Capítulo 5

O enterro de Milena foi tão bonito quanto ela era em vida. Simples, mas cheio de amor. Amigos e familiares se reuniram para se despedir, cada rosto carregando a dor de uma perda profunda. Milena era o tipo de pessoa que iluminava qualquer lugar onde entrava, e naquele dia, parecia que o céu havia ficado mais cinzento em sua ausência.

— Sinto muito, Lucas,— disseram Leandro e Miguel quase ao mesmo tempo. Eles me abraçaram como se ainda fôssemos crianças, como se aquele gesto fosse suficiente para colar os pedaços do meu coração.

Outras condolências vieram em seguida. Palavras de conforto, olhares de piedade. Cada frase era um lembrete cruel de que Milena não estava mais ali comigo, que seu sorriso, seu toque, sua risada haviam sido apagados para sempre.

Depois do velório, me despedi de todos e segui para casa sozinho, dirigindo o carro que ela tanto amava: meu Maverick GT 78, preto. Milena tinha uma paixão por carros antigos, algo que aprendera com o avô ainda na infância. Ela costumava dizer que o som do motor desses carros tinha alma, algo que os modelos modernos jamais poderiam replicar.

A cada curva, meus olhos desviavam involuntariamente para o banco do passageiro. Era impossível não sentir sua ausência naquele espaço. Durante tantos passeios juntos, ela ficava ali, rindo, cantando ou gesticulando enquanto falava de seus projetos de arquitetura. Agora, o banco estava vazio, mas sua presença ainda parecia pairar no ar, como um fantasma gentil que eu não queria afastar.

Na tentativa de escapar dos meus próprios pensamentos, liguei o rádio. A melodia que encheu o carro era inconfundível: “Oh, Pretty Woman”. Era a música favorita de Milena, parte da trilha sonora de Uma Linda Mulher, o filme que ela amava e criticava ao mesmo tempo.

— Esse filme é um clichê absurdo, Lucas,— ela dizia, cruzando os braços enquanto me olhava do sofá. — Mas tem um charme que eu não consigo resistir. E a trilha sonora é perfeita!

Lembrar disso trouxe um sorriso involuntário ao meu rosto. Era típico de Milena: reconhecer as falhas de algo e, mesmo assim, amar aquilo com todo o coração. Ela sempre encontrava beleza nas imperfeições.

Quando a música terminou, o silêncio voltou a tomar conta do carro, mais pesado do que antes. A estrada parecia interminável, como se cada quilômetro estivesse me levando para longe de tudo o que era familiar.

Chegar em casa foi como entrar em um museu. Cada canto trazia uma lembrança dela: o casaco que ela havia deixado no sofá, os livros de arquitetura espalhados pela mesa, e até mesmo o cheiro leve do perfume que ainda pairava no ar. Sentei no sofá e olhei para o porta-retratos na estante. Era uma foto nossa, tirada em um dia comum, mas que agora parecia tão distante.

Na foto, Milena sorria com o sol batendo em seu rosto. Aquele sorriso… Ele parecia conter todo o amor do mundo, como se ela pudesse iluminar até os momentos mais sombrios.

Peguei o porta-retratos e o segurei nas mãos, sentindo as lágrimas rolarem pelo meu rosto antes mesmo de perceber que estava chorando.

— Eu não sei como continuar sem você, Milena,— sussurrei para o vazio.

O som do relógio na parede era a única resposta.

Cozinhar naquela noite parecia uma tarefa impossível. Milena costumava ser a chef de casa, improvisando receitas que enchiam a cozinha com aromas deliciosos. Eu me limitava a ajudar, cortando vegetais ou lavando a louça. Agora, o silêncio da cozinha era ensurdecedor.

Abri a geladeira, mas o simples ato de pegar algo para comer parecia errado. Acabei fechando a porta sem tirar nada. Subi para o quarto, me joguei na cama e encarei o teto por um longo tempo, ouvindo o som da minha própria respiração e o eco das memórias.

Foi então que me lembrei da caixa.

Era uma pequena caixa de madeira que Milena mantinha no armário, cheia de cartas, ingressos de cinema e pequenos objetos que ela considerava especiais. Ela sempre dizia que cada coisa ali tinha uma história, e que um dia, quando estivéssemos velhos, ela me mostraria tudo para revivermos juntos cada momento.

Levantei-me e procurei a caixa. Estava no fundo do armário, exatamente onde ela a guardava. Sentei no chão e abri a tampa com cuidado, como se estivesse invadindo um pedaço da alma dela.

Lá dentro estavam nossas memórias: o ingresso do nosso primeiro filme juntos, uma foto nossa no parque onde a pedi em casamento, e um cartão que eu havia dado a ela em nosso aniversário de namoro. No fundo da caixa, encontrei uma pequena folha de papel dobrada.

Era uma carta dela.

“Lucas,

Se um dia você encontrar esta carta, quero que saiba que você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Obrigada por me amar, por me fazer rir e por sonhar comigo. Não importa o que aconteça, você sempre será o meu porto seguro. Nunca se esqueça: olhe para o céu. Eu sempre estarei lá, de alguma forma. Com amor,

Milena.”

Aquelas palavras me atingiram como um soco. Eu chorei como nunca havia chorado antes, segurando a carta contra o peito.

Naquela noite, enquanto encarava o teto, algo dentro de mim mudou. O vazio ainda estava lá, mas as palavras dela eram como uma âncora, um lembrete de que, mesmo na ausência, o amor dela continuava me guiando.

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