Henrique
A viagem para Belo Horizonte não era algo que eu esperava fazer tão cedo. Receber o convite da Carol para ajudar uma amiga sua foi uma surpresa, mas recusar? Isso não estava em meus planos. Eu devia isso a ela. Ao mesmo tempo, havia uma inquietação que eu não podia negar, um nó no estômago que me acompanhava desde que recebi a mensagem. Carol e eu tínhamos terminado há muito tempo, mas estar na mesma cidade que ela, sabendo que ela tinha seguido em frente, era algo que eu ainda precisava processar. Afinal, nem sempre um término é tão simples. Ainda mais quando nem houve um relacionamento de fato. Não era o que ela queria; mais tarde eu percebi que ela gostava do Fernando, e essa revelação ainda doía, mesmo que eu tentasse ignorar. Quando ela me pediu ajuda com questões legais, minha primeira reação foi hesitar. Aquelas antigas emoções ainda persistiam, como sombras que eu pensava ter deixado para trás. Talvez orgulho, ou apenas o incômodo de saber que ela estava bem e seguindo em frente, enquanto eu lutava para manter a compostura. Mas, agora, eu estava aqui, indo para Belo Horizonte, tentando deixar o passado no lugar dele. Talvez essa fosse a chance de fechar esse ciclo de vez. Eu precisava focar no trabalho e deixar o lado pessoal de fora. Até porque, de acordo com Carol, a situação da amiga dela, Cíntia, não era fácil. O divórcio dela era complicado, e eu não podia deixar que minhas distrações interferissem no profissionalismo. Quem diria que a tal "Cíntia" seria a mulher que me xingou no trânsito horas atrás? Quando a vi no ateliê, a surpresa foi tanta que eu quase ri. O destino parecia ter um senso de humor perverso. Meu coração deu um leve salto, não de alegria, mas de um reconhecimento involuntário da conexão que já havia sido estabelecida, mesmo que em circunstâncias ruins. Ela estava ali, conversando com Carol, como se não fosse a mesma pessoa que, horas atrás, gritou comigo como se eu tivesse acabado com o dia dela. Havia algo nela que atraía minha atenção de maneira quase hipnotizante. Seus cabelos castanhos claros, quase loiros, brilhavam sob a luz suave do ateliê, caindo com uma naturalidade que contrastava com a tensão evidente no corpo dela. E os olhos... olhos castanhos que deveriam ser acolhedores, mas que traziam uma desconfiança, quase uma raiva, como se ela estivesse sempre em alerta, pronta para atacar. Era uma beleza forte, quase perigosa, e eu me peguei tentando entender o que havia por trás daquela fachada. Não consegui evitar encará-la, mas algo naquele olhar me dizia que ela estava bem ciente do efeito que causava. Havia uma frieza ali. Não era uma mulher fácil de se aproximar, e, pelo que Carol me contou, os últimos meses dela explicavam isso. Enquanto ela conversava com Carol, eu me peguei observando mais do que deveria, notando os detalhes — a curva do sorriso que ela tentava manter e a maneira como ela erguia a sobrancelha toda vez que alguém mencionava meu nome. Definitivamente, Belo Horizonte ia ser mais interessante do que eu pensava. Quando Cíntia começou a falar sobre o divórcio, a tensão no ambiente aumentou, e eu senti que deveria prestar atenção. — Eu só quero que tudo termine logo. A divisão de bens, as discussões, tudo isso... é desgastante. — A frustração em sua voz era palpável, e eu percebi o quanto ela estava sufocada por essa situação. — Se precisar de ajuda para formalizar as coisas, estou à disposição — ofereci, tentando ser profissional, mas sentindo a pressão da situação. A responsabilidade que pesava sobre mim era maior do que eu esperava. Ela virou a cabeça ligeiramente, os olhos castanhos me fitando com um misto de dúvida e determinação. — O que eu quero é resolver logo e seguir em frente. — É um processo complicado, Cíntia. Não é só uma questão de bens materiais. Você também precisa cuidar de si mesma — respondi, tentando medir as palavras. Ela parecia tão frágil, mesmo que tentasse exibir uma força que estava a ponto de se quebrar. Era como se a máscara dela estivesse prestes a se romper, revelando a dor que se escondia por trás. — Eu sei. Mas é difícil. E, honestamente, não confio em ninguém nesse momento. Não depois do que aconteceu — sua voz refletia desconfiança, e eu podia ver a armadura que ela havia construído ao longo do tempo. — Entendo que confiar em um advogado não seja fácil, ainda mais considerando tudo que você passou — eu disse, tentando criar uma ponte. O silêncio entre nós parecia carregar um peso imenso, e eu sabia que era preciso ser paciente. Ela hesitou, como se ponderasse suas próximas palavras, a insegurança transparecendo em seu semblante. — A Carol me falou de você. E eu vou tentar confiar em você. Mas a verdade é que essa desconfiança não é só sobre você, Henrique. É sobre tudo que eu já passei. O desdém na sua voz deixou claro que havia muita mágoa escondida sob a superfície, e eu a compreendia, mesmo sem conhecer todos os detalhes da sua história. — É uma situação complicada. Eu sou só um advogado para você, mas quero que saiba que estou aqui para ajudar, não para te fazer sentir ainda pior — respondi, tentando mostrar que eu era um aliado, não um inimigo. Ela cruzou os braços, como se estivesse se protegendo de uma tempestade. Havia uma fragilidade ali que eu não podia ignorar. — Espero que sim. Não posso me dar ao luxo de me distrair agora. — Então vamos focar no que importa. Faremos isso da melhor maneira possível — sugeri, tentando ser o profissional que deveria ser. No fundo, eu sabia que estava lidando