Chegou um momento da madrugada que, conforme a doença era combatida pelo antibiótico, Gigio começou a suar muito. Belém se assustou com aquilo, mas logo percebeu que estava sendo parte do processo, apesar da cama, das roupas e do travesseiro da criança ter ficado empapada com o suor. Quando finalmente a febre baixou de vez e a temperatura do corpo se estabeleceu no ideal, o coração do mais velho também conseguiu se manter calmo e parou de bater de preocupação como as asas de um beija-flor. Gigio ficaria melhor logo pela manhã, os olhos de Maurício se encheram de lágrimas de felicidades e assim que os primeiros raios de sol tocaram a ilha em que o instituto se localiza, o jovenzinho abriu seus olhos pequenos.
Gigio viu logo a sua frente Belém com sua cabeça deitada em seus braços sobre a cama, tentou abrir sua boca, mas sentiu seus lábios grudados um no outro e sua garganta seca além do gosto amargo em sua língua. Quando conseguiu abrir a boca, o menino disse:
— Tio…
A voz fraquinha da criança fez com que Belém acordasse depressa. Quando seus olhos encontraram o menino desperto, as lágrimas retornaram a sua face.
— Gigio! Você acordou! — disse o homem quase aumentando seu tom de voz exageradamente, se aproximou do rapazinho e o abraçou. Sentiu sua roupa grudar levemente na pele dele, além do cheiro forte de suor. — Um pouco grudento, claro, mas acordou! E parece muito melhor, não sabe como eu tô feliz…
— Eu tô com fome, tio. E com sede também. — disse a criança com pressa.
Belém riu e em seguida concordou com sua cabeça, continuou a falar:
— Tudo bem, eu vou pedir para te trazerem um copo de água e alguma coisa pra comer. Tá bom?
Gigio fez que sim com sua cabeça.
Belém se inclinou e beijou a testa do garoto.
— Eu já volto…
No caminho para a cozinha do instituto, o rapaz cruzou com Tatiana que estava chegando para mais um dia de trabalho e também, mais uma vez, ela foi a garota de recados da diretora ao comunicar Belém que ela queria falar com ele. O rapaz pediu para que sua amiga pegasse um copo de água para o menino que havia acabado de acordar, prontamente Tatiana respondeu que sim e os dois se separaram quando chegaram ao corredor que dividia caminho entre a cozinha e o escritório.
Dona Regina levantou de sua cadeira assim que viu Belém entrar no escritório, o rapaz estranhou e olhou para trás para ter certeza de que a mulher não estava surpresa com outra coisa.
— Você ainda não trocou de roupa? — perguntou a idosa.
— Não… — respondeu o mais novo sem entender. — Por quê?
— Se esqueceu que aquele ricaço vem aqui hoje? E você tá nesse estado, Maurício Belém… — disse a mulher chocada negando com sua cabeça.
— Desculpa, eu me esqueci. Mas ainda dá tempo? Eu posso ir pra minha casa, tomar banho e voltar. — respondeu o rapaz gesticulando. — O Gigio já tá melhor, ele acordou bem… Eu posso ir e voltar rápido.
Antes de responder, a diretora pensou por um breve instante.
— Okay. — respondeu Regina, concordando com sua cabeça. — Vai, vai e volta! Não demora, por favor… Porque com a ajuda desse homem, a gente vai dar um salto, menino!
Belém balançou sua cabeça positivamente, mas ficou parado ali.
Regina estranhou.
— VAI! — gritou a diretora.
De repente o corpo do outro levou um choque e ele se mexeu, deixando o escritório com pressa.
Maurício Belém Correia vivia em uma parte mais simples da ilha, apesar de toda a ilha ter uma arquitetura bem simples e uma parte reservada para pessoas ricas que passavam apenas os dias do final de semana, o local onde a casinha do rapaz ficava conseguia ser ainda mais simples. O clima ali era ao mesmo tempo muito quente e úmido, por isso as paredes externas estavam pretas com o mofo e o rapaz nunca conseguiu consertar, internamente também esse problema em algum canto.
Não demorou muito tempo em sua casa, tomou um banho rápido demais, vestiu as primeiras roupas limpas que conseguiu encontrar e depois de tomar um rápido café da manhã, com o café preto quase queimando sua garganta e língua, ele deixou o lugar para pegar o ônibus até o instituto.
— Você já voltou? — perguntou Tatiana ao ver o amigo chegar à cozinha do lugar.
