Capítulo 6

Cheguei à empresa pontualmente às oito da manhã, como de costume. Era algo automático, um hábito que vinha de anos de dedicação à SynerTech, a empresa que fundei ainda na faculdade com meus dois melhores amigos, Leandro e Miguel. Às vezes, penso que começamos com mais ousadia do que preparo, mas deu certo. Leandro, estudante de Educação Física na época, tinha os recursos iniciais graças ao apoio financeiro do pai e foi nosso primeiro acionista. Miguel, cursando Direito, cuidou da base legal. E eu? Bom, era o carro-chefe. Estava cursando Ciência da Computação e, com eles, transformei uma ideia em realidade.

A ideia inicial era simples: desenvolver softwares para grandes corporações. Para nós, parecia apenas um projeto para ganhar dinheiro extra e bancar as festas e viagens universitárias. Nunca imaginamos que, já no segundo ano, o negócio decolaria tanto que precisaríamos contratar uma equipe. Hoje, a SynerTech é uma empresa robusta, com dezenas de funcionários e grandes clientes.

Mas, naquela manhã, o ambiente que sempre foi meu refúgio parecia diferente. As paredes, os pilares, cada detalhe me lembravam Milena. Quando nos mudamos para o prédio onde a empresa opera hoje, foi ela quem usou sua criatividade e conhecimento em arquitetura para projetar o design. “Esse lugar precisa ter alma,” dizia, animada. Milena dedicou dias inteiros a cada escolha, dos ladrilhos à iluminação, para que o espaço refletisse a essência da nossa amizade e do nosso trabalho.

— Bom dia, Sr. Lucas — disse Marlene, minha secretária, com a mesma delicadeza de sempre. — Como está se sentindo hoje?

Olhei para ela por um momento, tentando encontrar uma resposta.

— Estou tentando lembrar por que levantei da cama hoje, Marlene — respondi, sentindo a tristeza pesar em cada palavra.

Ela me deu um sorriso compreensivo, aquele tipo de sorriso que parece carregar um abraço.

— Milena foi uma mulher extraordinária, Sr. Lucas. Tenho certeza de que, onde quer que esteja, ela diria para você sorrir, mesmo que ainda não tenha motivos.

Tentei esboçar um sorriso, mas ele não alcançou meus olhos. Ainda assim, Marlene tinha razão. Milena sempre dizia isso. “Olhe para o céu”, ela costumava falar.

Então, fui até minha sala. Abri as cortinas e fiquei em frente à janela de vidro, deixando a luz do sol entrar. Olhei para o céu por longos minutos, buscando um traço de conforto ou um sinal que fosse. Talvez, em algum lugar, ela estivesse olhando para mim também.

O dia se arrastou como nunca. O trabalho, que costumava me manter ocupado e afastar pensamentos ruins, parecia vazio agora. Nos intervalos, era com Milena que eu trocava mensagens. Ela sempre tinha algo engraçado ou doce para dizer, algo que fazia qualquer dia comum parecer especial.

Mas naquele dia, não havia mensagens. Só silêncio.

Peguei meu celular e abri nossas conversas antigas. Meu dedo pairou sobre um áudio que ela havia enviado semanas antes. Respirei fundo e apertei o play.

Sua voz preencheu a sala.

“Oi, amor! Hoje vou preparar o nosso jantar… Bom, na verdade, vou passar no restaurante e pegar nossas pizzas favoritas, porque, né? Ninguém merece cozinhar numa quarta-feira. Escolhi aquelas com muito queijo, como você gosta. E depois a gente pode assistir um filme até dormir no sofá, um no braço do outro, porque a gente sabe que o filme vai ser só um plano de fundo mesmo.”

Ela riu no final da mensagem, e, por um momento, eu senti como se ela estivesse ali, comigo.

Quando o áudio acabou, o silêncio voltou, pesado e implacável. Me recostei na cadeira de couro do escritório, encarando a parede. A lembrança daquela noite me atingiu com força. Era uma quarta-feira qualquer, mas Milena tinha o dom de transformar o cotidiano em algo mágico.

— Como ela fazia isso? — murmurei para mim mesmo, sentindo a garganta apertar.

Olhei para a prateleira da sala, onde ela tinha deixado um pequeno vaso com flores artificiais que havia escolhido para “dar um toque de vida ao ambiente”. Elas estavam ali, imóveis, mas de alguma forma carregavam a essência dela.

A dor que eu sentia era insuportável. Não era apenas saudade; era um buraco no peito, uma ausência que parecia se expandir a cada segundo. Me perguntei quanto tempo um luto poderia durar. Será que um dia essa dor se transformaria em algo mais suportável?

O relógio marcou meio-dia, mas eu não sentia fome. Tudo parecia irrelevante sem Milena. Olhei para o céu novamente, buscando algum tipo de resposta, algo que me dissesse que ela estava bem, onde quer que estivesse.

Lembrei da carta que encontrei em sua caixa de memórias, onde ela dizia: “Nunca se esqueça: olhe para o céu. Eu sempre estarei lá, de alguma forma.”

Essas palavras me mantinham em pé, mas também traziam uma avalanche de sentimentos. Olhar para o céu era como um lembrete de que ela tinha ido embora. E, ao mesmo tempo, era uma conexão com ela.

Marlene bateu levemente na porta, interrompendo meus pensamentos.

— Sr. Lucas, desculpe incomodar, mas Leandro e Miguel estão aqui. Eles pediram para saber se o senhor quer almoçar com eles.

Hesitei por um momento. Queria ficar sozinho, mas sabia que meus amigos estavam tentando me ajudar.

— Diga que estarei lá em cinco minutos, Marlene. Obrigado.

Ela sorriu e saiu, deixando a porta entreaberta.

Respirei fundo, ajeitei o paletó e me levantei. Antes de sair, olhei mais uma vez para o céu.

— Eu ainda não sei como continuar sem você, Milena,— pensei. — Mas vou tentar.

Fechei a porta e segui para o próximo momento do dia, levando comigo as memórias dela, como uma âncora e um consolo silencioso.

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