Belém ficou um tempo ao lado de Gigio, o observando dormir agora tranquilamente depois da medicação. A testa do menino já não estava mais tão quente quanto antes. O funcionário acabou dispensando a toalha úmida e a água gelada que estava usando para acalmar a temperatura da região. Quando se sentiu mais seguro de que nada fosse acontecer, saiu dali para o dormitório onde Nádia e Maria ainda esperavam por ele. Elas queriam ouvir a história antes de dormir, apesar de já passar da meia-noite.
— Vocês duas já deveriam estar de olhos fechados e sonhando. — disse Belém rindo quando abriu a porta do dormitório e viu apenas as duas acordadas.
Nádia correu para a cama de Maria, as duas se ajeitaram enquanto o rapaz se aproximava. Ele se ajoelhou em frente a cama e ainda sorrindo, ficou observando as duas.
— A gente quer ouvir a história. — comentou Maria.
— É, conta uma história para a gente, por favor… — pediu Nádia em seguida.
— Tudo bem, eu vou contar. — mais uma vez o rapaz se ajeitou, agora se colocou sentado na cama, de frente para as duas crianças.
Essa é a história de uma menininha que adorava abraçar todo mundo, ela tinha muito amor dentro dela. Ela adorava abraçar a mamãe e o papai, seus irmãozinho que ainda era só um bebezinho, mas ela abraçava todo mundo e com tanto amor que às vezes acaba doendo. Por mais que seus pais dissessem que ela tinha que controlar porque até mesmo muito amor podia machucar, a garotinha nunca conseguia entender.
Então, um dia, essa menininha ganhou de aniversário um gatinho muito bonitinho e fofinho. Ele era pretinho com a barriga branquinha e o nariz bem rosa. Olhos grandes e verdes. É claro que a jovenzinha se apaixonou pelo bichinho e sempre que podia abraçava e apertava ele com toda a força. Quando chegava da escola, quando acordava, antes de dormir, antes de sair para brincar na rua… Mas ela abraçava tanto o gatinho que um dia ele não aguentou mais e gritou! Isso mesmo, o gato não miou, ele gritou:
— CHEGA!
Claro que a menininha ficou assustada, ela nunca viu um bicho falar antes. Só papagaio, mas nunca um gato.
— Você fala? — perguntou a menina.
— Sim, agora eu falo. Eu tive que falar. — respondeu o bichano. — Escuta aqui menina, você não sabe que tudo em excesso faz mal?
A garotinha não respondeu nada, ainda estava muito surpresa com o fato daquele animalzinho pequeno estar falando como gente. E gente grande.
— Agora vai ficar muda? — perguntou o gatinho voltando a falar. — Me diz uma coisa, quando você come demais seu estômago não dói? — a menina respondeu que sim com sua cabeça. — Quando você bebe suco demais sua barriga não dói? — mais uma vez a menina respondeu que sim. — E quando você dorme demais sua cabeça não dói? — mais uma vez, sim. — Então? Você acha que quando você me abraça e me aperta demais não dói?
— Desculpa senhor gatinho, eu não sabia. — respondeu a criança triste.
— Não precisa ficar triste menina, se você não sabia, agora tá sabendo. — respondeu o animal passando sua patinha na bochecha dela. — Agora fique sabendo que até mesmo o amor dói se a gente exagera. Da próxima vez que você for me abraçar, pense antes… Vai com cuidado porque um dia eu posso ficar bravo e te unhar, aí você vai ver que o amor demais também pode te machucar.
Os olhos da menininha ficaram bem abertos e assustados, o gatinho percebeu o que fez, então, mais uma vez se aproximou dela para encerrar o assunto.
— Já disse que não precisa ficar triste, só precisa ter mais cuidado. Não me machuque com seu amor, não se machuque com seu amor…
Depois dessa conversa com o gatinho, a menininha começou a abraçar ele com mais cuidado, seu irmãozinho também e seus pais. E depois disso, o gatinho nunca mais voltou a falar porque ele sabia que sua dona agora sabia que ela deveria tomar cuidado com seus sentimentos porque até mesmo para amar o seu bichinho de estimação a gente não pode exagerar.
Quando Belém olhou para as duas meninas, as encontrou finalmente dormindo como se tivessem caído no sono a horas. Sorriu e passou sua mão na cabeça das duas, acariciando como uma mãe faria. Sempre quando encontrava aquelas três crianças assim, naquele estado de calma, o cuidador desejava ter condições financeiras para adotá-las. Claro que ele gostava de todas as crianças que viviam ali no instituto, mas por Nádia, Maria e Gigio ele nutria um amor que parecia ser maior do que sua própria existência. Ele simplesmente não conseguia explicar, apenas sabia que sentia isso.
