Saí de meus devaneios quando percebi que ainda estava com a trança de hoje de manhã. A água não havia desfeito o penteado. Passei os dedos no cabelo e, conforme eu desemaranhava os fios, eles ondulavam-se. Lavei-o com um shampoo cheiroso que eu achei ao lado da banheira, e enxaguei. Quando terminei o banho, me levantei e me enrolei na toalha. Abri a porta e quase trombei com Íris, que se preparava para bater.
— Ah, senhorita! — ela exclamou, recuando. — Desculpe, não sabia que havia terminado.
— Tudo bem, Íris. Você precisa de algo no banheiro? — perguntei e saí de seu caminho. Ela se virou de costas para mim e andou até a penteadeira.
— Na verdade, queria avisá-la que o príncipe veio entregar-lhe uma carta. Aqui.
A criada estendeu um pequeno envelope com o meu nome escrito em uma caligrafia redonda. Curiosa, abri a carta e encontrei um pequeno pedaço de papel, onde estava escrito:
Bem vinda ao castelo, senhorita. Ansiosa para me conhecer?
Ass.: J. W. B. Heronwood.
Eu franzi o cenho e olhei para Íris. Por que eu estaria ansiosa para conhecê-lo? E por que seus primeiros nomes estavam abreviados? De repente, algo me ocorreu.
— Íris, você sabe quem é o príncipe, certo? — perguntei, tecendo meu raciocínio.
— É claro, senhorita. Eu cresci com ele.
— E as outras garotas da competição também sabem?
— Eu creio que sim, senhorita. Ele foi convidá-las pessoalmente ontem — Íris disse, me olhando como se eu fosse louca ou algo do tipo. A criada se dirigiu ao guarda-roupa e pegou alguma coisa preta que estava ali dentro.
— Bom, eu não sei. O homem que foi me convidar na verdade era um guarda. Acho que seu nome era Jonathan.
A garota se virou para mim, arqueando as sobrancelhas, e abafou uma risada. Percebi que a coisa preta enorme que ela segurava era, na verdade, uma capa para um vestido. Provavelmente era novo e precisava de proteção especial. Com ela, tudo o que eu conseguia ver era a barra de uma saia roxa escura. Desviei os olhos da roupa e me concentrei em Íris, que esfregava a testa com uma mão.
— O que foi? — eu perguntei, estranhando seu comportamento. — Isso aconteceu apenas comigo?
Íris me olhou e estreitou os olhos, como que tentando decidir se me contaria ou não o que eu queria saber. Por fim, começou a desembrulhar o vestido e o colocou na cama, dizendo, sem me olhar nos olhos:
— Eu não tenho permissão para lhe dar essa informação, senhorita, mas você descobrirá dentro de algumas horas, no jantar.
Eu fiquei confusa e estava pronta para perguntar por que ela agia assim, quando algo me tirou o fôlego: a roupa que ela segurava.
Íris ergueu-a em frente a mim, e eu me aproximei. Era o vestido mais lindo que já vira em toda a minha vida, absolutamente digno de uma princesa. Uma fazendeira como eu nunca chegaria perto de algo assim em condições normais. Mas, bem, eu estava no castelo, e coisas caras e bonitas era o que mais se encontravam por aqui.
O vestido era roxo, de renda, e possuía um forro que era de um tecido liso e infinitamente confortável. As mangas longas eram feitas apenas pelo bordado, de modo que parte da pele ficava exposta ao tecido meio transparente. Quando o vesti, ele caiu como uma luva, servindo perfeitamente. Coloquei uma sapatilha, o colar de rubi e virei-me para Íris.
— Como sabia meu tamanho? — perguntei, admirada.
— Peguei as medidas com a roupa que usava antes — disse, e apontou para o meu vestido azul que estava pendurado na porta do guarda-roupa, solitário. Ela sorriu. — Vamos, não fique aí me encarando. Vá admirar-se.
Fiz o que mandou e andei até a penteadeira, parando em frente ao grande espelho. Fiquei surpresa com o que vi. Realmente havia sido feito para mim, e era tão incrível que me deixava hipnotizada. Eu nunca fui vaidosa e nunca me importei com aparências, mas esse vestido me deixava linda. Ele marcava minhas curvas de modo elegante, e perceptível apenas ao ponto de ser bonito, mas sem chamar a atenção.
Quando finalmente parei de me olhar, Íris pediu-me para sentar no banquinho, e assim eu fiz. Ela começou a pentear meu cabelo, e eu disse que, por hoje, poderia deixá-lo solto. Concordando, a criada apenas desembaraçou-o e deixou-o cair em meus ombros, formando uma cortina ondulada que rodeava meu rosto.
— Que tipo de batom você gosta? — perguntou e abriu uma gaveta para olhar o que havia dentro. Inclinei-me e espiei.
— Nenhum? — arrisquei e dei um sorriso forçado. Ela me olhou como se visse uma assombração. — Desculpe... Eu não gosto muito de me encher de... coisas. Não é muito a minha cara.
