Capítulo 8

O homem entrou às pressas no quarto, andando de um lado para o outro. Ele aparentava ter acordado há pouco, assim como eu, pois suas roupas estavam amassadas e seu cabelo negro estava bagunçado. Sua pele levemente bronzeada e seus olhos verdes meio amarelados faziam dele uma pessoa atraente, e eu levei algum tempo para reconhecê-lo, devido ao sono. Era o filho da condessa. Eu não tinha ideia de qual era seu nome, tudo o que sabia sobre ele era que seria o conde do reino em alguns anos, mas, por agora, era chamado de príncipe. O que é que ele estava fazendo em meu quarto?

— Nós precisamos conversar — repetiu. — Meu nome é Matthew. Desculpe vir tão cedo, mas eu queria encontrar você sozinha, e essa foi a única solução que consegui pensar.

— Falar comigo? No meio da noite? Sozinho? — enfatizei, para que entendesse o quão estranho aquilo era. Cruzei os braços e mantive-me afastada. — O que um príncipe poderia querer comigo?

— Eu sei que isso é estranho, mas, por favor, preciso que me escute. Logo vai amanhecer, não temos muito tempo.

Olhei para a janela e percebi que ele estava certo. O sol despontava no horizonte, iluminando o céu com seus primeiros raios alaranjados. Matthew virou-se e andou até o banheiro, para voltar em seguida segurando em suas mãos um jarro de vidro com pétalas de rosa.

— O que está fazendo? Isso é usado no banho.

— Eu sei. Olhe, isso vai ser incomum para você, mas, não importa o que pense, não fuja. Por favor.

Meu medo da situação cresceu quando o príncipe disse aquilo, e eu dei um passo para trás. Estávamos a um metro de distância quando ele, sem razão aparente, despejou o conteúdo do jarro no chão e deixou-o na cama. Deu um passo para o lado e a luz do nascer do sol iluminou a mancha vermelha no carpete.

De repente, uma a uma, as pétalas deixaram o chão e começaram a flutuar, até formarem uma fila no ar e começarem a rodopiar ao redor de si mesmas. Eu arfei e tropecei em meus próprios pés ao tentar recuar. Um redemoinho vermelho formava-se em meu quarto, e subia mais a cada instante. Eu estava hipnotizada, não conseguia parar de encarar aquilo. Era incrível. Com certeza, era fruto de alguma magia. Voltei meu olhar para Matthew. As pétalas caíram no chão.

Você tem poderes — afirmei. Eu estava em choque. Em toda a minha vida, nunca havia encontrado ninguém como eu.

Sim — respondeu, apesar de não ter sido uma pergunta.

Por que está me mostrando isso?

Ele deu um passo em minha direção e sorriu.

Porque você também tem.

Não sei do que você está falando — defendi-me, mentindo descaradamente. Não importava se ele poderia ser parecido comigo, ainda era um desconhecido. Eu não sabia quais eram suas intenções.

Vamos, Catherine... Eu conheço seu pai. Somos amigos e parceiros comerciais de longa data. Ele vende vinhos para o castelo, você sabe disso. Sou eu quem os compra — o príncipe disse. Era verdade. Parte da fama e sucesso de meu pai devia-se ao fato de que a família real e ele tinham uma parceria comercial inabalável, que perdurava por anos. — Eu a vi crescer naquela fazenda, Catherine.

Por que eu deveria confiar em você? perguntei e cruzei os braços. Por anos, eu fui ensinada a proteger minha verdadeira identidade e meus poderes a todo custo, principalmente de pessoas curiosas.

Você não deveria. Na verdade, a senhorita não deveria confiar em ninguém. Mas, eu te conheço, e sei que irá. Uma hora ou outra, você vai acreditar em mim, e então eu poderei te ajudar. Porque, com os sonhos que está tendo ultimamente, é evidente que precisará de ajuda. E muita.

