senti a presença de Vittorio ante
Vittorio BianchiCinco anos antes…Minha vida está ligada a família Moura desde que me entendo por gente, meus pais e os pais do Hugo eram amigos e fomos criados como irmãos já que não os temos. Embora seja cinco anos mais novo que o Hugo, temos uma ligação forte e após a morte dos nossos pais, ficamos ainda mais próximos. Ele se apaixonou pela Ava e se casaram, trazendo ao mundo a pequena Heloísa, ela é linda, não desgruda um minuto sequer de mim, hoje é seu aniversário de 15 anos e dentre tantos garotos da sua idade ela pediu que eu fosse o príncipe a dançar a valsa com ela. Fiquei feliz por essa escolha dela, mas não imaginaria que ter aquela garota em meus braços me faria tão bem.A música começa suavemente, e eu estendo a mão para ela. Heloísa sorri, seus olhos brilhando sob as luzes do salão. Sua mão pequena e delicada se encaixa na minha, e eu a puxo suavemente para mais perto, dando início à valsa.Nossos passos são sincronizados, como se tivéssemos feito isso mil vezes ant
Heloisa Moura Não sei como tudo começou, o que sei é que um belo dia acordei e comecei a olhar Vittorio Bianchi de uma forma diferente, ele para mim não era mais o tio Vittorio, era o homem com quem eu queria dar meu primeiro beijo.E daí que ele é mais velho.E daí que ele é amigo do meu pai.E daí que ele me vê como uma criança. Só quero um beijo, isso não é pedir demais.Minha mãe entra no meu quarto sem bater, como de costume, segurando um vestido longo de um azul profundo, quase real.— Feliz aniversário, minha princesa! — Ela sorri, os olhos brilhando com orgulho.Retribuo o sorriso, tentando conter minha ansiedade. Hoje é o meu dia, e de todos os presentes, apenas um me importa. Vittorio.Minha mãe me ajuda a vestir o vestido, ajeita meus cabelos em um penteado sofisticado e aplica uma maquiagem leve, realçando minha juventude. Durante todo o processo, minha mente está longe, imaginando o momento em que ele chegará. O momento em que dançaremos juntos.Quando desço para o salã
Vittorio BianchiNão sei o que se passa na cabeça dessa garota, só sei que ela está a brincar com fogo, vejo meus amigos indo para sala enquanto os empregados estão retirando a mesa, e pelo canto do olho vejo a Heloisa indo em direção aos fundos da casa.Minhas pernas tomam vida própria seguindo-a, desde quando ela se tornou essa menina-mulher, tão cheia de si?— Vittorio? — Ela me vê e me xingo por dentro, pois estou me tornando um idiota olhando-a assim.— Heloise, você precisa esquecer o que aconteceu entre nós. Não faz sentido...— Não fuja, tio, sei o que você sentiu o mesmo que eu, quando me beijou.— Heloisa, isso foi um erro. Um grande erro. — Minha voz sai firme, mas por dentro estou em ruínas.Ela avança um passo, me encurralando contra meus próprios princípios. Seus olhos brilham de teimosia e algo mais perigoso — uma convicção que me assusta.— Se foi um erro, por que está tão abalado? — Sua voz é um sussurro desafiador, e eu quase amaldiçoo o efeito que isso tem sobre mi
Vittorio BianchiNos tempos atuais...Eu não passava um único dia sem lembrar dela. Ainda assim, tentava me distrair a cada noite com uma mulher diferente, buscando, de todas as formas, arrancar aquela menina dos meus pensamentos. Já havia procurado por ela em todas as redes sociais, mas era como um fantasma, sem qualquer rastro digital.Meus devaneios foram interrompidos pelo toque do celular. Ao olhar para o visor, vi o nome de Hugo brilhar na tela.— Hugo, a que devo a honra dessa ligação? — disse, com ironia, pois fazia meses que não falava com ele.— Estou te ligando para fazer um convite — respondeu ele. — A Heloisa conseguiu terminar o curso de sommelier e passou com mérito, sendo a primeira da turma. Estou muito orgulhoso da minha menina.Ao ouvir o nome dela, senti todo o meu corpo reagir de maneira estranha. Um aperto no peito, um frio cortante na espinha, um desejo incontrolável de saber mais.— Desculpe, meu amigo, mas não poderei ir. A colheita das uvas está começando e e
Vittorio BianchiFico olhando para o vazio, como ele pode falar algo assim e agir nesta naturalidade, não posso ficar no mesmo ambiente que a Heloisa, não sei como ela está, hoje já é uma mulher, só de lembrar daquele beijo em seu aniversário meu membro dá sinais.Como vou permanecer debaixo do mesmo teto que ela e não pirar de vez?Eu passo as mãos pelos cabelos, tentando afastar os pensamentos que insistem em me assombrar. Hugo saiu do quarto como se tivesse soltado uma bomba e simplesmente seguido em frente, sem se importar com o estrago que deixou para trás. Mas o pior ainda está por vir.Não preciso esperar muito. A porta se abre novamente, e então, ela entra.Heloisa. Mais linda do que eu lembrava, tento me ajeitar na cama para que minha ereção não fique visível.Meu peito aperta ao vê-la depois de tantos anos. A garota que peguei no colo cresceu, se transformou em uma mulher que não deveria estar neste quarto, não me olhando assim, com aqueles olhos grandes e curiosos que parec