Lucas sentia o mundo ruir ao seu redor. A notícia havia sido devastadora, arrancando dele qualquer resquício de esperança. Sua noiva, seu futuro, seu amor havia partido de forma brutal e repentina em um acidente de carro. No corredor do hospital, os sons dos monitores e passos apressados soavam distantes, abafados pelo peso do luto que o sufocava. As paredes pareciam se fechar ao redor, como se quisessem esmagá-lo.
Ele não conseguia encarar os pais ou os sogros, que também choravam em silêncio. O vazio em seus olhos espelhava o próprio vazio que sentia. “Com licença”, murmurou, sem realmente esperar uma resposta. Precisava sair dali, encontrar ar para respirar, mesmo que por um instante. No elevador, Lucas apoiou a testa contra a parede metálica, a superfície gelada um breve alívio para o calor sufocante da dor que o consumia. Quando as portas estavam prestes a se fechar, uma mulher entrou apressadamente. Ela evitava contato visual, enxugando discretamente as lágrimas que escorriam pelo rosto. Sua expressão estava marcada pelo cansaço, pela perda. Patrícia havia recebido alta naquele mesmo dia, mas a sensação de alívio não existia. Depois de perder o bebê que carregava, fruto de um relacionamento que estava desmoronando, sentia-se à deriva. Não tinha para onde ir, nem forças para encarar a realidade que a esperava fora do hospital. O silêncio no elevador era pesado, mas nenhum dos dois tinha energia para preenchê-lo. O destino os guiava para o mesmo local: o terraço do hospital, onde o vento frio parecia ser o único refúgio para almas tão quebradas. Lucas chegou primeiro, parando no meio do espaço vazio, o olhar perdido no horizonte cinzento. Respirou fundo, tentando afastar a sensação sufocante que o apertava por dentro. O vento batia em seu rosto, mas não trazia consolo. Patrícia entrou em seguida, hesitante. Seus passos eram leves, como se temesse interromper algo. Ela olhou em volta, percebendo a solidão do local, e caminhou até o parapeito. O olhar dela estava fixo no chão lá embaixo. Por alguns minutos, permaneceu imóvel, como se travasse uma batalha interna. Lucas, mesmo absorto em sua própria dor, notou a postura dela. Não era difícil reconhecer aquele tipo de desespero. Ele viu a forma como as mãos dela agarravam a borda do parapeito e como o corpo parecia inclinar-se ligeiramente para frente. Algo dentro dele, talvez um resquício de humanidade em meio ao sofrimento, o fez agir. — Está frio hoje, não está?— perguntou ele, sua voz baixa, mas firme. Patrícia parou. Sua respiração estava rápida, e as palavras dele pareciam tê-la arrancado de um transe. Lentamente, virou-se para encará-lo. Seus olhos estavam vermelhos, as lágrimas ainda escorrendo, mas havia surpresa em sua expressão. — É…— respondeu ela, quase em um sussurro, sem saber como reagir. Lucas deu um passo para mais perto, mas manteve uma distância respeitosa. — Eu não sei o que você está sentindo agora. Mas sei que dói. Mais do que qualquer coisa. Patrícia piscou, tentando processar as palavras dele. Ela queria responder, mas sua garganta parecia travada. Ele não a conhecia, e ainda assim, havia algo na maneira como falava que soava… verdadeiro. — Você veio até aqui para respirar, não para desistir,— continuou ele, com delicadeza. — Eu sei que parece impossível agora, mas o ar ajuda. Mesmo que seja só por alguns segundos. Ela soltou um riso curto, amargo. — Você acha que o ar vai mudar alguma coisa? — Não vai,— ele admitiu, com um meio sorriso que não alcançou seus olhos. — Mas é um começo. E às vezes, o começo é tudo o que temos. Patrícia passou as mãos pelo rosto, tentando limpar as lágrimas que insistiam em cair. — Perdi meu bebê. Ele era tudo o que eu tinha… e agora, nem isso. Lucas sentiu o coração apertar. Ele não sabia o que dizer. O peso do luto era único para cada pessoa, mas havia algo universal naquela dor. — Eu perdi minha noiva hoje. Um acidente. Eu estava pensando… pensando que nada mais faria sentido. E então, vi você aqui. Ela o olhou, o choque evidente em sua expressão. — Você também… — Sim.