Capítulo 3

Sinto minha cabeça latejar e mal posso acreditar que isso esteja acontecendo comigo.

— Saia daqui agora! — falo, tentando manter a compostura, embora minhas mãos estejam tremendo de forma incontrolável.

Olho para a mulher à minha frente que exibe um sorriso cínico no rosto, mas sabia que a única coisa que ela estava fazendo era tentar me desestabilizar. Ela sabia exatamente onde atacar.

— Cíntia, é egoísmo da sua parte querer ficar com uma propriedade deste tamanho quando o Alonso e eu só queremos construir nossa família juntos. E é claro que esse é o lugar mais adequado para isso. — Júlia olha ao redor, como se já pudesse visualizar tudo. — Já até imagino os filhos que teremos, frutos de muito amor, correndo por essa sala gigantesca.

Meu coração parece apertar no peito. Não sabia como Júlia havia conseguido entrar dentro da propriedade, mas também não era tão difícil. Eu não possuía um sistema de proteção com seguranças como a fazenda Belmonte, mas sabia que precisaria da ajuda dos meus amigos para me blindar dessa louca de agora em diante.

— Saia daqui, você não tem permissão para entrar. — falo tentando manter a calma, enquanto sinto meu maxilar doer de tão rígido.

Júlia caminha pela sala como se estivesse se habituando ao ambiente, seus dedos deslizando pelos móveis como se já fossem dela. Era muito dissimulada e estava claramente tentando me intimidar.

— Estou ansiosa para que o divórcio saia, não vejo a hora de te jogar na sarjeta. — Sua voz destila veneno, e sinto um ódio crescente dentro de mim, algo que me faz querer explodir, mas sei que é isso que ela quer.

— Ah, Júlia. Está achando mesmo que ganhou na loteria? Eu, no seu lugar, teria medo do que o destino está reservando para você.

— Eu estou com um homem que me ama, você sabe o que é isso? — Suas palavras me ferem como uma faca. Eu estava em um momento de fragilidade, e ela sabia disso.

— O que está acontecendo aqui? — Felipe pergunta, entrando com Ana na sala.

Eu estava atrasada para o encontro que havíamos marcado em BH, para provar os vestidos de madrinha para o casamento da Carol. Como eu não apareci no casarão onde combinamos de nos encontrar, Ana deve ter vindo à minha procura, e Felipe veio junto.

Júlia de repente baixa a guarda, como se estivesse se sentindo intimidada. Era claro que ela sabia que a presença deles mudava a situação.

— Só vim fazer uma visitinha ao lugar onde será minha futura casa. — Ela diz, ainda tentando soar confiante, mas vejo que seu tom treme levemente.

— Você é uma cobra — Ana fala, seu olhar cheio de desprezo. Ela atravessa a sala rapidamente, vindo para perto de mim.

— Olha, Júlia, vou te dar um conselho: fique longe da Cíntia, e mantenha-se bem longe desta propriedade. A Cíntia não está sozinha, acho bom seguir o meu conselho — Felipe fala, sua voz impassível, seu olhar frio.

— Está me ameaçando, Felipe? — Júlia rebate, mas agora há uma insegurança visível em seus olhos.

— Entenda como você quiser — ele responde, sem perder a calma. Júlia olha para mim uma última vez, um olhar de raiva e promessa, antes de se virar e sair.

Assim que ela sai, sinto meu corpo ceder, como se toda a força que estava usando para manter minha postura firme tivesse desaparecido de repente. Ana se aproxima ainda mais e me envolve em um abraço apertado.

— Cíntia, ela fez algo a você? — ela pergunta, sua voz cheia de preocupação.

— Não fez nada, só veio dizer para eu sair desta casa… que adoraria me ver na sarjeta. Eu detesto essa mulher. — Minha voz sai fraca, e percebo que meus olhos estão ardendo. Eu não queria chorar na frente deles, mas os insultos dela mexeram comigo de uma forma que não consigo explicar.

— Que essa casa era muito grande para eu morar sozinha — acrescento, sentindo o nó em minha garganta apertar.

— Olha, Cíntia, eu acho que neste ponto ela tem razão — Ana fala, trocando um olhar com Felipe. — Nós viemos até aqui porque você não apareceu no horário combinado para irmos para BH, mas acabei de ter uma ótima ideia.

Meu estômago revira de medo do que ela poderia sugerir. Se Ana sugerisse que eu saísse da fazenda, o Alonso se instalaria aqui com Júlia.

— Eu não posso deixar a propriedade, Ana. — Minha voz sai mais desesperada do que eu queria.

