Fazia tempo desde a última vez em que Belém saiu em um encontro com alguém. Na ilha havia poucas opções relevantes em aplicativos para essa finalidade.
Depois de vestir uma camisa cor-de-rosa de abotoar, deixando os dois primeiros botões abertos para mostrar um pouco do seu peitoral, uma calça jeans que ficava cada vez mais folgada conforme se aproximava dos seus calcanhares e por fim seu par de coturnos, o rapaz percebeu ao olhar seu reflexo no espelho que sentia falta daquilo. De se arrumar para si mesmo e também para impressionar outra pessoa, então, para concluir finalmente abriu o perfume que havia comprado há quase um ano. Para sua sorte a data de validade ainda estava longe. Quem sabe depois desse encontro não poderia nascer uma relação diferente apenas do sentimento de amizade que Belém tinha pelo médico, pela primeira vez, ele sentiu que essa porta poderia se abrir.
Jean deixou seu carro vestindo uma camisa em um tom predominantemente bege com algumas listras vermelhas que escondia levemente a silhueta do seu tronco, entretanto, realçava seus bíceps malhados. O funcionário do instituto não conseguiu não deixar de rir graciosamente quando percebeu o cabelo do outro perfeitamente dividido, o Doutor Jean tinha uma beleza da qual Belém não conseguia descrever muito bem em poucas palavras, ele parecia ser feito de porcelana, no bom sentido, seus olhos perfeitamente desenhados eram assimétricos com seu nariz e sua boca rosada. Diferente da beleza do beneficiário do instituto, por exemplo, que era dono de uma beldade mais bruta, apesar de ser um homem de muitas posses.
— Você está rindo. — comentou Jean se aproximando, começando a acompanhar a risada do outro. — Espero que seja porque você me achou bonito e não porque está me achando feio.
Antes de responder Belém negou com sua cabeça, segurou seu riso.
— Não se preocupe. É porque te achei bonito. De verdade.
— Obrigado. — respondeu o médico observando o outro, seus olhos brilharam como o de alguém que acabou de cruzar com o maior diamante do mundo. — Você também está bonito. — olhou para trás, havia deixado a porta do carona aberta. — Vamos?
Belém concordou com sua cabeça.
O céu estava limpo naquela noite, nenhuma nuvem no céu e se não fosse pela poluição das luzes espalhadas pela a Terra, os dois poderiam ver mais estrelas. Não havia nenhum vento, nenhum sinal de chuva e isso era perfeito porque Jean levou Belém em um daqueles restaurantes montados em um navio e que apenas turistas da ilha frequentavam. Quando o funcionário do instituto abriu o menu, teve uma surpresa ao olhar os preços daqueles pratos.
— Esse lugar é bem caro. — sussurrou Belém, olhou ao seu redor. — Não é atoa que só tem turista aqui.
— Não se preocupe, eu vou pagar tudo, tá bem? — disse o doutor sorrindo. — Pode escolher o que quiser do menu.
— Tem certeza? — perguntou Belém, não estava acostumado a um ambiente daquele nível, começou a se sentir como um intruso.
Para acalmar os ânimos do seu encontro, Jean passou sua mão nas costas da mão de Belém e no mesmo tom calmo que usou para conversar sobre a saúde de Gigio, ele disse:
— Eu te convidei. Você estar aqui comigo é o que eu queria, então, como eu disse, não se preocupe porque eu vou pagar tudo.
— Bom… — Belém deu de ombros. — Poderia ter me avisado antes, então, porque eu poderia ter me vestido melhor.
— Você é lindo de qualquer jeito. Já sabe o que vai pedir?
O encontro olhou para o cardápio mais uma vez e suspirou preocupado.
— O que foi? — Jean perguntou. — Eu já disse que eu vou pagar.
— É que eu como muito… — sussurrou Belém envergonhado.
O médico se divertiu tanto com aquela resposta que acabou soltando uma risada um pouco alta, Belém ficou em silêncio, não entendeu.
— Pode pedir. — concluiu Jean após engolir sua risada.
— Você realmente come muito. — comentou o médico após ver o que o seu encontro havia pedido.
— Não pode dizer que eu não avisei. — disse Belém olhando para o homem à sua frente e depois para os pratos que pediu. — A gente ainda pode dividir a conta.