— Mas você não gosta porque nunca tentou. Certo? Não faz muito sentido se maquiar para trabalhar.
— Na verdade, quando eu era menor, meu pai comprava-me alguns estojos e eu vivia me pintando e fazendo experiências com as cores. Quando cresci, deixei de gostar disso, e parei de ver graça em me arrumar com o propósito de impressionar alguém.
— Bom... Se você não gosta, podemos pelo menos começar com um desses? — ela propôs e sorriu, estendendo-me um vidro transparente contendo um líquido rosa claro, pegajoso e brilhante.
— Isso é um batom? — perguntei, examinando a coisa.
— Bem... Não exatamente. Chama-se gloss, e você usa na boca, mas é líquido. E brilhante. Esse é transparente e bem discreto. Quer testar?
Aceitei e peguei o vidrinho. Abri-o e passei no lábio, olhando no espelho. Minha boca destacou-se com o brilho, mas continuava em sua cor natural. Eu sorri e olhei para Íris, agradecendo. Ela estava pronta para me apresentar mais coisas quando um som veio do corredor, parecido com um grito.
A criada e eu fomos para fora ver o que estava acontecendo. Quando abrimos a porta, nos deparamos com duas meninas brigando em frente a um quarto que possuía sua porta aberta. Elas gritavam uma com a outra e estavam puxando um salto, provavelmente disputando por ele. Pareciam ser garotas da competição, e, no meio da discussão, o cabelo de uma delas, que estava preso em um perfeito coque ornamentado, se desfez. Isso contribuiu para que a raiva entre as duas aumentasse, e elas começaram a se estapear.
Eu aproveitei a chance de escapar e me despedi de Íris, que disse que o jantar seria no salão. Lentamente me afastei da cena, indo em direção à escada. Refiz o caminho que havia me levado até os quartos e consegui, depois de algumas tentativas falhas, encontrar o salão principal. As portas estavam fechadas e os guardas ainda estavam em seus postos. Uma multidão de garotas estava à espera da hora em que finalmente os portões se abririam, nós nos banquetearíamos e conheceríamos o príncipe. Parei ao lado de uma menina loira de olhos negros e perguntei-lhe:
— Você sabe por que temos que esperar?
— Acho que estão esperando todas as competidoras chegarem — ela disse, após me olhar por alguns segundos.
Havia algo de familiar em seus olhos pretos e sem brilho, mas deixei isso para lá quando ela sorriu e virou-se novamente para frente, pondo-se nas pontas dos pés para tentar observar através da multidão de mulheres.
— Qual seu nome? — perguntei, tentando ser gentil. — Eu sou Catherine.
— Meu nome é Marian — a loira disse e abriu outro sorriso, dessa vez me encarando por mais tempo. Eu estranhei seu olhar e estava pronta para perguntar o que a interessava, mas algo me interrompeu: as portas do salão estavam se abrindo. As garotas começaram a se empurrar para entrarem e, com isso, acabei ficando para trás, me separando de Marian.
Sem toda a bagunça que havia presenciado antes, pude observar o lugar de modo muito mais claro. O salão tinha um teto alto e abobadado, onde um lustre grande e brilhante se pendurava, formando uma pirâmide de velas e cristais conforme descia, que iluminava todo o ambiente. No centro do local, estava uma mesa longa e larga coberta de comidas e bebidas, assim como pratos, talheres e lindas taças de vidro. Fiz uma nota mental: ficar bem longe das coisas quebráveis daquele lugar. Mais a frente, em um palanque, encontravam-se os tronos reais e mais uma mesa, também cheia de comidas e bebidas. Era um verdadeiro banquete.
Havia cinco tronos, todos pareciam ser feitos de ouro, cobertos com almofadas vermelhas de veludo. O do meio era o maior, e era onde um homem loiro de aparentemente quarenta anos estava sentado. Apesar de não usar coroa em seus cabelos grisalhos, era perceptível que se tratava do rei, pois sua postura dura, séria e fechada denunciava aquilo. Do seu lado esquerdo, estava a condessa Franccesca, que conversava com um garoto um pouco mais velho que eu, o qual possuía cabelos mais escuros que os dela. Apesar disso, deduzi que fosse seu filho. Na direita do rei Stephen, estava o resto da família Heronwood: a rainha — uma mulher da idade de seu esposo, de aparência elegante e gentil, muito diferente do homem com quem casara — e... O príncipe.
O herdeiro do trono estava sorrindo enquanto observava suas possíveis pretendentes disputando lugares para sentarem-se de frente para ele. Seu cabelo loiro rodeava seu rosto, chegando ao pescoço e contrastando com sua pele clara. Ele era parecido com o pai, e, por um momento, achei que minha mente estivesse me pregando peças. Mas, assim que ele levantou os olhos para mim e abriu seu sorriso, não tive dúvidas. Reconheceria aqueles olhos dourados em qualquer lugar, mesmo que só tivesse os visto uma vez.