— Eu jamais iria sugerir isso, querida. Nós vamos morar aqui com você durante um tempo — ela diz, e Felipe assente, dando um pequeno sorriso.

Eu sabia que ela havia acabado de ter essa ideia, mas ele prontamente acatou. Era lindo o amor e a parceria entre eles. Um nó de gratidão começa a substituir o nó de desespero. Não estou sozinha. Não vou deixar Júlia me derrubar.

Ana decidiu desmarcar a prova do vestido, vendo que eu não estava me sentindo bem para ir a Belo Horizonte. Mesmo assim, ela precisou sair para trabalhar no ateliê, e o Felipe foi para a vinícola. A casa estava silenciosa demais, sufocante demais. Então, decidi dirigir até a fazenda Belmonte, que era a propriedade da família do Felipe, do Fernando e da minha tia Irene. Precisava de um pouco de ar fresco e de um lugar onde pudesse encontrar algum alívio para os pensamentos que me atormentavam.

No meio do caminho, no entanto, um sedan preto parado no meio da estrada chamou minha atenção. Reduzi a velocidade e parei o carro ao reconhecer de quem se tratava. Henrique. Claro, só ele para trazer um carro tão inadequado para esse caminho.

Desci da caminhonete, vendo o capô do carro aberto e Henrique mexendo em algo. Ele parecia tão concentrado que não notou minha aproximação.

— Parece que esse carro está te dando problemas — falei, cruzando os braços e sorrindo.

Ele ergueu a cabeça, visivelmente surpreso, como se não tivesse me visto chegar.

— Cíntia? — Ele piscou, quase como se não acreditasse. — A Ana me ligou… pode chamar um mecânico? Eu não conheço ninguém aqui.

Dei um passo mais próximo, examinando o sedan parado ali. Era realmente um carro elegante, mas totalmente inadequado para as estradas de terra da região.

— Sabe, Henrique, existe um motivo pelo qual preferimos usar caminhonetes nesta estrada — comentei, deixando meu tom carregado de ironia.

Ele soltou uma risada meio frustrada, passando a mão pelos cabelos e olhando para o carro como se ele tivesse traído sua confiança.

— Seu conselho veio um pouco tarde demais, Cíntia — disse, dando de ombros.

O vento soprava suave pela estrada deserta, e o sol do meio-dia tornava o ambiente um pouco abafado. Olhei ao redor e me aproximei ainda mais.

— Vou chamar um mecânico, mas… — Olhei para ele, vendo a expressão de cansaço que carregava. — Está com pressa para usar seu carro? Não sei quanto tempo vai demorar e imagino que estava indo para a minha casa. Você mencionou que a Ana ligou para você, então suponho que ela te contou o que aconteceu hoje cedo.

Henrique deu um suspiro, relaxando um pouco.

— Honestamente? Depois da manhã que tive, não estou com pressa de chegar a lugar nenhum.

Sorri, vendo um lado dele mais humano, menos controlador.

— Então vem — apontei para minha caminhonete. — Vou te dar uma carona. Depois a gente vê o que faz com essa sua relíquia.

Ele riu, e foi a primeira vez que percebi como aquele som era leve. Henrique assentiu, fechando o capô.

— Sabe, Cíntia, você é cheia de surpresas.

Dei de ombros, fingindo não dar importância ao comentário.

— E você, Henrique, está precisando aprender um pouco mais sobre a vida no campo.

Ele abriu a porta da caminhonete e subiu, enquanto eu fazia o mesmo do outro lado. Não seria um caminho longo de volta à fazenda, mas decidi que precisávamos de uma pausa diferente daquela rotina. Precisava espairecer um pouco, então tomei um desvio em direção ao povoado.

Peguei meu celular e liguei para um mecânico, dando as coordenadas de onde estava o carro do Henrique, antes de voltar a dirigir. Henrique, ao meu lado, observava a estrada, uma expressão serena no rosto.

— Para onde estamos indo? — perguntou, quebrando o silêncio confortável que se instaurara.

— Povoado. Vou te mostrar um pouco da vida local. Eu não quero ficar na fazenda, preciso espairecer um pouco depois da manhã atribulada que tive.

Ele sorriu de canto, relaxando no banco.

— Eu estou à disposição, Cíntia. Hoje, só me resta seguir o seu comando.

Aquela resposta me pegou desprevenida, e por um momento, desviei os olhos da estrada para encará-lo. Havia uma sinceridade ali, algo que, por mais que eu resistisse, estava começando a ver de maneira diferente. Algo que me fez sentir que, talvez, não fosse tão ruim tê-lo por perto.

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