Eu estreitei os olhos. Sonhos. Como ele sabia? Aquilo ficava mais estranho a cada minuto, e meu instinto de sobrevivência gritava-me para mandá-lo embora dali. Mas, havia algo nele que me impedia de fazer isso, algo que me incomodava e intrigava ao mesmo tempo. Aproximei-me e encarei-o. Seus olhos amarelados eram estranhos, parecidos com olhos de gato: no lugar da pupila, encontrava-se uma fenda muito fina, e a cor de sua íris era tão vibrante que quase cegava. Aquilo não estava assim antes.

Meus olhos mudam quando eu uso magia — admitiu, parecendo ler meus pensamentos. — Os seus também. E, caso esteja se perguntando, não. Nossos poderes não são iguais. Eu não posso controlar a natureza, mas posso controlar as pessoas, através de suas mentes.

Mas e quanto às rosas? — perguntei, amaldiçoando a mim mesma por deixar a curiosidade falar mais alto que a desconfiança. — Elas não têm cérebro. Como consegue movê-las?

O poder da mente humana vai muito além do que você pode imaginar, Catherine. A magia psíquica não se limita apenas a controlar pessoas, mas objetos também. Aquele truque foi apenas uma pequena amostra do quão longe vão minhas habilidades.

Cruzei os braços e ergui uma sobrancelha. Aquele cara não era nada humilde. Mas, se Matthew era tão poderoso como dizia, então seria fácil para ele entrar em minhas memórias e descobrir quem eu sou. Portanto, ele saberia de meus poderes. E dos sonhos. Querendo ou não, aquilo fazia sentido. Eu sabia, não era impossível. Afinal, magia existe, pensei.

O que você quis dizer quando afirmou que eu vou precisar de ajuda? — indaguei, curiosa, mas ainda cautelosa. Apenas seus poderes não fariam dele uma pessoa confiável.

Você não se lembra, mas sabe quem são aquelas pessoas — disse, referindo-se ao sonho. Matthew parecia conhecer cada canto de minha mente, e eu não estava gostando daquilo. — No fundo, você sabe. As memórias de uma pessoa só podem ser apagadas superficialmente, Catherine. Não acha estranho que nunca tenha questionado quem eram seus pais ou por que não se lembra de sua infância?

Luke sempre me disse que quando eu tivesse de saber, eu saberia. Não me preocupo com isso.

Mas chegou a hora de se preocupar. Você está começando a recordar-se do que aconteceu, e não é por coincidência que isso esteja acontecendo agora. Tem algo nesse castelo que desperta suas memórias, Catherine. Algo perigoso.

Um arrepio percorreu meu corpo. Eu respirei fundo. O príncipe parecia um louco falando aquelas coisas, seus olhos moviam-se rapidamente, analisando cada traço de minha expressão. O medo brotou em mim, e eu me senti uma tola por acreditar nele. Mas, aquilo fazia sentido. Por dez anos, eu cresci sem saber quem eu era e vivi tendo sonhos daquela clareira na floresta. De algum modo, eu sabia que não eram apenas imagens aleatórias criadas por meu subconsciente. Há algum tempo eu desconfiava que pudessem ser algo a mais, mas ouvir Matthew confirmando aquilo me assustou. De repente, tive medo do passado.

Okay... — falei, finalmente, entregando-me àquela loucura. O arrependimento já começava a tomar conta de mim. Eu o ignorei e aproximei-me do príncipe. — O que eu tenho que fazer?

Por agora, nada. O sol está nascendo, e você tem um compromisso com Jonathan hoje. Tente descansar mais um pouco, você vai precisar. O príncipe adora dar longas caminhadas pela propriedade.

Eu murchei. Havia me esquecido daquele encontro. Parecia algo fútil agora, diante do que estava acontecendo. Subitamente, o sentimento de euforia me invadiu. Existia alguém igual a mim. Uma pessoa real, e não mulheres que se passavam por videntes e portadoras da verdade. Eu não era a única pessoa com poderes. Olhei para Matthew, que sorriu para mim e colocou a mão no bolso da calça de pijama.

