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Porto Seguro
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Por: João Paulo Ritter
Capítulo 01 - A Febre

A febre do pequeno Gigio não diminuía apesar de todos os esforços que os funcionários fizeram para que fosse possível. Tiveram que chamar um dos médicos que atende de forma voluntária no “Instituto Porto Seguro para Crianças e Adolescentes” para examinar o pequeno já que o caso havia saído do alcance de suas mãos.

Enquanto o jovem médico de boa aparência, lembrando um galã de novela das nove horas, terminava de realizar os exames na criança adoentada, um dos funcionários do lugar se encontrava em agonia parado em frente a porta do dormitório. Assim como a impaciência em sua face, sua mão pousada em seu peitoral e seu pé sem parar de tremer por um único segundo denunciavam a sua preocupação quase maternal.

O médico se afastou da cama, colocou o estetoscópio novamente pousado em seus ombros, percebendo essa movimentação o funcionário do instituto se aproximou em poucos passos sem deixar de encarar o outro.

— Então? O que o Gigio tem, Doutor Jean? — perguntou o rapaz tentando mascarar sua voz tremida.

— Belém… Sabe que se quiser pode me chamar apenas de Jean. Não tem necessidade de ser tão formal… — pediu o doutor sorrindo de canto, bem malandro, para o outro.

O funcionário não disse nada, apenas apertou seus lábios em desaprovação e disse:

— Por favor, DOUTOR, esse não é o momento para nenhum dos seus flertes. Estou preocupado com o Giovanni…

Jean concordou com sua cabeça e em seguida ergueu suas mãos como forma de declarar paz, seu flerte teria que esperar porque sabia que do amor materno que Belém nutre pelas crianças daquele lugar.

— Ele tem início de uma pneumonia. — começou o médico entrando em seu modo sério. — Ainda é uma bronquite, grave, mas ainda é. Dá para fazer o tratamento muito bem aqui no instituto e tudo que vocês precisam fazer é dar a ele o antibiótico que vou receitar. — explicou em um tom calmo para não deixar o rapaz ainda mais tenso do que já estava e quando percebeu que aquilo não estava funcionando como queria, pousou sua mão sobre o ombro de Belém e dessa vez sorriu amigável. — O Gigio vai ficar bem, Belém.

— Espero mesmo, eu quero que ele fique bem logo. — disse Belém deixando o dormitório, então, olhou para o rosto do médico. — E que antibiótico é esse? Tenho que ver se temos aqui, mas se não tivermos… Vou ter que comprar com meu próprio dinheiro.

— Belém… — disse Jean olhando com preocupação, seus olhos baixos e sua boca apertada. Depois de pensar rapidamente, prosseguiu: — Você já ganha tão pouco trabalhando apenas aqui, se precisar comprar esse medicamento deixa que eu mesmo compro.

Belém sorriu genuinamente para o médico a sua frente, sabia da paixonite que o outro sentia, mas também sabia que Jean era uma boa pessoa e que apesar de suas investidas que aconteciam sempre quando eles se encontravam, o médico compraria mesmo o remédio se fosse necessário.

— Obrigado. — o funcionário do instituto sorriu. — Algumas dessas crianças se tornaram como meus filhos, sabe? Principalmente o Gigio, a Maria e a Nádia. São crianças tão especiais e com histórias tão tristes, apesar de sofrerem tanto com tão pouca idade eles ainda sorriem… — Jean passou o seu dedo indicador em cima da lágrima que escapou do olho esquerdo de Belém. — Essas três crianças se tornaram minha vida… — continuou tentando não iniciar um choro. — Eu não sei se me perdoaria se algo acontecer a eles e eu não ter feito tudo o que podia.

— Vamos combinar assim, então, se esse antibiótico não tiver aqui no instituto nós vamos sair e comprar, certo? E sou eu quem vai pagar. — Jean falou passando sua mão no ombro de Belém em uma tentativa de acalmá-lo novamente, seu olhar pousado sobre o semblante do rapaz mais baixo e um sorriso genuíno em seus lábios.

Belém concordou com sua cabeça, devolvendo o sorriso. Disse:

— Tudo bem, Doutor Jean. Obrigado.

Depois de procurarem na dispensa de medicamentos do instituto, Belém e Jean perceberam que não encontrariam ali o antibiótico para o tratamento de Gigio. Não havia quase nenhum remédio guardado ali, o que deixou o funcionário do lugar mais preocupado caso houvesse alguma outra emergência futuramente. Antes de sair acompanhado de Jean, Belém pediu para sua colega e também melhor amiga, Tatiana, ficar cuidando de Gigio durante o tempo em que ele estaria fora acompanhando o médico na compra do antibiótico.

Os dois iam até a farmácia de carro, pois a mais próxima do lugar ficava do outro lado da ilha.

