— Quer conversar sobre o que aconteceu? — Henrique perguntou, sua voz calma, quase cuidadosa, como se temesse ultrapassar um limite invisível. Minhas mãos se apertaram involuntariamente no volante, e pela primeira vez me perguntei: Será que posso confiar nele? Havia algo em seu tom que soava genuíno, mas, depois de tudo o que passei, confiança era algo que eu já não distribuía tão facilmente. Eu sabia muito pouco sobre ele. Ele era apenas alguém de confiança da Carol, o que deveria ser o suficiente. Deveria. No entanto, havia algo nele, algo que me deixava intrigada. Talvez fosse o jeito como ele mantinha a calma diante de todo o caos da minha vida, ou o fato de que, mesmo sendo meu advogado, ele parecia enxergar além das questões legais. Mesmo assim, eu tentava lembrar a mim mesma: ele está aqui apenas para me ajudar, Cíntia. Só para isso. Mas, no fundo, sentia que era mais do que isso. — A Júlia é a mulher com quem o Alonso me traiu, eles vivem uma relação pública desde então… — s
A chuva continuava a cair lá fora, sem cessar. Henrique também conseguiu um cobertor para se aquecer e sentou-se ao meu lado. Eu geralmente gostava da chuva, quando estava no conforto da minha casa, mas isso aqui era literalmente uma tempestade. Eu estava no meio de um temporal com um desconhecido, sem saber o que sobraria do meu carro após a chuva, ou o que restaria de mim após o divórcio. Todas as situações da minha vida estavam particularmente difíceis. — O que está pensando? — Henrique pergunta, quebrando o silêncio entre nós. Se não fosse o barulho da chuva, parecendo que o teto desabaria a qualquer momento sobre nossas cabeças, estaríamos no mais profundo silêncio. — O quanto minha vida está literalmente uma tempestade. — Falo e ajeito mais o cobertor que não conseguia me aquecer por conta da roupa molhada. — Estou no meio de uma tempestade com um desconhecido… — digo e me arrependo de repente. Eu não deveria ter falado isso. — Cíntia, eu não tenho culpa da chuva. — Ele diz
Na manhã seguinte, a tempestade havia cessado, mas a realidade ainda pesava sobre nós. Estava em Minas, um lugar desconhecido, e, embora a chuva tivesse dado uma trégua, sabíamos que ainda teríamos que voltar para algum lugar. A ligação da Ana me contou sobre a situação da Cíntia e como a Júlia a intimidou, e eu quis estar lá para oferecer apoio, não apenas jurídico, mas humano. O que eu não esperava era acabar preso em uma cabana abandonada durante uma tempestade. Enquanto olhava para Cíntia, percebia que uma conexão estava se formando entre nós. Ela era arisca, e eu entendia que sua defensividade era um reflexo de tudo o que havia enfrentado até agora. Mas, mesmo sob aquelas circunstâncias adversas, era inegavelmente linda. A forma como seus cabelos claros caíam em mechas soltas emoldurava seu rosto, e o olhar determinado que ela tinha me atraía de um jeito que eu não conseguia explicar. — Henrique, agora que está claro, consigo visualizar melhor onde estamos. Não fica muito lon
Choveu por mais alguns dias, e precisei acionar o seguro por conta dos danos da tempestade. Enquanto isso, estava com um carro provisório. Sabia que Henrique ainda estava em Belo Horizonte; a Carol havia mencionado que ele estava trabalhando com alguns clientes na cidade e que ficaria mais alguns dias antes de ir para São Paulo. Embora não tivesse o número dele, a Ana havia conversado com Henrique a meu pedido e marcamos de nos encontrar para discutir o divórcio. Estava cansada de parecer e demonstrar fraqueza; precisava tomar as rédeas da minha vida. A Ana e o Felipe estavam morando comigo, e eu me sentia muito bem na presença deles; juntos, estávamos construindo uma parceria inabalável. O dia amanheceu nublado, mas havia um certo alívio no ar. A tempestade havia passado, e agora era hora de enfrentar a realidade. Essa não era apenas uma questão legal; era uma nova etapa da minha vida. A Carol havia me avisado que Henrique estaria me esperando no ateliê para a nossa conversa. Quan
Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, Alonso receberia os papéis do litígio. Estava preparada para um confronto, mas quando ele apareceu na fazenda, algo dentro de mim estremeceu. O coração acelerou por um breve momento, como se uma parte de mim ainda esperasse por algo que eu não conseguia nomear. Não era amor… não podia ser. Ele chegou à minha porta no final da tarde, sem aviso prévio, com a mesma postura de sempre: a confiança quase arrogante, o jeito de quem nunca aceitava ser deixado de lado. Fiquei parada por um instante, observando-o. Vestido casualmente, com os cabelos um pouco desalinhados, ele parecia mais… humano do que o homem que eu conhecia. A tempestade que nos cercava parecia se intensificar dentro de mim. — Cíntia — ele disse, com uma voz que trazia um peso quase palpável. — Podemos conversar? Minha primeira reação foi defensiva. Cruzei os braços, como se pudesse me proteger do que quer que ele estivesse prestes a dizer. Eu estava firme, ou pelo menos queria estar
Os dias foram passando, e o casamento da Carol seria no fim de semana. Faltando uma semana para a data, ela decidiu mudar o local da cerimônia. Ana e eu ficamos loucas para ajudar a organizar tudo. – Eu já me casei com o Fernando uma vez, quero que desta vez seja diferente – Carol argumentou, e nós, como amigas e madrinhas, respeitamos e acolhemos sua decisão. Poucos dias para organizar um casamento na praia. Nossa estrutura para o casamento na fazenda foi desmontada e, num piscar de olhos, estávamos todas embarcando para Fernando de Noronha. A ilha tinha um ar quase mágico, com falésias dramáticas e águas cristalinas que pareciam brilhar sob o sol. Mesmo com o pouco tempo, estávamos determinadas a fazer tudo perfeito para ela. – Cíntia, confirma para mim quantos convidados ainda faltam chegar? – Ana perguntou, com o tablet em mãos, anotando os ajustes de última hora. Peguei minha agenda e dei uma olhada. Sabia que Carol queria algo íntimo, apenas com familiares e amigos próxim
Henrique me observou, sorrindo, antes de provocar:– Está quieta, Cintia. Nem parece a mesma mulher que me xingou no trânsito.Ele tomou um gole da long neck, e, ao ouvir isso, senti minhas bochechas esquentarem. O episódio a que ele se referia ainda estava fresco na memória – um quase acidente que resultou em algumas palavras duras da minha parte. Eu tinha minha justificativa, claro, mas agora, rodeada por amigos e sob o olhar brincalhão de Henrique, aquilo soava quase engraçado.– Ah, querida, você não me parece esse tipo de pessoa – disse Carmem, com um tom descontraído, piscando para mim.Respirei fundo, tentando não deixar o embaraço me dominar, e mantive o tom leve.– Em minha defesa, ele quase provocou um acidente. É justo que eu tenha me excedido – provoquei, arrancando risadas dos demais.Henrique inclinou a garrafa, fazendo uma pausa dramática antes de sorrir.– Pois é, Carmem, tive o privilégio de conhecer o lado… intenso da Cintia.O riso foi geral, e, apesar do rubor evid
Em poucos minutos, chegamos ao momento decisivo do jogo. Henrique e eu havíamos vencido todos os outros, e agora nos enfrentaríamos. Minha competitividade estava à flor da pele, e eu não pretendia perder.— Bom, acho que podemos sugerir um prêmio? — Felipe comenta, dando um gole na cerveja, um sorriso travesso no rosto.— Isso seria interessante. O que sugerem? — Carol pergunta, recostando-se nos braços de Fernando.Henrique me lança um olhar intenso, com um sorriso de quem já sabe o que quer.— Que tal um pedido? — ele sugere, apoiando-se casualmente na mesa de sinuca.— Isso aqui vai ficar muito interessante — Ana diz, mal contendo a risada. Ignoro.A ideia de um “pedido” adicionava uma tensão inesperada ao jogo, mas eu não estava disposta a recuar. Adorava competir, e algo no olhar desafiador de Henrique fazia meu coração acelerar.— Vamos fazer uma aposta, então? — pergunto, sustentando o olhar dele. — Se eu ganhar, o pedido é meu.Henrique sorri, seus olhos brilhando com uma prov