— Sim, eu estava com pressa. Fiquei preocupado com o Gigio. — respondeu Belém.
A outra cruzou seus braços sem crer.
— Você achou que o garoto iria ter uma piora assim de uma hora para a outra só porque você tava longe?
O cuidador respondeu positivamente.
— Ah, por favor, cara… — continuou Tatiana. — Você se preocupa demais com essas crianças, nem parece normal… Parece que você pariu elas, cara, vai viver um pouco.
Belém ficou em silêncio, baixou sua cabeça e em seguida sussurrou:
— Mas ele tá bem?
— Claro que sim! — respondeu a amiga quase perdendo sua paciência. — Ás vezes parece que você é o pai dele.
Com sua bochecha cheia e brincando com seus dedos, Belém disse em um tom manhoso:
— Ás vezes eu me sinto assim…
— Às vezes? Eu diria que de vez em sempre.
— O que eu posso fazer? — perguntou o rapaz sentado à mesa dos funcionários. — O Gigio é um garoto tão especial, frágil e com o coração tão cheio de esperança… Bem, talvez porque antes de ele chegar aqui, viveu com umas freiras no continente. E a Maria? Perdeu os pais biológicos e depois os adotivos, mas ainda assim ela consegue ter esperança… E a Nádia? Que menina inteligente, nem parece ter a idade que tem. Os três são muito especiais. — o olhar dele se encheu de amor.
Tatiana suspirou enquanto sentava ao lado do amigo, sorriu para ele.
— Sim, essas três crianças se destacam muito aqui. Deve ser por isso que você gosta tanto deles, até porque você também é muito especial, mas… Já pensou o que vai acontecer se adotarem os três?
— Sim, eu já pensei nisso. — respondeu Belém. — Eu vou ter o sentimento egoísta de ficar com ciúmes? Claro que vou! Mas sei que se isso acontecer um dia… Vai ser para o bem deles. Sabe o lugar que eu moro, o dinheiro que eu tenho, nunca que vou poder adotar um, imagina os três. Eles merecem ter uma família que além de amá-los, também consiga dar conforto.
Tatiana não disse mais nada, apenas sorriu em solidariedade.
— Descansou? — perguntou Regina entrando na cozinha.
— Sim. — respondeu Belém.
— Então, vamos comigo? O Senhor Ayala está esperando no meu escritório. — completou a diretora. Rapidamente o funcionário levantou de sua cadeira.
— Quem sabe, com essa doação, a situação do instituto melhore não é, Dona Regina? — perguntou Tatiana tentando mascarar sua verdadeira intenção com aquele comentário com um véu de piada.
Belém não entendeu.
Regina respondeu ao comentário de Tatiana com uma risada curta que acabou quando seu olhar encontrou Belém que compreendeu que era o momento de deixar aquele cenário.
O homem estava de costas para a porta do escritório quando Belém e Regina chegaram, os dois trocaram de olhares e em seguida a mais velha se preparou, chamou a atenção do homem:
— Senhor Ayala?
Quando o empresário escutou seu nome, se virou e de repente aquele momento se transformou, na cabeça de Belém, em uma cena de novela coreana.
O tempo ficou em câmera lenta, mas assim que o olhar do jovem rapaz que cuida daquelas crianças encontrou os olhos claros do mais velho, seu coração deu um pulo, um pulo que nunca havia dado antes. Belém podia ouvir uma música tocar em sua mente que também foi preenchida por uma inquietação e uma curiosidade em relação aquele homem parado à sua frente.
— Esse é o senhor Teodoro Ayala Montes. — disse Regina olhando para Belém e em seguida ela trocou para o mais velho, ainda sorrindo. — E esse é Maurício Belém Correia, o melhor funcionário que eu tenho aqui no instituto. — soltou uma risada no final.
— Bom dia, senhor. — disse Belém com sua voz quase sumindo.
— Bom dia, Maurício. — respondeu o outro.
— Belém… — soltou o mais novo, sua voz ainda quase sumindo. — Pode me chamar de Belém… Se quiser.
Silêncio.
Regina percebeu o clima estranho que ficou no ar, soltou uma risada para dissipar antes de falar.
— Ele quem vai mostrar para o senhor todo nosso lugar.
O olhar dos dois homens voltaram a se encontrar, a curiosidade e inquietude na mente de Belém passaram para seu coração. A diretora teve que, praticamente, expulsar os dois do seu escritório para que a tour pelas dependências do instituto acontecesse.
Como o instituto funcionava em uma ilha onde a maior parte do tempo fazia muito calor, mas também se tratava de uma região bem úmida, todo o lugar foi construído com áreas bem abertas para que o ar circulasse. Algumas regiões mais novas foram erguidas com tijolos, como os novos dormitórios das crianças e também a cozinha e a dispensa de alimentos e remédios, mas os banheiros ainda eram os mesmos construídos de madeira e bambu. A planta baseada na arquitetura grega tinha um pátio central para onde todos os corredores davam, além de haver uma horta e pomar improvisados do outro lado.
Belém mostrou para Teodoro, primeiramente, esse pátio e foi entrando até a cozinha e o refeitório, logo se direcionou aos dormitórios. Terminou mostrando o dormitório dos meninos, mas o mais velho pareceu ter hesitação em entrar naquela região. O mais novo estranhou, então, perguntou:
— Aconteceu alguma coisa, senhor?
— Esse é o quarto em que o menino doente está, não? — questionou Teodoro.
— Ah sim, o Giovanni… A gente chama ele de Gigio. — respondeu Belém sorrindo. — Mas ele já está bem melhor.
— Giovanni. — sussurrou o empresário, pareceu pensativo por alguns instantes. Belém estranhou, mas não se importou o suficiente para querer saber o motivo. — Como essas crianças chegam aqui, Maurício, não?
Belém forçou seu sorriso, concordou com sua cabeça antes de responder.
— Bem, depende. O Gigio, por exemplo, foi encontrado por freiras no continente que o criaram e depois tiveram que transferi-lo para cá. Algumas crianças foram abandonadas ou simplesmente nunca ficamos sabendo sobre suas histórias.
A conversa foi interrompida por Nádia e Maria que chegaram de repente, com a segunda carregando um buquê de flores.
— O que vocês estão fazendo aqui? — questionou o cuidador.
— O Doutor Jean pediu pra gente te entregar isso. — respondeu Nádia apontando para as flores.
O rosto de Belém ficou igual um pimentão vermelho de tanta vergonha, olhou para o homem à sua frente e não conseguiu pensar em uma explicação.
— Quem é Doutor Jean? — Teodoro perguntou, curioso.
— É um dos médicos que cuida da gente. — respondeu a mais inteligente. — E ele gosta muito do Belém.
Maria entregou as flores para o rapaz que ainda estava constrangido. O empresário ficou olhando para a garotinha, com curiosidade.
— O senhor tem filhos? — a menina perguntou o mais velho.
— Maria… — sussurrou Belém.
— Eu tinha. — respondeu Teodoro de uma forma quase seca. — Por quê?
Maria negou com sua cabeça, em seguida respondeu:
— Não, eu só achei o senhor igual ao meu…
— Maria, vamos entrar e ver o Gigio? — perguntou Nádia interrompendo a amiga que prontamente concordou.
Quando as duas entraram no dormitório, Teodoro se aproximou de Belém e perguntou:
— Qual a história delas?
— Bom… A Maria veio para cá depois que seus pais adotivos morreram.
— E os biológicos? — perguntou o mais velho mais interessado.
— Os biológicos? — Belém refez a pergunta para si mesmo, encolheu seus ombros. — A gente não sabe, quer dizer, devem estar mortos porque… Nunca soubemos de nada em relação a eles.
— E a outra?
— Ah, a Nádia, bem, a gente também não sabe nada sobre seus parentes. Nem seus pais… Ela é um caso complicado porque foi resgatada de uma operação contra tráfico humano.
O empresário ficou em silêncio, engoliu a seco depois de ficar sabendo daquilo.
— O senhor tá bem?
— Sim… Eu estou. Não precisa me mostrar mais nada daqui, diga a diretora que eu me decidi e vou fazer a doação, mas não só uma. Eu quero me comprometer com essa instituição e sempre que eu puder, vou vir aqui visitar as crianças… Para saber como posso ajudar ainda mais.
Belém o abraçou e foi tão de repente que nenhum dos dois notou até o momento em que aquele ato durou tempo demais, sem graça, mais uma vez, o mais novo se afastou e o mais velho ajeitou seu terno com as maçãs de seu rosto em tom rosado.
— Desculpa. — disse o funcionário sem graça. — Eu me empolguei porque sua ajuda vai fazer muito bem para esse lugar e também para essas crianças.
O empresário apenas sorriu e concordou.
