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Capítulo 03 - O Empresário

Chegou um momento da madrugada que, conforme a doença era combatida pelo antibiótico, Gigio começou a suar muito. Belém se assustou com aquilo, mas logo percebeu que estava sendo parte do processo, apesar da cama, das roupas e do travesseiro da criança ter ficado empapada com o suor. Quando finalmente a febre baixou de vez e a temperatura do corpo se estabeleceu no ideal, o coração do mais velho também conseguiu se manter calmo e parou de bater de preocupação como as asas de um beija-flor. Gigio ficaria melhor logo pela manhã, os olhos de Maurício se encheram de lágrimas de felicidades e assim que os primeiros raios de sol tocaram a ilha em que o instituto se localiza, o jovenzinho abriu seus olhos pequenos.

Gigio viu logo a sua frente Belém com sua cabeça deitada em seus braços sobre a cama, tentou abrir sua boca, mas sentiu seus lábios grudados um no outro e sua garganta seca além do gosto amargo em sua língua. Quando conseguiu abrir a boca, o menino disse:

— Tio…

A voz fraquinha da criança fez com que Belém acordasse depressa. Quando seus olhos encontraram o menino desperto, as lágrimas retornaram a sua face.

— Gigio! Você acordou! — disse o homem quase aumentando seu tom de voz exageradamente, se aproximou do rapazinho e o abraçou. Sentiu sua roupa grudar levemente na pele dele, além do cheiro forte de suor. — Um pouco grudento, claro, mas acordou! E parece muito melhor, não sabe como eu tô feliz…

— Eu tô com fome, tio. E com sede também. — disse a criança com pressa.

Belém riu e em seguida concordou com sua cabeça, continuou a falar:

— Tudo bem, eu vou pedir para te trazerem um copo de água e alguma coisa pra comer. Tá bom?

Gigio fez que sim com sua cabeça.

Belém se inclinou e beijou a testa do garoto.

— Eu já volto…

No caminho para a cozinha do instituto, o rapaz cruzou com Tatiana que estava chegando para mais um dia de trabalho e também, mais uma vez, ela foi a garota de recados da diretora ao comunicar Belém que ela queria falar com ele. O rapaz pediu para que sua amiga pegasse um copo de água para o menino que havia acabado de acordar, prontamente Tatiana respondeu que sim e os dois se separaram quando chegaram ao corredor que dividia caminho entre a cozinha e o escritório.

Dona Regina levantou de sua cadeira assim que viu Belém entrar no escritório, o rapaz estranhou e olhou para trás para ter certeza de que a mulher não estava surpresa com outra coisa.

— Você ainda não trocou de roupa? — perguntou a idosa.

— Não… — respondeu o mais novo sem entender. — Por quê?

— Se esqueceu que aquele ricaço vem aqui hoje? E você tá nesse estado, Maurício Belém… — disse a mulher chocada negando com sua cabeça.

— Desculpa, eu me esqueci. Mas ainda dá tempo? Eu posso ir pra minha casa, tomar banho e voltar. — respondeu o rapaz gesticulando. — O Gigio já tá melhor, ele acordou bem… Eu posso ir e voltar rápido.

Antes de responder, a diretora pensou por um breve instante.

— Okay. — respondeu Regina, concordando com sua cabeça. — Vai, vai e volta! Não demora, por favor… Porque com a ajuda desse homem, a gente vai dar um salto, menino!

Belém balançou sua cabeça positivamente, mas ficou parado ali.

Regina estranhou.

— VAI! — gritou a diretora.

De repente o corpo do outro levou um choque e ele se mexeu, deixando o escritório com pressa.

Maurício Belém Correia vivia em uma parte mais simples da ilha, apesar de toda a ilha ter uma arquitetura bem simples e uma parte reservada para pessoas ricas que passavam apenas os dias do final de semana, o local onde a casinha do rapaz ficava conseguia ser ainda mais simples. O clima ali era ao mesmo tempo muito quente e úmido, por isso as paredes externas estavam pretas com o mofo e o rapaz nunca conseguiu consertar, internamente também esse problema em algum canto.

Não demorou muito tempo em sua casa, tomou um banho rápido demais, vestiu as primeiras roupas limpas que conseguiu encontrar e depois de tomar um rápido café da manhã, com o café preto quase queimando sua garganta e língua, ele deixou o lugar para pegar o ônibus até o instituto.

— Você já voltou? — perguntou Tatiana ao ver o amigo chegar à cozinha do lugar.

— Sim, eu estava com pressa. Fiquei preocupado com o Gigio. — respondeu Belém.

A outra cruzou seus braços sem crer.