— Não! — Jean respondeu rápido. — Desculpa, eu não quis insinuar isso… Bom, vamos mudar de assunto… — pegou o guardanapo e colocou em seu colo. — Como vão as coisas no Porto Seguro? O Gigio está cem por cento?
— Sim, graças a sua ajuda. — respondeu Belém sorrindo. — Hmm… Um empresário foi visitar lá essa semana.
— Um empresário?
— Sim. Ele vai se tornar beneficiário do lugar. — respondeu o cuidador de crianças. — Ele é um tipo bem sério, sabe? Mas gostou tanto do instituto que se comprometeu em ajudar. Nessa semana mesmo, acho que o dinheiro deve cair na conta.
— Isso é uma coisa muito boa, Belém. — disse o médico. — E você deve estar feliz com isso.
— Óbvio que sim. — respondeu o outro. — Aquele lugar tá precisando de tanta coisa, esse dinheiro que vai entrar vai dar uma boa ajuda. Eu tô tão ansioso para ver as coisas melhorando para aquelas crianças de uma vez por todas.
Jean segurou a mão de Belém, seus olhos se encontraram e o rapaz que cuida das crianças sentiu uma energia elétrica sair do corpo do médico e percorrer o seu.
— É por isso que me apaixonei por você. — disse Jean.
Belém ficou com suas bochechas vermelhas, desviou seus olhos do olhar do outro, ficou sem coragem. Sussurrou:
— Não fala assim…
— Mas é a verdade. A paixão que você tem ao cuidar dessas crianças. Essa paixão, a energia que você tem… Cara, é capaz de amolecer qualquer coração empedrado. — disse o médico em um tom que parecia poesia aos ouvidos do que estava a sua frente.
Por sua vez, Belém tentou abrir a boca para responder, mas não conseguiu. Sua voz faltou, não sabia como reagir aquele tipo de elogio, foi a primeira vez que alguém lhe disse algo semelhante.
— Não precisa ter vergonha da tua luz. — continuou o médico. — Do teu amor, NÃO TEM que sentir vergonha dessas coisas… Afinal, é tudo isso que faz com que as pessoas se apaixonem por você. Eu não me apaixonei por você só porque você é bonito por fora, mas também porque você é bonito por dentro…
— Jean! — exclamou Belém surpreso, olhou para os lados e colocou sua mão sobre seu peito. — Não vamos falar dessas coisas assim, alguém pode ouvir e… Bem, você sabe que as pessoas com mente fechada são a maioria em relação às pessoas com mente aberta. Por favor.
Após o jantar a bordo do navio restaurante, os dois foram passear pelo calçadão do centro da ilha, onde outros turistas estavam por ali aproveitando o clima mágico do lugar. Jean comprou dois potinhos de gelatos e os dois ficaram conversando por mais um tempo quando sentaram em um banco. Os olhos de Jean não paravam de brilhar por ele estar tendo um momento como aquele com o outro, era um sonho se tornando realidade. Belém também estava aproveitando o momento, apesar de ter um medo interno de não acabar conseguindo retribuir os sentimentos que o doutor claramente tinha por ele, mas logo essa nuvem passou.
— Pronto, está em casa. — disse Jean deixando Belém em frente a sua casa.
— Obrigado. — agradeceu o cuidador. — Foi um encontro muito…
— Muito?
— Muito bom. — respondeu Belém rindo. — Não, de verdade, foi muito bom. Obrigado. Agora eu vou entrar, já está tarde.
Jean arqueou sua sobrancelha, riu e concordou com sua cabeça, parecia decepcionado e Belém percebeu, então, antes de sair do carro teve que perguntar:
— O que foi?
— Nada, eu só esperava um fim diferente para essa noite.
— Tipo? — perguntou Belém.
Jean olhou para o rapaz, decidiu ser direto:
— Esperava um beijo.
— Um beijo? — Belém perguntou surpreso. — Você quer um beijo?
— Se você também quiser. — respondeu Jean encolhendo seus ombros.
A mão do jovem cuidador pousou sobre o maxilar do médico, levemente o puxou para mais perto do seu rosto e o beijou. Não foi um beijo intenso ou muito sexualizado, mas foi um beijo calmo. Seus lábios brincavam em um jogo sedutor, mas foi o suficiente para que o doutor se sentisse no céu.