— Então, fiquem atentos. — continuou Teodoro. — Porque logo eu vou enviar uma quantia em dinheiro para vocês, estarei ausente por alguns dias porque vou estar no meu escritório no continente tratando de alguns assuntos. Voltarei em breve para ver como as coisas andam.
— Obrigado, mais uma vez senhor Ayala. — disse Belém, agora contendo sua felicidade.
— Pode me chamar de Teodoro. — disse o homem e em seguida saiu andando para longe, mas o mais novo teve que seguí-lo para o acompanhar até a saída do instituto.
Fazia tempo desde a última vez em que Belém saiu em um encontro com alguém. Na ilha havia poucas opções relevantes em aplicativos para essa finalidade.Depois de vestir uma camisa cor-de-rosa de abotoar, deixando os dois primeiros botões abertos para mostrar um pouco do seu peitoral, uma calça jeans que ficava cada vez mais folgada conforme se aproximava dos seus calcanhares e por fim seu par de coturnos, o rapaz percebeu ao olhar seu reflexo no espelho que sentia falta daquilo. De se arrumar para si mesmo e também para impressionar outra pessoa, então, para concluir finalmente abriu o perfume que havia comprado há quase um ano. Para sua sorte a data de validade ainda estava longe. Quem sabe depois desse encontro não poderia nascer uma relação diferente apenas do sentimento de amizade que Belém tinha pelo médico, pela primeira vez, ele sentiu que essa porta poderia se abrir.Jean deixou seu carro vestindo uma camisa em um tom predominantemente bege com algumas listras vermelhas que es
Por muitos anos a casa grande que um dia pertenceu ao coronel que já mandou em toda aquela ilha ficou sem receber ninguém e isso porque quando a era de mandos e desmandos da poderosa família chegou ao fim com a nova república, eles decidiram se mudar para o continente e deixaram aquele lugar apenas com os empregados para que cuidassem da propriedade. Várias gerações viveram ali, recebendo um bom dinheiro para cuidar das terras, então, não é surpresa que a geração atual foi pega de surpresa quando foram noticiados de que um novo dono estava prestes a chegar ao local. Como suas famílias já viviam naquelas terras por anos, nunca pensaram que os verdadeiros donos poderiam retornar e que muito menos um novo proprietário poderia surgir. — Eu fiquei sabendo, Cleusa, que o homem se chama Teodoro Ayala Montes. — disse a matriarca da família descendente dos funcionários originais. — Um empresário lá do continente. Pedi para a Amandinha pesquisar na internet e achar uma foto do homem… — E aí,
Tudo estava muito calmo. Calmo demais. A febre de Giovanni baixou muito naquela manhã de quarta-feira e por causa disso todos, principalmente Belém, pensaram que aquele era um bom sinal de que o resto da semana seria recheada de dias mais tranquilos. Aconteceu de repente quando Belém e Tatiana estavam observando as crianças brincarem no pátio central do instituto, os demais cuidadores também estavam ali ajudando os dois principais funcionários. Gigio brincava sem parar com Nádia, Maria e as demais crianças do lugar, a alegria do menino fazia com que Belém e Tatiana comentassem entre si sobre essa felicidade toda. Um estouro. Todos olharam para dentro do prédio. — O que foi isso? — perguntou Belém em voz alta e quando entrou, percebeu a água escorrendo pelo piso. Seguiu esse caminho e chegou até um dos banheiros, abriu a porta. A pia estava vazando. — Ah, que merda… — O que? — a voz de Tatiana se aproximou rapidamente e soltou sua respiração quando encontrou aquela situação, fico
A empregada deixou a bandeja com o café em cima da mesa do escritório, Teodoro agradeceu e em seguida pediu para que ela se retirasse do local. Por mais curiosa que estivesse para acompanhar o desenrolar daquela história, não havia muito o que a mulher pudesse fazer, obedeceu o seu patrão e em seguida deixou o cômodo.— Podem se servir. — disse o mais velho apontando para as xícaras vazias.— Obrigado. — agradeceu Jean.— Não, obrigado. — respondeu Belém seco.O médico e o empresário trocam olhares, então, Teodoro se ajeitou em seu assento, suas mãos sobre a mesa, começou a falar olhando para o funcionário do instituto:— O senhor disse que eu não entreguei o dinheiro que prometi.— Sim. — respondeu o mais novo da mesma forma seca. — Promessas vazias, como a de um político.— Mas eu já transferi a primeira doação para o instituto. — respondeu Teodoro mantendo a sua fachada de seriedade. — E tenho como provar que eu fiz isso. Tenho extratos, o aplicativo do banco…— Então, cadê esse di