— Ele respirou fundo, tentando controlar a emoção em sua voz. — Acho que, de certa forma, o destino colocou nós dois aqui. Talvez para lembrarmos que, mesmo na pior das dores, não estamos sozinhos. Por um momento, o silêncio reinou novamente. Mas desta vez, não parecia tão sufocante. Patrícia olhou para o horizonte, sentindo o vento acariciar seu rosto. Lucas, ao seu lado, fazia o mesmo. — Obrigada, — ela disse, depois de algum tempo. Sua voz era baixa, mas carregava sinceridade. — Por quê? — Por ter me feito parar. Por ter dito alguma coisa. Lucas deu de ombros. — Às vezes, tudo o que precisamos é de alguém que perceba. Mesmo que não possa consertar nada.Patrícia agradeceu com um aceno tímido e murmurou: — Obrigada… de verdade.Lucas apenas assentiu, observando enquanto ela se afastava lentamente, os passos hesitantes carregando o peso de sua dor. Ele ficou parado no terraço, o vento ainda frio batendo contra seu rosto, como se tentasse despertá-lo de um pesadelo que não tinha fim.Quando as portas do elevador se fecharam atrás dela, o silêncio pareceu ainda mais opressor. Lucas ergueu os olhos para o céu nublado, buscando respostas que não vinham. — Por quê? — pensou ele, os lábios se movendo sem som. — Por que ela? Por que agora?A imagem de Milena veio à sua mente. Seu sorriso brilhante, os planos que faziam juntos, as risadas que compartilhavam. Tudo parecia tão próximo e, ao mesmo tempo, inatingível. A perda era como uma ferida aberta, latejante e insuportável.Ele permaneceu ali por algum tempo, tentando encontrar sentido no caos. Mas as respostas não vieram, e Lucas soube que talvez nunca viriam. Respirou fundo, ainda sentindo
Conheci Milena Cruz em um lugar inesperado: uma boate. Admito, não era exatamente o cenário onde eu imaginava encontrar o amor da minha vida. Esses lugares geralmente são sobre curtição, encontros passageiros, algo leve e sem compromisso. Mas Milena… Milena não era qualquer pessoa.Eu estava no bar, um tanto deslocado. Não era muito de dançar nem de socializar como meus amigos. Leandro e Miguel, com toda sua popularidade e confiança, dominavam a pista de dança, atraindo olhares e sorrisos de todas as direções. Eu? Bem, estava no segundo ano de Ciência da Computação, o típico “nerd” do grupo, tentando decidir qual cerveja pedir, enquanto eles se divertiam sem preocupação.— Ei, rapaz,— disse o bartender, interrompendo meus pensamentos enquanto enchia um copo. — Aquela garota ali, de blusa vermelha… Ela não tira os olhos de você.Franzi a testa, surpreso. — Quem? Eu?Ele riu, inclinando-se um pouco mais próximo. — Você mesmo. Por que não vai lá e paga uma bebida pra ela?Olhei na direçã
Senti o primeiro tapa no terceiro mês de namoro. A dor na pele foi imediata, mas a dor na alma veio depois, como uma onda que arrasta tudo. Marcus disse que era porque eu estava flertando com Felipe, um colega advogado dele, durante um coquetel da empresa. Eu mal trocara palavras com o homem além do básico de educação, mas para Marcus, meu sorriso era suficiente para justificar sua raiva.Naquele momento, vi a sombra por trás do sorriso perfeito e dos dentes alinhados. Mas já estava envolvida demais para perceber o perigo.Marcus era tudo o que eu achava querer em um homem: sedutor, bem-sucedido e confiante. Tinha 28 anos quando nos conhecemos, seis anos a mais do que eu, o suficiente para eu acreditar que ele era mais maduro e que juntos formaríamos um belo casal. Na época, eu era bailarina e vivia o auge da minha carreira aos 22 anos. Minha rotina era intensa, e os palcos eram meu mundo.Foi em uma das minhas apresentações que conheci Marcus. Eu estava atrasada para o segundo ato e
O enterro de Milena foi tão bonito quanto ela era em vida. Simples, mas cheio de amor. Amigos e familiares se reuniram para se despedir, cada rosto carregando a dor de uma perda profunda. Milena era o tipo de pessoa que iluminava qualquer lugar onde entrava, e naquele dia, parecia que o céu havia ficado mais cinzento em sua ausência.— Sinto muito, Lucas,— disseram Leandro e Miguel quase ao mesmo tempo. Eles me abraçaram como se ainda fôssemos crianças, como se aquele gesto fosse suficiente para colar os pedaços do meu coração.Outras condolências vieram em seguida. Palavras de conforto, olhares de piedade. Cada frase era um lembrete cruel de que Milena não estava mais ali comigo, que seu sorriso, seu toque, sua risada haviam sido apagados para sempre.Depois do velório, me despedi de todos e segui para casa sozinho, dirigindo o carro que ela tanto amava: meu Maverick GT 78, preto. Milena tinha uma paixão por carros antigos, algo que aprendera com o avô ainda na infância. Ela costumav