Eu também me sinto empolgado com essa revelação, senhorita Fairway — ele disse, e eu sabia que havia lido meus pensamentos. O príncipe foi em direção à porta, preparando-se para sair. — Nós teremos mais tempo para conversar sobre isso, eu espero.

Eu assenti. Queria saber o que ele conseguia fazer, e desejei poder mostrar-lhe do que era capaz. De repente, ficar no castelo poderia não ser tão ruim quanto imaginara. Sorrindo, Matthew rodou a maçaneta e saiu do quarto, deixando-me sozinha novamente.

Sentei-me na cama. Não conseguiria dormir, e ainda estava com o vestido da noite passada. Devido ao meu cansaço, não o havia tirado. Inquieta, levantei-me mais uma vez e enrolei-me no roupão de banho. O tecido fofo e grosso me esquentou, e eu saí do quarto para dar uma volta. Não podia acreditar que, depois de todo esse tempo sentindo-me estranhamente única, descobrira que, na verdade, havia outros como eu. Eu não estava sozinha.

Eu me perdi em pensamentos enquanto andava pelo corredor e acabei esbarrando em algo. Ou melhor, alguém. Um vulto amarelo passou por mim, e eu me assustei. Era uma das competidoras. Acabei tropeçando na barra de seu vestido e derrubei nós duas no chão.

Vê se olha por onde anda, garota! — ela disse, ao se recompor.

Era uma menina loira de olhos azuis que usava uma camisola longa de seda dourada. Seu cabelo estava estranhamente arrumado para essa hora da madrugada, e ela usava saltos bem altos. Reconheci-a como sendo a garota que saíra com o batom borrado da pequena audiência com o príncipe na noite passada. Acho que seu nome era Charlotte.

Desculpe, eu não te vi — admiti, levantando-me. Estendi-lhe um braço, mas ela recusou com um gesto de indiferença.

Tanto faz. Da próxima vez, preste atenção no seu caminho e pare de delirar por aí! — gritou.

Eu me espantei. Mas que garota mais rude!

E por acaso você sabe o que é que eu estava fazendo? — rebati, me defendendo.

Escute aqui, garota — começou, despejando grosseria gratuitamente. Ergui uma sobrancelha. — Eu não me importo com o que estava fazendo, você me derrubou no chão!

Eu contive uma risada e ela me olhou com horror, como se fosse alguma rainha e eu tivesse feito algo muito grave para ofendê-la. Tentei voltar a andar e ignorá-la, mas Charlotte segurou meu braço e aproximou nossos rostos, dizendo por entre os dentes:

Você sabe quem eu sou, garota? Meu pai é Dakota Lewis, o homem mais rico desse reino, então é melhor que você tome muito cuidado com o jeito que fala comigo. Não quero vê-la perambulando por aí novamente, me ouviu?

Eu estreitei os olhos e soltei-me de seu aperto. Lewis era um sobrenome familiar. Pelo que me lembrava, Dakota Lewis era um antigo cliente de meu pai que havia arruinado sua carreira antes de eu sequer ter sido adotada por ele. Acho que não faria mal descontar em sua filha, certo?

Encarei seu cabelo e alguns fios loiros começaram a transformar-se em galhos cheios de folhas, fazendo parecer que ela tinha esfregado a cabeça em uma árvore. Abafei o riso e voltei-me novamente para ela.

Eu não me importo com o seu dinheiro, senhorita Lewis. E você não é minha mãe para me dar ordens, e muito menos a rainha. Agora, se me der licença, eu tenho mais o que fazer — falei, e me virei. — Ah, e, se eu fosse você, me olharia no espelho antes de aparecer em público.

Dei alguns passos e já estava do outro lado do corredor quando ouvi seu grito estridente atravessar o castelo. Voltei para meu quarto rapidamente para despistá-la e fechei a porta calmamente quando entrei no cômodo, com medo de provocar algum barulho que denunciasse minha localização e despertasse em Charlotte uma súbita vontade de se vingar.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo