Era esta a razão da estadia dela e de sua família no castelo: assinar um acordo com a família real a fim de que juntassem sua filha com o pequeno e jovem príncipe em matrimônio, quando possuíssem idade suficiente. O acordo proporcionaria a todos muitos benefícios, principalmente na renda e no status de ambas as linhagens.
O sr. e a sra. Beaumont eram uma família nobre de Cannehor, e seu renome, respeito e fama dentre o povo provocavam na realeza certo interesse político; além disso, eram a principal opção da corte para um dia casar o príncipe com sua futura rainha. Portanto, todos acharam muito mais prático e benéfico forjar logo uma aliança através do casamento, e aqui estavam.
— Querida, não acha que vão procurar por nós eventualmente? — O sr. Beaumont perguntou.
— Ah, Simon, fique quieto. Há tanto tempo não nos divertimos! Sente-se e aproveite um pouco — ordenou a esposa em resposta, abrindo a cesta de palha.
— Está bem, Samantha. Mas eu ainda pressinto que algo dará errado.
— Você sempre acha isso, meu amor — riu. — Além disso, não há com o que se preocupar. A guarda real está a metros de distância. Se qualquer coisa acontecer, basta gritarmos. Agora, pare com esse medo irracional e vamos descansar um pouco.
Ambos sentaram-se na toalha estendida, começando a examinar a comida.
— Catherine! — Chamou seu pai. — A comida está te esperando.
— Já vou, papai.
Catherine saiu da floresta e foi até o centro da clareira, onde uma toalha xadrez de piquenique, branca e vermelha, estava posta. Sobre esta, no lado direito, encontrava-se uma cesta de palha, contendo frutas, queijos, pães e doces diversos, junto com uma garrafa de vinho e duas taças — pegas, com certeza, da cozinha real; no lado esquerdo da toalha, uma mulher morena deitava-se, olhando para o homem ao seu lado com ternura.
Os cabelos castanhos de Samantha contrastavam com seus olhos verdes, fazendo-os parecer mais escuros. O homem, por sua vez, fora o responsável por dar à Catherine os cabelos vermelhos enrolados, os quais eram acompanhados por sardas presentes em todo o seu rosto e olhos similares aos da esposa.
A menina sentou-se entre o pai e a mãe e deixou sua pequena coroa na toalha, logo atacando a cesta de doces. Enquanto comia toda a geleia de um pote, perguntou à Samantha a verdadeira razão de estarem ali.
— Hoje, mais tarde, te diremos tudo o que deseja saber, meu amor. Só tenha um pouco mais de paciência, sim?
— Tudo bem, mamãe. Mas estou curiosa.
— Eu sei, querida — disse seu pai. — Estamos ansiosos para lhe contar, mas o rei implora para que esperemos.
Catherine concordou e, após acabar de comer seu doce, arrastou-se para a beirada da toalha, ficando de costas para seus pais. Colocou a mão na grama, e moveu-a suavemente por cima das folhas. O capim, agora seco pela dureza do frio outonal, tornou-se verde lentamente sob seus dedos, adquirindo vida e cor. Quando retirou sua mão, olhou em volta, e a vida restaurada agora se estendia por toda a clareira, indo além dos limites da floresta. A menina sorriu e olhou para seus pais, a fim de compartilhar o grande avanço que estava tendo com seus poderes mágicos.
Mas, ao virar-se, ouviu um grito agudo, e o que viu chocou Catherine. O corpo inerte de seu pai estava deitado na grama, com os braços espalhados, os olhos arregalados, e a camisa clara manchada de sangue. No lugar de onde deveria ser seu coração, o cabo de uma faca estava afundado, mostrando uma pequena parte da lâmina de metal reluzente. A menina tropeçou para trás, apoiando-se nas mãos. Seguiu os olhos para sua mãe, que estava ajoelhada de costas para um homem, com uma arma de fogo pressionada em sua garganta.
A menina gritou tão alto que sua garganta ameaçou explodir, e o homem recuou. Ele usava uma roupa preta e seu rosto estava coberto com um capuz, mas era possível ver pouco de suas feições: não passava de um homem magro e muito, muito alto, com olhos negros e cheios de ódio. Catherine aproveitou seu momento de distração e tateou a grama às suas costas, procurando algo para usar como arma, e encontrou uma pedra, grande o suficiente para causar algum dano se jogada corretamente. Mas, como poderia ferir alguém, quando era apenas uma criança inocente e indefesa?
Não. Não indefesa. Tinha seus poderes, lembrou-se. E precisava usá-los, de algum modo, para salvar sua mãe. Então, atirou a pedra, mirando no rosto do rapaz, mas acabou acertando o estômago, por conta de sua altura exagerada e a evidente fraqueza da menina. Uma janela de surpresa abriu-se para ela enquanto o homem era atingido pela dor e se afastava da mulher. Catherine aproveitou, concentrando-se para fazer uma rajada de vento atingi-lo, mas só conseguiu fazer com que fosse lançado alguns metros para trás. A arma em sua mão atingiu a grama, mas não sem antes fazer uma bala acertar a cintura da mulher. A menina correu para socorrer sua mãe, que agora tossia, seus pulmões procurando por ar fresco. Uma grande mancha vermelha de sangue formava-se em sua roupa, aumentando mais a cada segundo.
Catherine moveu-se na intenção de ajudar sua mãe a se levantar, mas ela a afastou, procurando a filha com o olhar. Os olhos de Samantha refletiam seu medo e desespero, e, olhando para eles, a menina percebeu o que sua mãe queria dizer antes mesmo de abrir a boca: salve-se. Vá embora e não olhe para trás, eles diziam. Mas ela não conseguiria. Não poderia fugir e deixar sua mãe para morrer, não quando havia uma chance de salvar a ambas. Olhou para o corpo morto de seu pai, que já se tornava pálido, e lágrimas escorreram por seu rosto. Não poderia aceitar que aquilo acontecesse consigo e com Samantha.
Pelo canto do olho, viu o homem se recuperando. Sua janela de surpresa — os poucos segundos que conseguira com aquela pedra e a rajada de vento — estava se fechando. Precisava agir, e logo. Posicionou-se ao lado da mulher, pronta para carrega-la se fosse preciso, mas, ao invés de usar a filha como apoio, Samantha a abraçou, os joelhos falhando e o sangue escorrendo por seu corpo.
— Eu te amo — sussurrou ela, segurando o rosto de Catherine. — Prometa para mim... — tossiu — prometa que usará seus poderes apenas para o bem.
— Eu prometo — chorou, olhando para a ferida de sua mãe. — Eu te amo.
— Vá. Vá e não pare, por nada, não importa o que ouça.
— Perdoe-me... Eu sinto muito.
Afastou-se da mãe, limpando as lágrimas, e deu-lhe um último olhar para gravar seu rosto nas lembranças. O homem agora se rastejava na grama, com um ferimento na cabeça, procurando sua arma no chão. Os instintos de Catherine gritavam para que corresse, mas todo o seu corpo estava tenso, congelado e em choque. Fechou os olhos e levou alguns segundos para se recuperar. Não podia ficar ali. Eles estavam condenados, e, se não saísse logo daquela clareira, ela também estaria. Portanto, ficou de pé, sem olhar para frente, e fez o que seu subconsciente mandava: correu. No meio do caminho, ouviu um grito ao longe e o barulho de um tiro, mas não parou, mesmo sabendo que sua mãe havia caído, depois de muito lutar. Continuou correndo, como nunca antes, sem olhar para trás, por mais de uma hora.
Andou sem rumo até sair da floresta e esbarrar com uma plantação de vinhas, onde um homem de meia idade trabalhava, colhendo uvas e dirigindo-se à pequena casa de madeira alguns metros adiante. A casa que, agora, seria seu lar, por muito tempo.