— Você achou que o garoto iria ter uma piora assim de uma hora para a outra só porque você tava longe?

O cuidador respondeu positivamente.

— Ah, por favor, cara… — continuou Tatiana. — Você se preocupa demais com essas crianças, nem parece normal… Parece que você pariu elas, cara, vai viver um pouco.

Belém ficou em silêncio, baixou sua cabeça e em seguida sussurrou:

— Mas ele tá bem?

— Claro que sim! — respondeu a amiga quase perdendo sua paciência. — Ás vezes parece que você é o pai dele.

Com sua bochecha cheia e brincando com seus dedos, Belém disse em um tom manhoso:

— Ás vezes eu me sinto assim…

— Às vezes? Eu diria que de vez em sempre.

— O que eu posso fazer? — perguntou o rapaz sentado à mesa dos funcionários. — O Gigio é um garoto tão especial, frágil e com o coração tão cheio de esperança… Bem, talvez porque antes de ele chegar aqui, viveu com umas freiras no continente. E a Maria? Perdeu os pais biológicos e depois os adotivos, mas ainda assim ela consegue ter esperança… E a Nádia? Que menina inteligente, nem parece ter a idade que tem. Os três são muito especiais. — o olhar dele se encheu de amor.

Tatiana suspirou enquanto sentava ao lado do amigo, sorriu para ele.

— Sim, essas três crianças se destacam muito aqui. Deve ser por isso que você gosta tanto deles, até porque você também é muito especial, mas… Já pensou o que vai acontecer se adotarem os três?

— Sim, eu já pensei nisso. — respondeu Belém. — Eu vou ter o sentimento egoísta de ficar com ciúmes? Claro que vou! Mas sei que se isso acontecer um dia… Vai ser para o bem deles. Sabe o lugar que eu moro, o dinheiro que eu tenho, nunca que vou poder adotar um, imagina os três. Eles merecem ter uma família que além de amá-los, também consiga dar conforto.

Tatiana não disse mais nada, apenas sorriu em solidariedade.

— Descansou? — perguntou Regina entrando na cozinha.

— Sim. — respondeu Belém.

— Então, vamos comigo? O Senhor Ayala está esperando no meu escritório. — completou a diretora. Rapidamente o funcionário levantou de sua cadeira.

— Quem sabe, com essa doação, a situação do instituto melhore não é, Dona Regina? — perguntou Tatiana tentando mascarar sua verdadeira intenção com aquele comentário com um véu de piada.

Belém não entendeu.

Regina respondeu ao comentário de Tatiana com uma risada curta que acabou quando seu olhar encontrou Belém que compreendeu que era o momento de deixar aquele cenário.

O homem estava de costas para a porta do escritório quando Belém e Regina chegaram, os dois trocaram de olhares e em seguida a mais velha se preparou, chamou a atenção do homem:

— Senhor Ayala?

Quando o empresário escutou seu nome, se virou e de repente aquele momento se transformou, na cabeça de Belém, em uma cena de novela coreana.

O tempo ficou em câmera lenta, mas assim que o olhar do jovem rapaz que cuida daquelas crianças encontrou os olhos claros do mais velho, seu coração deu um pulo, um pulo que nunca havia dado antes. Belém podia ouvir uma música tocar em sua mente que também foi preenchida por uma inquietação e uma curiosidade em relação aquele homem parado à sua frente.

— Esse é o senhor Teodoro Ayala Montes. — disse Regina olhando para Belém e em seguida ela trocou para o mais velho, ainda sorrindo. — E esse é Maurício Belém Correia, o melhor funcionário que eu tenho aqui no instituto. — soltou uma risada no final.

— Bom dia, senhor. — disse Belém com sua voz quase sumindo.

— Bom dia, Maurício. — respondeu o outro.

— Belém… — soltou o mais novo, sua voz ainda quase sumindo. — Pode me chamar de Belém… Se quiser.

Silêncio.

Regina percebeu o clima estranho que ficou no ar, soltou uma risada para dissipar antes de falar.

— Ele quem vai mostrar para o senhor todo nosso lugar.

O olhar dos dois homens voltaram a se encontrar, a curiosidade e inquietude na mente de Belém passaram para seu coração. A diretora teve que, praticamente, expulsar os dois do seu escritório para que a tour pelas dependências do instituto acontecesse.

Como o instituto funcionava em uma ilha onde a maior parte do tempo fazia muito calor, mas também se tratava de uma região bem úmida, todo o lugar foi construído com áreas bem abertas para que o ar circulasse. Algumas regiões mais novas foram erguidas com tijolos, como os novos dormitórios das crianças e também a cozinha e a dispensa de alimentos e remédios, mas os banheiros ainda eram os mesmos construídos de madeira e bambu. A planta baseada na arquitetura grega tinha um pátio central para onde todos os corredores davam, além de haver uma horta e pomar improvisados do outro lado.