Cheguei à empresa pontualmente às oito da manhã, como de costume. Era algo automático, um hábito que vinha de anos de dedicação à SynerTech, a empresa que fundei ainda na faculdade com meus dois melhores amigos, Leandro e Miguel. Às vezes, penso que começamos com mais ousadia do que preparo, mas deu certo. Leandro, estudante de Educação Física na época, tinha os recursos iniciais graças ao apoio financeiro do pai e foi nosso primeiro acionista. Miguel, cursando Direito, cuidou da base legal. E eu? Bom, era o carro-chefe. Estava cursando Ciência da Computação e, com eles, transformei uma ideia em realidade.A ideia inicial era simples: desenvolver softwares para grandes corporações. Para nós, parecia apenas um projeto para ganhar dinheiro extra e bancar as festas e viagens universitárias. Nunca imaginamos que, já no segundo ano, o negócio decolaria tanto que precisaríamos contratar uma equipe. Hoje, a SynerTech é uma empresa robusta, com dezenas de funcionários e grandes clientes.Mas,
— Por que não me avisou que havia recebido alta do hospital? — perguntou Ester assim que abriu a porta. Seus braços me envolveram com força, como se quisesse me segurar antes que eu caísse. Deixei-me ficar naquele abraço, sentindo o calor e a segurança que só minha melhor amiga podia me oferecer. As lágrimas, que eu vinha segurando o dia inteiro, vieram como uma torrente. Chorei no ombro dela, soluçando, deixando escapar a dor que parecia presa na garganta. Ester e eu nos conhecemos na Étoile Ballet Company, onde dançávamos. Tínhamos 18 anos quando fizemos a audição juntas. Ela era de uma cidadezinha do interior, um daqueles lugares onde todo mundo conhece todo mundo. Apesar da riqueza dos pais, Ester vivia no meio de valores tradicionais. “Meus pais acham que as cidades grandes corrompem a alma”, dizia ela com um sorriso. — E talvez eles estejam certos — costumava completar, com seu jeito brincalhão. Eu, por outro lado, era o oposto de Ester. Cresci numa metrópole vibrante, cerca
O dia começou de forma previsível. Leandro e Miguel, em sua tentativa incansável de me distrair, decidiram me levar para almoçar em um bistrô recém-inaugurado na cidade. Não era o tipo de lugar que eu e Milena frequentaríamos. Ela amava lugares aconchegantes, com comida simples e boa, onde pudéssemos conversar sem pressa. Apesar do meu ceticismo em experimentar novos sabores, aceitei o convite. Não queria iniciar uma discussão com meus amigos.Sentamo-nos em uma mesa perto da janela. A luz do sol refletia nas taças de água, criando pequenos arco-íris sobre a toalha de linho branca. Fizemos nossos pedidos, e eu optei por algo simples: uma massa. Enquanto esperávamos, fiquei em silêncio, apenas ouvindo Leandro reclamar das exigências de ser personal trainer de influenciadores e Miguel desabafar sobre os desafios jurídicos de lidar com grandes corporações.— Lucas, se precisar de ajuda para organizar ou limpar os pertences da Milena, não precisa fazer isso sozinho. Estamos aqui, cara. —
Seis meses haviam se passado desde o pior momento da minha vida. Acordar todos os dias era um exercício de força, mas aos poucos comecei a encontrar pequenos motivos para seguir em frente.— Ficou lindo. É a nossa cara! O que você acha, Ester? — perguntei, dando um passo para trás para admirar o nosso trabalho no estúdio de dança.Ester, minha melhor amiga e parceira nessa empreitada, colocou as mãos na cintura e sorriu com aquele jeito contagiante que fazia qualquer ambiente parecer mais leve.— Hum, ficou incrível! Nós arrasamos, Paty.A ideia do estúdio nasceu de uma conversa entre lágrimas e abraços no sofá do apartamento que agora dividíamos. Depois de receber alta do hospital, recusei voltar para a casa dos meus pais, que viviam em outro país. Eu precisava de espaço, mas também precisava de companhia, e Ester foi a âncora que me manteve firme.— E se colocarmos a mesa da recepção ali à esquerda, perto da entrada? — sugeriu ela, apontando para um canto do espaço recém-pintado.As