Esse automóvel de última geração era o orgulho mais recente do médico e enquanto ele dirigia até o outro lado da ilha, não resistia a lançar olhares sugestivos para Belém. Olhares que já estavam deixando o cuidador de crianças com a paciência torrada.

— Por que tá me olhando com essa cara de idiota? — perguntou Belém quando finalmente ficou de saco cheio.

— Eu? Não estou fazendo isso. — respondeu Jean focando na estrada e tentando segurar sua risada de malandro que havia sido pego no pulo.

— Sim, você tá fazendo isso e, sinceramente, tô ficando muito irritado.

— Desculpa… — disse o doutor. — É que eu queria saber se você gostou do meu carro novo. Gostou?

Belém parou e analisou aquele veículo com mais cuidado, julgando como julgaria um prato de comida ou, então, um bom livro. Não de ombros desistindo, afinal não entendia muito bem de carros.

— Uhum, gostei. Por quê?

— Porque… — começou Jean inclinando sua cabeça para o lado em que Belém se encontrava sem desviar sua atenção da estrada. — Se você fosse meu namorado, poderia andar nele sempre que me pedisse.

Belém fechou seus olhos e segurou sua reação dentro de sua boca, apertando seus lábios e invés de dizer alguma coisa apenas deu um tapa na cabeça do médico fazendo com que o mesmo retornasse na posição que estava anteriormente.

— E por qual motivo você fez isso? — perguntou Jean alisando o local onde levou o tapa.

— Você ainda pergunta? — questionou Belém tentando não soltar a sua risada para que o homem no volante não pensasse que ele estava compactuando com aquilo. — Ainda você pergunta, doutor? Uma criança está doente e você dá em cima de mim como se fosse um dia normal.

— Existe um momento certo para um flertar contigo?

— Sim. — respondeu Belém sem pensar direito no que havia dito.

Graças a abertura que havia achado, o doutor continuou a dirigir em silêncio por alguns segundos até achar o momento certo para voltar a falar.

— Então, eu posso dar em cima de você em outro momento. — comentou Jean faceiro pensando nas outras oportunidades que teria para flertar com o mais baixo quantas vezes quisesse.

— Cara, cala a boca e dirige. — disse o funcionário do instituto segurando seu punho fechado para não socar o ombro do médico.

Jean administrou a primeira dose da medicação na criança quando ele e Belém retornaram ao instituto após comprarem o antibiótico. Explicou para Belém e Tatiana como eles deveriam dar as próximas doses e também os horários certos delas, mas perceberam que para que tudo ocorresse bem alguém teria que passar a noite ali e prontamente Belém se candidatou para ficar ali quantas noites fossem necessárias.

— Muito obrigado por ter vindo socorrer o Gigio tão depressa e também por comprar o remédio… — dizia Belém ao doutor até o momento em que percebeu que o mesmo não parava de sorrir enquanto ele falava. Olhou para o lado e em seguida novamente para o rosto de Jean, cruzou seus braços e perguntou: — Por que tá sorrindo tanto?

— Saí em um encontro comigo. — pediu Jean.

O mais baixo suspirou no mesmo instante em que coçava sua nuca.

— Por que você não desiste?

— E por que você não sai em um encontro comigo? Se você não gostar… Se você não sentir nada, nunca mais te incomodo com isso. — pediu o doutor quase ficando de joelhos.

Após um longo suspiro cansado e também de ficar observando as expressões de Jean com seu punho em cima do seu queixo.

— Tudo bem, esse final de semana… — Belém levantou seu dedo. — Se até lá o Gigio ficar bem.

O médico não podia acreditar no que havia acabado de escutar, queria abraçar o homem à sua frente com todo seu amor. De tão alegre sentia que a qualquer momento fogos de artifício fossem explodir logo atrás dele. Desde o dia em que conheceu Belém trabalhando no instituto sonhava com o dia em que o cuidador das crianças aceitaria sair em um encontro com ele. Jean pensou em abraçá-lo, mas recuou, não faria, se controlou porque julgou ser muito cedo. Guardaria o abraço e o beijo para o final de semana. Segurou toda a emoção explosiva que estava sentindo naquele momento e agradeceu o outro de forma bem amigável, com leves t***s em seus ombros que fizeram Belém rir.

— Muito obrigado, Belém… — disse o médico quase eufórico. — Aliás, antes de eu ir, qual seu nome completo mesmo? Nunca perguntei.

— Maurício Belém Correia, mas como sabe… Todo mundo me chama de Belém. — respondeu o jovem.

— Jean Carlo Cadore. — respondeu o médico, ainda eufórico. — Meu nome…

— Eu sei… Quando você vem com seu jaleco, tem ele bordado. — respondeu Belém tentando não rir.

— Ah, claro…

Em seguida o doutor agradeceu mais uma vez de forma amigável. Acenou, caminhou até seu carro e antes de entrar, acenou mais uma vez para o rapaz por quem estava apaixonado e em seguida foi embora do instituto. No corredor externo do lugar cruzou com duas crianças, Maria e Nádia, que correram ao seu encontro.