Um véu mágico estava sob a lua naquela noite, tinha algo muito atraente que puxava a atenção de Teodoro. Parecia que sua falecida esposa estava o observando de lá. — Aqui está seu café, senhor… — Adélia deixou a bandeja com o bule e a xícara em cima da mesa. O empresário se virou, depois de ouvir a voz, não esboçou nenhuma reação e apenas agradeceu com um movimento de cabeça. Bebeu seu café ainda olhando para a esfera de prata no céu. Pela primeira vez o homem percebeu a calmaria daquela ilha, não estava escutando os barulhos chatos e incômodos da metrópole que vivia. Apenas escutava o barulho da natureza, os grilos cantando, miados, alguns latidos, o som do vento passando pelas árvores e levemente conseguia escutar também as ondas do mar se debatendo. De repente a voz de Maurício falando seu nome, “Teodoro Ayala Montes”, surgiu como se alguém dentro de sua mente tivesse dado o play e ligado a função repetir no áudio dele falando o nome. Odiava como aquele rapaz dizia seu nome comp
Foi uma surpresa para Belém quando atravessou o portão do seu prédio e viu o carro de Jean estacionado ali em frente, mas uma surpresa boa.Belém queria poder negar que gostou daquilo, mas não conseguia porque o sorriso em seu rosto o denunciava sem dó. Era a primeira vez que tinha alguém que fazia aquele tipo de surpresa, o pegar em frente a sua casa para levá-lo até o trabalho. Primeira vez que sentia que alguém estava pensando nele.Durante o caminho, os dois conversaram sobre os últimos acontecimentos e acabaram caindo em uma sinuca sem bico entre suas opiniões. Belém desconfiava muito da caridade de Teodoro, chegava ao ponto de não esconder mais e Jean estava no lado contrário, ele não achava estranho o interesse do empresário em querer ajudar o instituto e aquelas crianças.— Não é você que diz que aqueles três são especiais? — perguntou o médico enquanto dirigia.— Sim, mas… Ainda é estranho. Se não fosse só com eles, mas com todas aquelas crianças, mas só com eles… — comentou
Lá estava, bem à frente do seu campo de visão, a casa grande que se converteu na mansão de Teodoro. Não fazia muito tempo desde o dia em que esteve ali para reclamar o dinheiro que foi prometido, sua mão tinha memória do tapa que depositou no rosto do famoso empresário, memória tão boa que seus dedos formigavam pedindo por mais. Para o seu azar, uma gota caiu no topo de sua cabeça, depois duas e depois três, mais quatro e de um segundo para outro, uma forte chuva caiu. Não podia mais esperar, correu em direção a porta da frente e bateu em desespero.— Meu Deus… — disse Cleusa, a irmã da empregada mais velha, ao abrir a porta. — Menino, você tá todo molhado, entra vem…Assim que Belém passou para dentro do casarão, Teodoro surgiu do corredor que leva até seu escritório, perguntando quem estava batendo na porta, porém quando encontrou o cuidador das crianças molhado das cabeças aos pés ficou em silêncio.— O que deu em você para vir até aqui, nessa chuva?— A chuva começou depois que eu
Quando deixou o quarto de hóspedes, pronto para voltar para sua casa, Belém ficou surpreso ao esbarrar em Teodoro que também acabara de deixar sua suíte, vestindo seu melhor terno — como sempre estava — e pronto para o café da manhã. Os dois ficaram se observando em silêncio, ambos não esperavam se encontrar assim por mais que um se lembrasse da presença do outro ali.— Bo-bom dia. — disse Belém evitando olhar para o rosto do dono da casa grande.Teodoro ajeitou sua gravata antes de falar.— Bom dia… Dormiu bem? Você ficou bem mexido ontem com as coisas que eu disse.— Ah, sim… Eu dormi bem… Tô com um pouco de dor de cabeça, mas eu vou ficar bem. Quando chegar em casa, vou tomar um café antes de ir para o instituto e vou ficar bem. — sorriu ao terminar de falar.— Não precisa, faça seu desjejum aqui. Qual o problema? Hmmm? Já passou a noite.Belém encarou o homem mais velho, tentou pensar em alguma coisa, alguma desculpa, entretanto, não encontrou um motivo que o outro não conseguiria