Capítulo 1

A cidade de Belo Horizonte parecia mais caótica do que nunca naquela manhã. Eu dirigia, tentando ignorar os pensamentos que me atormentavam, quando um carro preto surgiu do nada, fechando meu caminho.

— Que idiota! — gritei, o coração acelerado pela raiva. Olhei para o motorista, um homem com expressão confusa, e não pude deixar de me sentir insultada. A última coisa que eu precisava era de mais um estresse.

Ele não me viu, mas o olhar que lancei em sua direção foi suficiente para saber que aquele cara não tinha ideia do que estava fazendo.

Dirigi em frente, segurando o volante com força, tentando acalmar a tempestade dentro de mim. Um segundo depois, avistei um estacionamento e parei lá. Ao estacionar, respirei fundo e saí do carro. O ateliê da Carol estava logo à frente, e a ideia de vê-la me deixou animada. Ela também mencionara que o advogado que poderia me auxiliar na partilha dos bens chegaria hoje. Era hora de esquecer a raiva por alguns minutos.

Empurrei a porta do ateliê, e uma sinfonia de risos e conversas preencheu o espaço. O cheiro de tecidos novos e perfume importado me recebeu assim que entrei.

— Cíntia! — Carol me cumprimentou, mas mal a ouvi.

— Você não vai acreditar, um completo imbecil quase bateu no meu carro! — exclamei, gesticulando. — Eu juro, se eu encontrar esse cretino de novo...

Foi então que uma voz masculina soou atrás de mim, interrompendo meu desabafo.

— Com licença, você é Cíntia?

Virei-me rapidamente e a visão dele quase me fez perder o fôlego. Era o motorista que me fechara no trânsito.

Ele era alto, muito bonito. Seu porte físico era atlético, com ombros largos e braços fortes que denunciavam alguém que cuidava do corpo. Os cabelos eram de um loiro escuro, quase dourado, que combinavam perfeitamente com seus olhos — olhos negros, intensos e penetrantes. Sua pele tinha um bronzeado leve, dando a ele um ar descontraído, mas era o sorriso maroto nos lábios que realmente me irritava.

O mundo pareceu parar por um instante, e eu me senti como se estivesse prestes a dar um ataque.

— Você é o... — comecei, ainda sem acreditar.

— Henrique. E você é a mulher que me xingou no trânsito — ele respondeu, com um sorriso maroto que deixava claro que estava se divertindo com a situação.

Minha cabeça girava. O idiota do trânsito estava bem na minha frente, e a tensão no ar era palpável. Uma mistura de raiva e surpresa se transformou em algo mais curioso. Eu não sabia se ria ou se xingava novamente.

— Você não sabe dirigir? É um péssimo motorista. — consegui dizer, tentando manter a compostura.

— E você é bem intensa — ele respondeu, ainda sorrindo, como se isso fosse a coisa mais engraçada do mundo.

— Deveria prestar mais atenção enquanto dirige, se você entrou na frente de uma caminhonete e não viu. — retorqui, cruzando os braços. A tensão entre nós estava palpável, mas algo na maneira como ele me olhava me fazia querer rir, mesmo em meio à fúria.

— Cíntia? — A voz de Carol interrompeu nosso confronto. — Cíntia, o Henrique é o advogado que eu mencionei.

— Advogado? — Minha curiosidade agora estava aguçada. — Você é o advogado que ela mencionou?

Ele confirmou com um aceno, e por um momento, a raiva se misturou com a vergonha. Mas ainda assim, eu não podia deixar que ele soubesse que tinha me incomodado tanto.

— Bem, bem... Um advogado e um péssimo motorista. — falei, tentando manter a postura, mesmo com o coração acelerado.

— Acredito que começamos mal — ele disse, com um sorriso divertido. — Posso tentar me redimir?

Eu olhei para ele, indecisa. As emoções ainda estavam à flor da pele, mas a ideia de um advogado que poderia me ajudar com meu divórcio era tentadora. E, de algum jeito, aquele encontro caótico estava me fazendo sentir mais viva do que eu havia me sentido em semanas.

— Vamos ver se você consegue — respondi, um meio sorriso escapando dos meus lábios.

Henrique ergueu uma sobrancelha, ainda com aquele sorriso irritantemente confiante no rosto.

— Prometo me esforçar — ele respondeu, estendendo a mão.

Eu olhei para a mão dele por um segundo a mais do que deveria, pensando se estava disposta a ceder. Não era o melhor começo, mas eu precisava de um advogado, e, infelizmente, ele parecia ser a melhor opção no momento. Respirei fundo e aceitei o aperto de mão, embora ainda sentisse uma pontada de irritação por aquele encontro no trânsito.

Carol, percebendo o clima tenso, se aproximou com um sorriso suave e mudou de assunto.

— Bom, já que vocês dois agora se conhecem oficialmente, por que não nos sentamos para conversar com mais calma? — sugeriu, apontando para a sala de reuniões no fundo do ateliê.

Henrique assentiu e me seguiu, mas eu ainda podia sentir o olhar divertido dele queimando nas minhas costas. Quando entramos na sala, me sentei de frente para ele, disposta a ser séria. Mas, antes que qualquer coisa pudesse ser dita, ele tirou os óculos de leitura do bolso e os colocou, me olhando com uma expressão concentrada que contrastava totalmente com o tom casual de antes. Ele era bonito e mais jovem do que eu esperava que ele fosse.