Acordei com um susto. Em um segundo, estava numa clareira na floresta; no outro, estava encarando um teto de madeira branca e com tinta lascada. Sentei-me na cama e olhei ao redor, reconhecendo meu quarto. O quarto no qual dormia desde quando fui adotada aos nove anos. Suspirei e passei a mão na testa, limpando o suor que fazia meu cabelo pregar em meu rosto. Meu pescoço estava ainda pior.Levantei e fui ao banheiro para me enxaguar e me acalmar um pouco. Eu podia ou
— Bom dia, senhorita. O senhor Fairway está? — o homem para quem abri a porta perguntou, com um sorriso gentil. Seus olhos examinaram a casa, e pousaram na figura chocada de meu pai, que estava em pé no meio da cozinha.— Do que se trata? — perguntei, posicionando meu corpo em seu campo de visão.
Revirei-me no colchão a noite toda. Não conseguia deixar de pensar no pressentimento ruim que me invadia sempre que me lembrava dessa competição. Bobagem, repreendi a mim mesma mentalmente.
A carruagem andou por alguns minutos e eu não podia deixar de pensar no castelo e no que estava por vir. A competição poderia parecer algo estúpido para mim, mas sabia que era importante para o príncipe e para a família real; afinal, era a futura rainha que estava sendo escolhida, além de ser a mulher que traria herdeiros para o trono. Era muito relevante, apesar de errôneo. Eu suspirei, passando a mão na testa e tentando aceitar o fato de que agora eu era uma poss
Nós andamos por pelo menos mais dez minutos por um pasto verde vazio, quando finalmente avistei o castelo. Era uma construção imensa, com as paredes feitas de tijolo de pedra, empilhados um por um, o que causava certo desnível na textura. Havia duas torres grandes e quatro torres menores, que guardavam, no topo de cada uma, um arqueiro vigilante e a bandeira do país, com as cores do reino em destaque: branco, azul e prata. Afundei na banheira para enxaguar o rosto. A água estava morna e Íris havia colocado espuma e pétalas de rosa em meu banho. Eu fiquei impressionada, mas percebi que provavelmente era algo comum para quem morava em um castelo. Estava com a leve impressão de que sentiria falta das coisas simples que tinha em casa. A vida da realeza poderia ser maravilhosa, mas certamente não era perfeita. Pelo menos, não para mim. Tantas coisas com as quais lidar... O reino, o povo, as guerras e invasões, os impostos, as responsabilidades... Era preciso ser muito cauteloso e minucioso. Uma decisão tomada errada, quanto ao que fazer num campo de batalha ou quanto a tentar satisfazer as necessidades de seu povo, poderia colocar tudo a perder. Saí de meus devaneios quando percebi que ainda estava com a trança de hoje de manhã. A água não havia desfeito o penteado. Passei os dedos no cabelo e, conforme eu desemaranhava os fios, eles ondulavam-se. Lavei-o com um shampoo cheiroso que eu achei ao lado da banheCapítulo 6
Enquanto comia lentamente um delicioso pudim, eu tentava controlar minha raiva do príncipe por ter me enganado e questionava a mim mesma por que ele havia feito isso. Ele convencera Íris a mentir para mim! O que havia de errado com esse sujeito? As perguntas rondavam minha mente, e eu imaginei se os guardas me prenderiam caso eu gritasse com o único herdeiro do trono. Deduzi que sim, então tentei achar um jeito de controlar meus sentimentos. Apesar de não ser nada demais, não gostava de ser enganada. Acho que ninguém gostaria, na verdade, até porque aquilo não fazi
O homem entrou às pressas no quarto, andando de um lado para o outro. Ele aparentava ter acordado há pouco, assim como eu, pois suas roupas estavam amassadas e seu cabelo negro estava bagunçado. Sua pele levemente bronzeada e seus olhos verdes meio amarelados faziam dele uma pessoa atraente, e eu levei algum tempo para reconhecê-lo, devido ao sono. Era o filho da condessa. Eu não tinha ideia de qual era seu nome, tudo o que sabia sobre ele era que seria o conde do reino em alguns anos, mas, por agora, era chamado de príncipe. O que é que ele estava fazendo em meu quarto?