Belém se ajoelhou para ficar na altura das pequenas.

— O Gigio vai ficar bem? — perguntou Maria.

— Ele vai ficar sim, vocês não precisam se preocupar, meninas. — respondeu Belém sorrindo para as duas pequenas.

— Ele vai precisar de remédio? — Nádia perguntou.

— Sim. Ele vai precisar tomar remédio. — respondeu o mais velho. — O Doutor Jean mesmo comprou o medicamento.

— É antibiótico, não é? Você sabe que ele tem que tomar esse tipo de remédio na hora certa, se não, não vai adiantar de nada. — disse Nádia falando rápido.

Belém ficou impressionado com o questionamento da garota, às vezes se esquecia da inteligência de Nádia e de como ela chegava a falar quase como uma adulta. Muito esperta para alguém com oito anos.

— Sim, eu sei que ele precisa tomar no horário certinho e por isso vou passar todas as noites que precisar aqui até que o Gigio melhore. — respondeu Belém sorrindo. As meninas abriram largos sorrisos e em seguida abraçaram o mais velho que prontamente correspondeu. — Vocês não precisam se preocupar, certo? Ele vai ficar muito bem.

— Já que você vai passar as noites aqui, vai poder ler histórias para a gente antes de dormir. — comentou Maria.

— Oooh! Claro que eu vou poder ler histórias para vocês antes de dormir. — respondeu o adulto ao ficar em pé novamente. — Mas, agora, vocês precisam ir para a cama de vocês.

As crianças concordaram, deram boa noite e voltaram correndo para o dormitório em que suas camas ficavam.

Assim que a dupla se afastou, Belém cruzou com Tatiana que avisou que a diretora do instituto, Regina, gostaria de conversar com o mesmo em seu escritório e antes de Belém pegar o caminho para o escritório, o rapaz perguntou a amiga como Gigio estava e ela atualizou ele em relação ao quadro do garotinho; Giovanni estava estável com a febre, ela achava que até sexta-feira o menino ficaria em um estado bem melhor do que o atual.

O escritório da diretora estava com a porta aberta, quando Belém entrou no lugar notou a bagunça de sempre em cima da mesa, vários papéis desorganizados e a mulher já idosa trabalhando completamente desgarrada de regras e rigidez. Quando a mais velha viu o funcionário parado, pediu para que o mesmo sentasse na cadeira em frente a sua mesa. Sem falar nada, Belém sentou e ficou esperando.

Quando Regina desistiu de organizar sua mesa, ela sorriu para Belém.

— A senhora gostaria de falar comigo? — perguntou o mais novo.

— Sim… — respondeu a mais velha tentando lembrar do assunto. Quando lembrou, soltou uma risada desengonçada. — Bem, amanhã um homem muito importante vem visitar o instituto. Um empresário rico… Muito rico. Bilionário e estrangeiro.

— Por que um homem desses vem visitar o lugar?

Regina deu de ombros e em seguida continuou:

— Segundo ele, caridade. Ele quer conhecer o nosso trabalho para poder saber como nos ajudar. Você sabe que a gente precisa de ajuda. Falta comida para as crianças, remédios… Precisamos comprar material de estudos, brinquedos, roupas…

— Sim, estou a par da situação. — respondeu Belém. — A senhora quer que eu apresente o lugar para ele, é isso?

Regina sorriu, concordou com sua cabeça e logo continuou:

— Isso mesmo. Eu acho que você é a pessoa mais indicada para isso. As crianças te adoram, você adora as crianças. Você também é o funcionário que mais conhece as necessidades do instituto.

— Tudo bem. — respondeu Belém. — Eu vou dar uma de guia para esse senhor. Qual é mesmo o nome dele?

— Teo. Teodoro Ayala Montes. Ele é o presidente de uma dessas empresas familiares, sabe? Que existem no Brasil desde o império, alguma coisa com alimentos, enfim, não sei ao certo. Vamos agradar ele para que ele nos ajude com o que for necessário. — respondeu Regina.

— Pode deixar Dona Regina. Eu vou ser o melhor guia para esse homem, ele vai sair daqui amando o projeto e pronto para ajudar.

A mais velha respirou aliviada, ajeitou seus cabelos acinzentados antes de voltar a falar.

— Que bom que posso contar contigo, meu querido. Muito obrigada.

Belém percebeu que não receberia mais informações da diretora sobre o tal empresário, então, após sair do escritório abriu o g****e em seu celular e como já tinha o nome completo do famoso, apenas jogou na barra de pesquisa. Encontrou uma foto do tal bambam.

Esperava que fosse um homem velho, centenário, mas não era, aparentava ter um pouco menos de quarenta cinco anos. Assim como Jean parecia um galã de novela das nove horas, mas um que apenas ficou mais maduro a cada década que envelheceu, assim como um bom vinho.

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