Capítulo 02 - Era Uma Vez

Belém ficou um tempo ao lado de Gigio, o observando dormir agora tranquilamente depois da medicação. A testa do menino já não estava mais tão quente quanto antes. O funcionário acabou dispensando a toalha úmida e a água gelada que estava usando para acalmar a temperatura da região. Quando se sentiu mais seguro de que nada fosse acontecer, saiu dali para o dormitório onde Nádia e Maria ainda esperavam por ele. Elas queriam ouvir a história antes de dormir, apesar de já passar da meia-noite.

— Vocês duas já deveriam estar de olhos fechados e sonhando. — disse Belém rindo quando abriu a porta do dormitório e viu apenas as duas acordadas.

Nádia correu para a cama de Maria, as duas se ajeitaram enquanto o rapaz se aproximava. Ele se ajoelhou em frente a cama e ainda sorrindo, ficou observando as duas.

— A gente quer ouvir a história. — comentou Maria.

— É, conta uma história para a gente, por favor… — pediu Nádia em seguida.

— Tudo bem, eu vou contar. — mais uma vez o rapaz se ajeitou, agora se colocou sentado na cama, de frente para as duas crianças.

Essa é a história de uma menininha que adorava abraçar todo mundo, ela tinha muito amor dentro dela. Ela adorava abraçar a mamãe e o papai, seus irmãozinho que ainda era só um bebezinho, mas ela abraçava todo mundo e com tanto amor que às vezes acaba doendo. Por mais que seus pais dissessem que ela tinha que controlar porque até mesmo muito amor podia machucar, a garotinha nunca conseguia entender.

Então, um dia, essa menininha ganhou de aniversário um gatinho muito bonitinho e fofinho. Ele era pretinho com a barriga branquinha e o nariz bem rosa. Olhos grandes e verdes. É claro que a jovenzinha se apaixonou pelo bichinho e sempre que podia abraçava e apertava ele com toda a força. Quando chegava da escola, quando acordava, antes de dormir, antes de sair para brincar na rua… Mas ela abraçava tanto o gatinho que um dia ele não aguentou mais e gritou! Isso mesmo, o gato não miou, ele gritou:

— CHEGA!

Claro que a menininha ficou assustada, ela nunca viu um bicho falar antes. Só papagaio, mas nunca um gato.

— Você fala? — perguntou a menina.

— Sim, agora eu falo. Eu tive que falar. — respondeu o bichano. — Escuta aqui menina, você não sabe que tudo em excesso faz mal?

A garotinha não respondeu nada, ainda estava muito surpresa com o fato daquele animalzinho pequeno estar falando como gente. E gente grande.

— Agora vai ficar muda? — perguntou o gatinho voltando a falar. — Me diz uma coisa, quando você come demais seu estômago não dói? — a menina respondeu que sim com sua cabeça. — Quando você bebe suco demais sua barriga não dói? — mais uma vez a menina respondeu que sim. — E quando você dorme demais sua cabeça não dói? — mais uma vez, sim. — Então? Você acha que quando você me abraça e me aperta demais não dói?

— Desculpa senhor gatinho, eu não sabia. — respondeu a criança triste.

— Não precisa ficar triste menina, se você não sabia, agora tá sabendo. — respondeu o animal passando sua patinha na bochecha dela. — Agora fique sabendo que até mesmo o amor dói se a gente exagera. Da próxima vez que você for me abraçar, pense antes… Vai com cuidado porque um dia eu posso ficar bravo e te unhar, aí você vai ver que o amor demais também pode te machucar.

Os olhos da menininha ficaram bem abertos e assustados, o gatinho percebeu o que fez, então, mais uma vez se aproximou dela para encerrar o assunto.

— Já disse que não precisa ficar triste, só precisa ter mais cuidado. Não me machuque com seu amor, não se machuque com seu amor…

Depois dessa conversa com o gatinho, a menininha começou a abraçar ele com mais cuidado, seu irmãozinho também e seus pais. E depois disso, o gatinho nunca mais voltou a falar porque ele sabia que sua dona agora sabia que ela deveria tomar cuidado com seus sentimentos porque até mesmo para amar o seu bichinho de estimação a gente não pode exagerar.

Quando Belém olhou para as duas meninas, as encontrou finalmente dormindo como se tivessem caído no sono a horas. Sorriu e passou sua mão na cabeça das duas, acariciando como uma mãe faria. Sempre quando encontrava aquelas três crianças assim, naquele estado de calma, o cuidador desejava ter condições financeiras para adotá-las. Claro que ele gostava de todas as crianças que viviam ali no instituto, mas por Nádia, Maria e Gigio ele nutria um amor que parecia ser maior do que sua própria existência. Ele simplesmente não conseguia explicar, apenas sabia que sentia isso.

Quando deixou o dormitório das meninas, percebeu que haviam mensagens não lidas em seu celular. Eram de Jean.

O médico enviou melhoras para Gigio e também desejou forças para que Belém cuidasse dele, pois sabia que a qualquer falta de sinal de melhora o rapaz com certeza se sentiria sem forças e começaria a chorar. Quem sabe se, futuramente, existir algo entre os dois, eles poderiam adotar aquelas três crianças. Isso se Jean quisesse adotar… Ele demonstrava ter uma certa tolerância a isso, quem sabe… Se ele gostar tanto do jovem cuidador como diz gostar, saberia que o desejo de adotá-los existia em sua mente.

Quando percebeu que estava passando tempo demais pensando em uma possibilidade, Belém decidiu encerrar sua linha de raciocínio e voltou para o dormitório dos meninos e ficar de olho em Gigio.

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