não apenas com uma cliente, mas com uma pessoa que havia sofrido. Enquanto falava, percebi que essa missão também se tornara um desafio pessoal. A beleza dela me hipnotizava, mas a dor que transparecia em seu olhar me lembrava do que estava em jogo. Era uma batalha interna, onde minha empatia se misturava com o desejo de ser útil. — Obrigado — ela murmurou, o tom da sua voz suavizando um pouco, mas ainda havia um espaço entre nós, como se um abismo estivesse sempre presente. Então, Cíntia anunciou que precisava resolver algumas coisas na fazenda onde morava. Aparentemente, era distante da cidade e próxima de onde a Carol estava morando com Fernando. Imaginava que seria uma partilha de bens complicada. Carol já havia me passado que a fazenda que a Cíntia morava era uma bela propriedade e custava milhões, então, claro, seu ex-marido não deixaria que ela ficasse com a propriedade sozinha. Seria um processo complicado e trabalhoso, mas eu a ajudaria no que fosse necessário. Eu nem conhecia aquela mulher, mas a mágoa que ela tinha no olhar era algo que havia me tocado, e ela tentava manter um sorriso no rosto, mas estava claro que era falso. Ela era muito jovem para passar por algo assim. E assim, enquanto Cíntia se afastava, sentindo o peso de suas preocupações e da nova realidade que enfrentava, eu sabia que minha missão estava apenas começando. Estava decidido a não apenas ajudá-la a resolver os aspectos legais, mas a encontrar um caminho para que ela pudesse recuperar a confiança em si mesma.Sinto minha cabeça latejar e mal posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo. — Saia daqui agora! — falo, tentando manter a compostura, embora minhas mãos estejam tremendo de forma incontrolável. Olho para a mulher à minha frente que exibe um sorriso cínico no rosto, mas sabia que a única coisa que ela estava fazendo era tentar me desestabilizar. Ela sabia exatamente onde atacar. — Cíntia, é egoísmo da sua parte querer ficar com uma propriedade deste tamanho quando o Alonso e eu só queremos construir nossa família juntos. E é claro que esse é o lugar mais adequado para isso. — Júlia olha ao redor, como se já pudesse visualizar tudo. — Já até imagino os filhos que teremos, frutos de muito amor, correndo por essa sala gigantesca. Meu coração parece apertar no peito. Não sabia como Júlia havia conseguido entrar dentro da propriedade, mas também não era tão difícil. Eu não possuía um sistema de proteção com seguranças como a fazenda Belmonte, mas sabia que precisaria da ajuda
— Quer conversar sobre o que aconteceu? — Henrique perguntou, sua voz calma, quase cuidadosa, como se temesse ultrapassar um limite invisível. Minhas mãos se apertaram involuntariamente no volante, e pela primeira vez me perguntei: Será que posso confiar nele? Havia algo em seu tom que soava genuíno, mas, depois de tudo o que passei, confiança era algo que eu já não distribuía tão facilmente. Eu sabia muito pouco sobre ele. Ele era apenas alguém de confiança da Carol, o que deveria ser o suficiente. Deveria. No entanto, havia algo nele, algo que me deixava intrigada. Talvez fosse o jeito como ele mantinha a calma diante de todo o caos da minha vida, ou o fato de que, mesmo sendo meu advogado, ele parecia enxergar além das questões legais. Mesmo assim, eu tentava lembrar a mim mesma: ele está aqui apenas para me ajudar, Cíntia. Só para isso. Mas, no fundo, sentia que era mais do que isso. — A Júlia é a mulher com quem o Alonso me traiu, eles vivem uma relação pública desde então… — s
PrólogoA luz da manhã entrava pela janela, mas eu não conseguia sentir seu calor. Sentada na cama desfeita, o silêncio da casa parecia ecoar as palavras que eu não conseguia pronunciar. O coração ainda pulsava acelerado, e a imagem dele, a expressão de desespero e culpa, se repetia em minha mente.“Cíntia, eu nunca quis que você soubesse assim.” As palavras soavam como uma lâmina, cortando o que restava da confiança que construímos ao longo dos anos. A traição não era apenas um ato; era um golpe na alma, uma reviravolta que eu nunca poderia ter imaginado.Levantei-me e fui até a janela, observando a fazenda que agora era tudo o que eu tinha. A terra que um dia parecia um lar agora era um campo de batalha entre o que fui e o que precisava me tornar. Eu fui a esposa obediente e boazinha, mas isso não tinha me levado a lugar nenhum.Lembrei-me das promessas feitas, das risadas compartilhadas. A lembrança do meu ex-marido me enchia de raiva. Por muitas vezes, me questionei onde eu havia
A cidade de Belo Horizonte parecia mais caótica do que nunca naquela manhã. Eu dirigia, tentando ignorar os pensamentos que me atormentavam, quando um carro preto surgiu do nada, fechando meu caminho. — Que idiota! — gritei, o coração acelerado pela raiva. Olhei para o motorista, um homem com expressão confusa, e não pude deixar de me sentir insultada. A última coisa que eu precisava era de mais um estresse. Ele não me viu, mas o olhar que lancei em sua direção foi suficiente para saber que aquele cara não tinha ideia do que estava fazendo. Dirigi em frente, segurando o volante com força, tentando acalmar a tempestade dentro de mim. Um segundo depois, avistei um estacionamento e parei lá. Ao estacionar, respirei fundo e saí do carro. O ateliê da Carol estava logo à frente, e a ideia de vê-la me deixou animada. Ela também mencionara que o advogado que poderia me auxiliar na partilha dos bens chegaria hoje. Era hora de esquecer a raiva por alguns minutos. Empurrei a porta do ate