Belém mostrou para Teodoro, primeiramente, esse pátio e foi entrando até a cozinha e o refeitório, logo se direcionou aos dormitórios. Terminou mostrando o dormitório dos meninos, mas o mais velho pareceu ter hesitação em entrar naquela região. O mais novo estranhou, então, perguntou:

— Aconteceu alguma coisa, senhor?

— Esse é o quarto em que o menino doente está, não? — questionou Teodoro.

— Ah sim, o Giovanni… A gente chama ele de Gigio. — respondeu Belém sorrindo. — Mas ele já está bem melhor.

— Giovanni. — sussurrou o empresário, pareceu pensativo por alguns instantes. Belém estranhou, mas não se importou o suficiente para querer saber o motivo. — Como essas crianças chegam aqui, Maurício, não?

Belém forçou seu sorriso, concordou com sua cabeça antes de responder.

— Bem, depende. O Gigio, por exemplo, foi encontrado por freiras no continente que o criaram e depois tiveram que transferi-lo para cá. Algumas crianças foram abandonadas ou simplesmente nunca ficamos sabendo sobre suas histórias.

A conversa foi interrompida por Nádia e Maria que chegaram de repente, com a segunda carregando um buquê de flores.

— O que vocês estão fazendo aqui? — questionou o cuidador.

— O Doutor Jean pediu pra gente te entregar isso. — respondeu Nádia apontando para as flores.

O rosto de Belém ficou igual um pimentão vermelho de tanta vergonha, olhou para o homem à sua frente e não conseguiu pensar em uma explicação.

— Quem é Doutor Jean? — Teodoro perguntou, curioso.

— É um dos médicos que cuida da gente. — respondeu a mais inteligente. — E ele gosta muito do Belém.

Maria entregou as flores para o rapaz que ainda estava constrangido. O empresário ficou olhando para a garotinha, com curiosidade.

— O senhor tem filhos? — a menina perguntou o mais velho.

— Maria… — sussurrou Belém.

— Eu tinha. — respondeu Teodoro de uma forma quase seca. — Por quê?

Maria negou com sua cabeça, em seguida respondeu:

— Não, eu só achei o senhor igual ao meu…

— Maria, vamos entrar e ver o Gigio? — perguntou Nádia interrompendo a amiga que prontamente concordou.

Quando as duas entraram no dormitório, Teodoro se aproximou de Belém e perguntou:

— Qual a história delas?

— Bom… A Maria veio para cá depois que seus pais adotivos morreram.

— E os biológicos? — perguntou o mais velho mais interessado.

— Os biológicos? — Belém refez a pergunta para si mesmo, encolheu seus ombros. — A gente não sabe, quer dizer, devem estar mortos porque… Nunca soubemos de nada em relação a eles.

— E a outra?

— Ah, a Nádia, bem, a gente também não sabe nada sobre seus parentes. Nem seus pais… Ela é um caso complicado porque foi resgatada de uma operação contra tráfico humano.

O empresário ficou em silêncio, engoliu a seco depois de ficar sabendo daquilo.

— O senhor tá bem?

— Sim… Eu estou. Não precisa me mostrar mais nada daqui, diga a diretora que eu me decidi e vou fazer a doação, mas não só uma. Eu quero me comprometer com essa instituição e sempre que eu puder, vou vir aqui visitar as crianças… Para saber como posso ajudar ainda mais.

Belém o abraçou e foi tão de repente que nenhum dos dois notou até o momento em que aquele ato durou tempo demais, sem graça, mais uma vez, o mais novo se afastou e o mais velho ajeitou seu terno com as maçãs de seu rosto em tom rosado.

— Desculpa. — disse o funcionário sem graça. — Eu me empolguei porque sua ajuda vai fazer muito bem para esse lugar e também para essas crianças.

O empresário apenas sorriu e concordou.

— Então, fiquem atentos. — continuou Teodoro. — Porque logo eu vou enviar uma quantia em dinheiro para vocês, estarei ausente por alguns dias porque vou estar no meu escritório no continente tratando de alguns assuntos. Voltarei em breve para ver como as coisas andam.

— Obrigado, mais uma vez senhor Ayala. — disse Belém, agora contendo sua felicidade.

— Pode me chamar de Teodoro. — disse o homem e em seguida saiu andando para longe, mas o mais novo teve que seguí-lo para o acompanhar até a saída do instituto.

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