— Certo, Cíntia. Me fale sobre sua situação — ele disse, sua voz agora mais formal.

Aquela mudança repentina de atitude me desarmou por um segundo. Mas rapidamente retomei o controle, decidida a não deixar que aquele encontro inicial atrapalhasse os assuntos importantes.

— Meu ex-marido e eu estamos passando por um processo de divórcio complicado. Ele tem influência em Belo Horizonte, então eu preciso de alguém de fora da cidade para me ajudar com a partilha de bens — expliquei, enquanto observava sua expressão mudar para algo mais atento.

Henrique ouviu com paciência, e pela primeira vez, parecia realmente profissional. Quando terminei de falar, ele fez algumas anotações e, em seguida, me olhou nos olhos.

— Entendo a complexidade do caso. Vou fazer o possível para garantir que tudo seja justo e que você tenha a assistência necessária — disse, agora sem o tom provocativo de antes.

Eu sabia que precisava daquele apoio legal, mas algo me dizia que trabalhar com Henrique não seria nada simples. Ainda assim, concordei com um aceno e decidi que, pelo menos por enquanto, eu iria tolerar sua presença.

Henrique folheou os papéis na mesa, mas a tensão entre nós dois continuava palpável, mesmo com ele agindo de forma mais séria. Ele levantou os olhos, observando-me por um instante, como se estivesse tentando entender quem eu era além da mulher que o xingou no trânsito.

— Sabe, Cíntia — ele começou, relaxando um pouco a postura na cadeira —, é raro encontrar alguém tão jovem passando por um divórcio assim. Me parece que você tem mais história do que aparenta.

Sua observação me pegou de surpresa, e por um momento, senti uma pontada de desconforto. Eu sabia que, para alguém de fora, minha situação poderia parecer incomum, mas não estava pronta para ser analisada.

— A vida nem sempre segue o plano que a gente faz, não é? — respondi, cruzando as pernas e tentando parecer casual. — E às vezes, o melhor é cortar as perdas e seguir em frente.

Henrique me observou com atenção, seus olhos analisando cada palavra. O sorriso provocador de antes havia desaparecido, e agora ele parecia genuinamente curioso. A sensação de ser avaliada por ele me deixava desconfortável, mas de uma maneira estranha... interessante.

— Imagino que deve ter sido uma decisão difícil. — Ele se inclinou um pouco para frente, como se quisesse saber mais, mas respeitasse meus limites ao mesmo tempo. — Eu lido com muitos divórcios complicados, mas é raro ver alguém com sua determinação tão cedo.

Sorri levemente, não por suas palavras, mas pela ideia de que ele estava tentando me entender. Ele não fazia ideia das noites que passei pensando se estava tomando a decisão certa, ou de como foi doloroso admitir que o casamento tinha fracassado.

— Não foi fácil, mas eu prefiro resolver as coisas de forma prática. Não sou do tipo que fica remoendo o passado. — Olhei para ele, com a intenção de encerrar o assunto. Mas Henrique não desviou o olhar, seus olhos presos nos meus como se tentasse decifrar o que eu estava escondendo.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, e a tensão entre nós mudou de tom.

— A praticidade é uma boa qualidade — ele finalmente respondeu, com um leve sorriso de canto. — Mas, às vezes, nem tudo pode ser resolvido tão rápido. Algumas coisas levam tempo para se ajustarem.

Eu arqueei uma sobrancelha, tentando entender se ele estava se referindo ao meu divórcio ou à situação desconfortável entre nós dois.

— Fala por experiência própria? — perguntei, num tom meio brincalhão, testando os limites daquela leveza que surgia na conversa.

Ele riu, a primeira risada genuína desde que nos encontramos.

— Talvez. Acho que nós dois sabemos que o destino adora colocar obstáculos na frente — disse, como se estivesse reconhecendo que a nossa interação já era um desses obstáculos.

— Talvez. — Eu ri também, e pela primeira vez me permiti relaxar um pouco perto dele. — Mas não se preocupe. Eu sou boa em lidar com obstáculos... até mesmo os que fecham meu carro no trânsito.

Henrique balançou a cabeça, sorrindo.

— Vou levar essa comigo. Mas, sinceramente, acho que você é mais forte do que aparenta, Cíntia.

Eu o encarei por um segundo a mais, o clima entre nós parecia mais leve, mas carregado de algo novo. Não sabia dizer ao certo o que era, mas sentia que aquilo estava apenas começando.

— Vou anotar isso como um elogio — disse, com um sorriso irônico.

— Foi um elogio, sim. — Ele sorriu, relaxando completamente na cadeira. — E já que estamos nos entendendo melhor... acho que podemos trabalhar juntos nisso. Com menos xingamentos, é claro.

Eu apenas dei um meio sorriso e assenti.

O clima leve entre nós era quase confortável, mas a sensação de que algo estava começando a crescer ali era inegável. E, pela primeira vez, trabalhar com Henrique parecia menos uma obrigação e mais uma experiência que eu não esperava.

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