Quando deixou o dormitório das meninas, percebeu que haviam mensagens não lidas em seu celular. Eram de Jean.
O médico enviou melhoras para Gigio e também desejou forças para que Belém cuidasse dele, pois sabia que a qualquer falta de sinal de melhora o rapaz com certeza se sentiria sem forças e começaria a chorar. Quem sabe se, futuramente, existir algo entre os dois, eles poderiam adotar aquelas três crianças. Isso se Jean quisesse adotar… Ele demonstrava ter uma certa tolerância a isso, quem sabe… Se ele gostar tanto do jovem cuidador como diz gostar, saberia que o desejo de adotá-los existia em sua mente.
Quando percebeu que estava passando tempo demais pensando em uma possibilidade, Belém decidiu encerrar sua linha de raciocínio e voltou para o dormitório dos meninos e ficar de olho em Gigio.
Chegou um momento da madrugada que, conforme a doença era combatida pelo antibiótico, Gigio começou a suar muito. Belém se assustou com aquilo, mas logo percebeu que estava sendo parte do processo, apesar da cama, das roupas e do travesseiro da criança ter ficado empapada com o suor. Quando finalmente a febre baixou de vez e a temperatura do corpo se estabeleceu no ideal, o coração do mais velho também conseguiu se manter calmo e parou de bater de preocupação como as asas de um beija-flor. Gigio ficaria melhor logo pela manhã, os olhos de Maurício se encheram de lágrimas de felicidades e assim que os primeiros raios de sol tocaram a ilha em que o instituto se localiza, o jovenzinho abriu seus olhos pequenos.Gigio viu logo a sua frente Belém com sua cabeça deitada em seus braços sobre a cama, tentou abrir sua boca, mas sentiu seus lábios grudados um no outro e sua garganta seca além do gosto amargo em sua língua. Quando conseguiu abrir a boca, o menino disse:— Tio…A voz fraquinha da
Fazia tempo desde a última vez em que Belém saiu em um encontro com alguém. Na ilha havia poucas opções relevantes em aplicativos para essa finalidade.Depois de vestir uma camisa cor-de-rosa de abotoar, deixando os dois primeiros botões abertos para mostrar um pouco do seu peitoral, uma calça jeans que ficava cada vez mais folgada conforme se aproximava dos seus calcanhares e por fim seu par de coturnos, o rapaz percebeu ao olhar seu reflexo no espelho que sentia falta daquilo. De se arrumar para si mesmo e também para impressionar outra pessoa, então, para concluir finalmente abriu o perfume que havia comprado há quase um ano. Para sua sorte a data de validade ainda estava longe. Quem sabe depois desse encontro não poderia nascer uma relação diferente apenas do sentimento de amizade que Belém tinha pelo médico, pela primeira vez, ele sentiu que essa porta poderia se abrir.Jean deixou seu carro vestindo uma camisa em um tom predominantemente bege com algumas listras vermelhas que es
Por muitos anos a casa grande que um dia pertenceu ao coronel que já mandou em toda aquela ilha ficou sem receber ninguém e isso porque quando a era de mandos e desmandos da poderosa família chegou ao fim com a nova república, eles decidiram se mudar para o continente e deixaram aquele lugar apenas com os empregados para que cuidassem da propriedade. Várias gerações viveram ali, recebendo um bom dinheiro para cuidar das terras, então, não é surpresa que a geração atual foi pega de surpresa quando foram noticiados de que um novo dono estava prestes a chegar ao local. Como suas famílias já viviam naquelas terras por anos, nunca pensaram que os verdadeiros donos poderiam retornar e que muito menos um novo proprietário poderia surgir. — Eu fiquei sabendo, Cleusa, que o homem se chama Teodoro Ayala Montes. — disse a matriarca da família descendente dos funcionários originais. — Um empresário lá do continente. Pedi para a Amandinha pesquisar na internet e achar uma foto do homem… — E aí,
Tudo estava muito calmo. Calmo demais. A febre de Giovanni baixou muito naquela manhã de quarta-feira e por causa disso todos, principalmente Belém, pensaram que aquele era um bom sinal de que o resto da semana seria recheada de dias mais tranquilos. Aconteceu de repente quando Belém e Tatiana estavam observando as crianças brincarem no pátio central do instituto, os demais cuidadores também estavam ali ajudando os dois principais funcionários. Gigio brincava sem parar com Nádia, Maria e as demais crianças do lugar, a alegria do menino fazia com que Belém e Tatiana comentassem entre si sobre essa felicidade toda. Um estouro. Todos olharam para dentro do prédio. — O que foi isso? — perguntou Belém em voz alta e quando entrou, percebeu a água escorrendo pelo piso. Seguiu esse caminho e chegou até um dos banheiros, abriu a porta. A pia estava vazando. — Ah, que merda… — O que? — a voz de Tatiana se aproximou rapidamente e soltou sua respiração quando encontrou aquela situação, fico