De repente, senti uma imensa vontade de rir de mim mesma por não ter percebido antes. A carta, a assinatura abreviada, a recusa de Íris de me explicar o assunto, o choque de meu pai ao ver o suposto guarda que viera me convidar para a competição, a estranha sensação que tive de que eles já se conheciam... Estava tão nítido que não percebi.
O príncipe era Jonathan.
Enquanto comia lentamente um delicioso pudim, eu tentava controlar minha raiva do príncipe por ter me enganado e questionava a mim mesma por que ele havia feito isso. Ele convencera Íris a mentir para mim! O que havia de errado com esse sujeito? As perguntas rondavam minha mente, e eu imaginei se os guardas me prenderiam caso eu gritasse com o único herdeiro do trono. Deduzi que sim, então tentei achar um jeito de controlar meus sentimentos. Apesar de não ser nada demais, não gostava de ser enganada. Acho que ninguém gostaria, na verdade, até porque aquilo não fazi
O homem entrou às pressas no quarto, andando de um lado para o outro. Ele aparentava ter acordado há pouco, assim como eu, pois suas roupas estavam amassadas e seu cabelo negro estava bagunçado. Sua pele levemente bronzeada e seus olhos verdes meio amarelados faziam dele uma pessoa atraente, e eu levei algum tempo para reconhecê-lo, devido ao sono. Era o filho da condessa. Eu não tinha ideia de qual era seu nome, tudo o que sabia sobre ele era que seria o conde do reino em alguns anos, mas, por agora, era chamado de príncipe. O que é que ele estava fazendo em meu quarto?
Depois do meu incidente com Charlotte, eu fiquei a manhã toda no quarto. Íris, que passara pelo corredor alguns minutos depois do acontecido, se assustara com a garota cheia de galhos na cabeça e resolvera ajudar. Aparentemente, eles haviam se enroscado em seu cabelo, mas não era nada impossível de resolver, e não fora necessário cortar ou fazer coisas absurdas. Quando Íris me disse aquilo, eu soltei uma gargalhada alta. Todo aquele escândalo por nada. Seria possível que um pedacinho de planta assustava tanto assim uma pessoa?
Jonathan me conduzia pelo castelo, sempre segurando minha mão. Ele havia se desculpado em nome da condessa, e depois o silêncio entre nós pesara, aumentando minha tensão. Contudo, ele sorria, aparentando bom humor, e vez ou outra me olhava, como que esperando por algo. O príncipe andava por um caminho que eu desconhecia e do qual provavelmente jamais me recordaria, e eu estava começando a ficar impaciente quando ele parou no meio de um corredor e virou-se para me encarar. O sorriso usual de seu rosto tornava-se falso aos meus olhos. —
Um vento frio e cortante nos atingia fortemente, fazendo o cabelo dourado de John voar para seu rosto. Eu ainda estava em seu colo, e ele parecia procurar um lugar no chão para me deitar. Fechei os olhos quando percebi o que tudo aquilo significava. Era esse lugar que havia despertado minhas memórias quando cheguei ao castelo. Era a esse lugar que o príncipe Matthew havia se referido como perigoso quando dissera que eu precisava lembrar-me do meu passado. Apesar de ter tido aqueles flashes de memórias, eu ainda não me recordava do que havia acontecido — pelo menos não completamente e com detalhes —, mas não estava certa de que queria mesmo saber. Meu sangue gelou quando ouvi galhos se quebrarem. Eu olhei para Jonathan, mas ele estava ocupado procurando a fonte do som. A floresta era cheia de animais selvagens e perigosos, e muitos deles saíam para caçar à noite. E, pior que isso: havia bárbaros que aproveitavam a falta de segurança do castelo para esconderem-se entre as árvores e tentarem saquear o lugar. Eu não duvidaria se um homem surgisse dos arbustos com uma espada na mão e tentasse nos matar, porque ele certamente reconheceria Jonathan como o príncipe herdeiro. O pior de tudo era que, se algo acontecesse conosco, a culpa seria toda minha.Capítulo 12
O ar da sala pareceu ficar enquanto o rei me encarava por longos segundos, parecendo fazer um imenso esforço para controlar a raiva. Eu tentei manter a compostura e não fraquejar, embora fosse imensamente impossível. Quando ele finalmente desviou os olhos dos meus, foi para fixar em um ponto abaixo de meu pescoço. Eu suspirei levemente, aliviada, mas depois percebi que não havia me livrado da situação. Apenas entrado em outra ainda pior.Os olhos dourados do rei lentamente cresceram até ficarem de um tamanho humanamente impossível, preenchidos d
Cinco dias se passaram e, durante todos eles, eu não parei de me fazer perguntas um único segundo. Como Matthew sabia de tudo o que havia me contado? Quem apagou minhas memórias? Por que o rei me chamara de bruxa, e como ele e meu pai se encaixavam em tudo isso? E, o mais importante, quem matou meus pais biológicos?Obviamente, quando perguntei essas coisas para Matthew, ele não respondeu. A nenhuma delas. "