— Boa noite. — disse Belém ao encerrar o ato.
— Boa noite. — sorriu Jean com fogos de artifício explodindo em seu interior.
Por muitos anos a casa grande que um dia pertenceu ao coronel que já mandou em toda aquela ilha ficou sem receber ninguém e isso porque quando a era de mandos e desmandos da poderosa família chegou ao fim com a nova república, eles decidiram se mudar para o continente e deixaram aquele lugar apenas com os empregados para que cuidassem da propriedade. Várias gerações viveram ali, recebendo um bom dinheiro para cuidar das terras, então, não é surpresa que a geração atual foi pega de surpresa quando foram noticiados de que um novo dono estava prestes a chegar ao local. Como suas famílias já viviam naquelas terras por anos, nunca pensaram que os verdadeiros donos poderiam retornar e que muito menos um novo proprietário poderia surgir. — Eu fiquei sabendo, Cleusa, que o homem se chama Teodoro Ayala Montes. — disse a matriarca da família descendente dos funcionários originais. — Um empresário lá do continente. Pedi para a Amandinha pesquisar na internet e achar uma foto do homem… — E aí,
Tudo estava muito calmo. Calmo demais. A febre de Giovanni baixou muito naquela manhã de quarta-feira e por causa disso todos, principalmente Belém, pensaram que aquele era um bom sinal de que o resto da semana seria recheada de dias mais tranquilos. Aconteceu de repente quando Belém e Tatiana estavam observando as crianças brincarem no pátio central do instituto, os demais cuidadores também estavam ali ajudando os dois principais funcionários. Gigio brincava sem parar com Nádia, Maria e as demais crianças do lugar, a alegria do menino fazia com que Belém e Tatiana comentassem entre si sobre essa felicidade toda. Um estouro. Todos olharam para dentro do prédio. — O que foi isso? — perguntou Belém em voz alta e quando entrou, percebeu a água escorrendo pelo piso. Seguiu esse caminho e chegou até um dos banheiros, abriu a porta. A pia estava vazando. — Ah, que merda… — O que? — a voz de Tatiana se aproximou rapidamente e soltou sua respiração quando encontrou aquela situação, fico
A empregada deixou a bandeja com o café em cima da mesa do escritório, Teodoro agradeceu e em seguida pediu para que ela se retirasse do local. Por mais curiosa que estivesse para acompanhar o desenrolar daquela história, não havia muito o que a mulher pudesse fazer, obedeceu o seu patrão e em seguida deixou o cômodo.— Podem se servir. — disse o mais velho apontando para as xícaras vazias.— Obrigado. — agradeceu Jean.— Não, obrigado. — respondeu Belém seco.O médico e o empresário trocam olhares, então, Teodoro se ajeitou em seu assento, suas mãos sobre a mesa, começou a falar olhando para o funcionário do instituto:— O senhor disse que eu não entreguei o dinheiro que prometi.— Sim. — respondeu o mais novo da mesma forma seca. — Promessas vazias, como a de um político.— Mas eu já transferi a primeira doação para o instituto. — respondeu Teodoro mantendo a sua fachada de seriedade. — E tenho como provar que eu fiz isso. Tenho extratos, o aplicativo do banco…— Então, cadê esse di
Um véu mágico estava sob a lua naquela noite, tinha algo muito atraente que puxava a atenção de Teodoro. Parecia que sua falecida esposa estava o observando de lá. — Aqui está seu café, senhor… — Adélia deixou a bandeja com o bule e a xícara em cima da mesa. O empresário se virou, depois de ouvir a voz, não esboçou nenhuma reação e apenas agradeceu com um movimento de cabeça. Bebeu seu café ainda olhando para a esfera de prata no céu. Pela primeira vez o homem percebeu a calmaria daquela ilha, não estava escutando os barulhos chatos e incômodos da metrópole que vivia. Apenas escutava o barulho da natureza, os grilos cantando, miados, alguns latidos, o som do vento passando pelas árvores e levemente conseguia escutar também as ondas do mar se debatendo. De repente a voz de Maurício falando seu nome, “Teodoro Ayala Montes”, surgiu como se alguém dentro de sua mente tivesse dado o play e ligado a função repetir no áudio dele falando o nome. Odiava como aquele rapaz dizia seu nome comp