A empregada deixou a bandeja com o café em cima da mesa do escritório, Teodoro agradeceu e em seguida pediu para que ela se retirasse do local. Por mais curiosa que estivesse para acompanhar o desenrolar daquela história, não havia muito o que a mulher pudesse fazer, obedeceu o seu patrão e em seguida deixou o cômodo.— Podem se servir. — disse o mais velho apontando para as xícaras vazias.— Obrigado. — agradeceu Jean.— Não, obrigado. — respondeu Belém seco.O médico e o empresário trocam olhares, então, Teodoro se ajeitou em seu assento, suas mãos sobre a mesa, começou a falar olhando para o funcionário do instituto:— O senhor disse que eu não entreguei o dinheiro que prometi.— Sim. — respondeu o mais novo da mesma forma seca. — Promessas vazias, como a de um político.— Mas eu já transferi a primeira doação para o instituto. — respondeu Teodoro mantendo a sua fachada de seriedade. — E tenho como provar que eu fiz isso. Tenho extratos, o aplicativo do banco…— Então, cadê esse di
Um véu mágico estava sob a lua naquela noite, tinha algo muito atraente que puxava a atenção de Teodoro. Parecia que sua falecida esposa estava o observando de lá. — Aqui está seu café, senhor… — Adélia deixou a bandeja com o bule e a xícara em cima da mesa. O empresário se virou, depois de ouvir a voz, não esboçou nenhuma reação e apenas agradeceu com um movimento de cabeça. Bebeu seu café ainda olhando para a esfera de prata no céu. Pela primeira vez o homem percebeu a calmaria daquela ilha, não estava escutando os barulhos chatos e incômodos da metrópole que vivia. Apenas escutava o barulho da natureza, os grilos cantando, miados, alguns latidos, o som do vento passando pelas árvores e levemente conseguia escutar também as ondas do mar se debatendo. De repente a voz de Maurício falando seu nome, “Teodoro Ayala Montes”, surgiu como se alguém dentro de sua mente tivesse dado o play e ligado a função repetir no áudio dele falando o nome. Odiava como aquele rapaz dizia seu nome comp
Foi uma surpresa para Belém quando atravessou o portão do seu prédio e viu o carro de Jean estacionado ali em frente, mas uma surpresa boa.Belém queria poder negar que gostou daquilo, mas não conseguia porque o sorriso em seu rosto o denunciava sem dó. Era a primeira vez que tinha alguém que fazia aquele tipo de surpresa, o pegar em frente a sua casa para levá-lo até o trabalho. Primeira vez que sentia que alguém estava pensando nele.Durante o caminho, os dois conversaram sobre os últimos acontecimentos e acabaram caindo em uma sinuca sem bico entre suas opiniões. Belém desconfiava muito da caridade de Teodoro, chegava ao ponto de não esconder mais e Jean estava no lado contrário, ele não achava estranho o interesse do empresário em querer ajudar o instituto e aquelas crianças.— Não é você que diz que aqueles três são especiais? — perguntou o médico enquanto dirigia.— Sim, mas… Ainda é estranho. Se não fosse só com eles, mas com todas aquelas crianças, mas só com eles… — comentou
Lá estava, bem à frente do seu campo de visão, a casa grande que se converteu na mansão de Teodoro. Não fazia muito tempo desde o dia em que esteve ali para reclamar o dinheiro que foi prometido, sua mão tinha memória do tapa que depositou no rosto do famoso empresário, memória tão boa que seus dedos formigavam pedindo por mais. Para o seu azar, uma gota caiu no topo de sua cabeça, depois duas e depois três, mais quatro e de um segundo para outro, uma forte chuva caiu. Não podia mais esperar, correu em direção a porta da frente e bateu em desespero.— Meu Deus… — disse Cleusa, a irmã da empregada mais velha, ao abrir a porta. — Menino, você tá todo molhado, entra vem…Assim que Belém passou para dentro do casarão, Teodoro surgiu do corredor que leva até seu escritório, perguntando quem estava batendo na porta, porém quando encontrou o cuidador das crianças molhado das cabeças aos pés ficou em silêncio.— O que deu em você para vir até aqui, nessa chuva?— A chuva começou depois que eu