Foi uma surpresa para Belém quando atravessou o portão do seu prédio e viu o carro de Jean estacionado ali em frente, mas uma surpresa boa.Belém queria poder negar que gostou daquilo, mas não conseguia porque o sorriso em seu rosto o denunciava sem dó. Era a primeira vez que tinha alguém que fazia aquele tipo de surpresa, o pegar em frente a sua casa para levá-lo até o trabalho. Primeira vez que sentia que alguém estava pensando nele.Durante o caminho, os dois conversaram sobre os últimos acontecimentos e acabaram caindo em uma sinuca sem bico entre suas opiniões. Belém desconfiava muito da caridade de Teodoro, chegava ao ponto de não esconder mais e Jean estava no lado contrário, ele não achava estranho o interesse do empresário em querer ajudar o instituto e aquelas crianças.— Não é você que diz que aqueles três são especiais? — perguntou o médico enquanto dirigia.— Sim, mas… Ainda é estranho. Se não fosse só com eles, mas com todas aquelas crianças, mas só com eles… — comentou
Lá estava, bem à frente do seu campo de visão, a casa grande que se converteu na mansão de Teodoro. Não fazia muito tempo desde o dia em que esteve ali para reclamar o dinheiro que foi prometido, sua mão tinha memória do tapa que depositou no rosto do famoso empresário, memória tão boa que seus dedos formigavam pedindo por mais. Para o seu azar, uma gota caiu no topo de sua cabeça, depois duas e depois três, mais quatro e de um segundo para outro, uma forte chuva caiu. Não podia mais esperar, correu em direção a porta da frente e bateu em desespero.— Meu Deus… — disse Cleusa, a irmã da empregada mais velha, ao abrir a porta. — Menino, você tá todo molhado, entra vem…Assim que Belém passou para dentro do casarão, Teodoro surgiu do corredor que leva até seu escritório, perguntando quem estava batendo na porta, porém quando encontrou o cuidador das crianças molhado das cabeças aos pés ficou em silêncio.— O que deu em você para vir até aqui, nessa chuva?— A chuva começou depois que eu
Quando deixou o quarto de hóspedes, pronto para voltar para sua casa, Belém ficou surpreso ao esbarrar em Teodoro que também acabara de deixar sua suíte, vestindo seu melhor terno — como sempre estava — e pronto para o café da manhã. Os dois ficaram se observando em silêncio, ambos não esperavam se encontrar assim por mais que um se lembrasse da presença do outro ali.— Bo-bom dia. — disse Belém evitando olhar para o rosto do dono da casa grande.Teodoro ajeitou sua gravata antes de falar.— Bom dia… Dormiu bem? Você ficou bem mexido ontem com as coisas que eu disse.— Ah, sim… Eu dormi bem… Tô com um pouco de dor de cabeça, mas eu vou ficar bem. Quando chegar em casa, vou tomar um café antes de ir para o instituto e vou ficar bem. — sorriu ao terminar de falar.— Não precisa, faça seu desjejum aqui. Qual o problema? Hmmm? Já passou a noite.Belém encarou o homem mais velho, tentou pensar em alguma coisa, alguma desculpa, entretanto, não encontrou um motivo que o outro não conseguiria
Belém entregou a chave do seu apartamento para o médio e depois de, mais ou menos, uma hora o homem retornou com uma muda de roupa para o cuidador das crianças. Sorrindo, Belém agradeceu e quando se virou para voltar para o instituto, Jean pediu para que ele esperasse porque queria conversar rapidamente. — Tudo bem… — respondeu Belém confuso. — Sobre o quê? — Duas coisas… — respondeu Jean. — Primeiro, realmente o menino tá bem? Não aconteceu nada? Ele não voltou a ficar doente. — Não… Não é isso… Olha eu te explico tudo depois… Agora não posso, mas tem uma explicação. — Ah bom… — sussurrou o médico sem entender, mas, então, se preparou para a próxima pergunta. — Eu queria te convidar para ir viver comigo… No meu apartamento. Belém ficou paralisado com aquele convite, naquele momento se arrependeu de ter pedido para Jean ir até seu apartamento. Logo a paralisia foi passando e dando lugar a um sentimento de constrangimento. — Olha… — começou o mais novo, entretanto o outro homem fo