Capítulo 7

— Por que não me avisou que havia recebido alta do hospital? — perguntou Ester assim que abriu a porta. Seus braços me envolveram com força, como se quisesse me segurar antes que eu caísse.

Deixei-me ficar naquele abraço, sentindo o calor e a segurança que só minha melhor amiga podia me oferecer. As lágrimas, que eu vinha segurando o dia inteiro, vieram como uma torrente. Chorei no ombro dela, soluçando, deixando escapar a dor que parecia presa na garganta.

Ester e eu nos conhecemos na Étoile Ballet Company, onde dançávamos. Tínhamos 18 anos quando fizemos a audição juntas. Ela era de uma cidadezinha do interior, um daqueles lugares onde todo mundo conhece todo mundo. Apesar da riqueza dos pais, Ester vivia no meio de valores tradicionais. “Meus pais acham que as cidades grandes corrompem a alma”, dizia ela com um sorriso.

— E talvez eles estejam certos — costumava completar, com seu jeito brincalhão.

Eu, por outro lado, era o oposto de Ester. Cresci numa metrópole vibrante, cercada de amigos e oportunidades. Meus pais, parte da alta sociedade, me deram tudo, não apenas material, mas amor, segurança, compreensão. Minha mãe era minha rainha, e meu pai, meu herói. Apesar de mimada às vezes, sempre me senti profundamente amada.

Agora, sentada no sofá com Ester, tudo isso parecia tão distante, como um filme antigo cujas cores desbotaram com o tempo. Ela me aninhou em seus braços, acariciando meu cabelo. Era um gesto que me fazia sentir como uma criança novamente, buscando consolo para uma dor que parecia maior do que eu podia suportar.

— Eu me sinto tão vazia — murmurei, a voz quase sumindo.

Ester me apertou ainda mais, e naquele silêncio, ela disse tudo o que eu precisava ouvir sem usar uma única palavra.

Depois de algum tempo ali, tentando reunir os pedaços de mim mesma, levantei-me e caminhei até o banheiro. Fechei a porta com cuidado e encarei o reflexo no espelho.

Tirei a blusa primeiro, depois as calças, e cada peça de roupa parecia pesar toneladas. Quando fiquei de frente para o espelho, meu próprio reflexo me assustou. Minha pele clara, marcada por hematomas de tons roxos e amarelos, era um lembrete cruel da última briga com Marcus.

Corri os dedos pelo braço, onde a pele ainda doía ao toque. Olhar para aquelas marcas era como reviver tudo. Cada grito, cada tapa, cada palavra cortante que ele usava para me diminuir.

Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto, suaves como chuva antes da tempestade. Senti o peso delas, não só no rosto, mas na alma. Como se cada gota carregasse um pedaço da minha história que eu não queria mais lembrar, mas que também não conseguia esquecer.

Sequei o rosto com a palma da mão, respirando fundo, tentando encontrar forças.

Entrei no chuveiro, deixando a água quente escorrer pelo corpo. Cada gota parecia lavar, mesmo que só um pouco, a sujeira invisível que Marcus deixou em mim. Eu fechei os olhos e deixei a água cair sobre os cabelos, o rosto, os ombros, como se pudesse levar embora não só a dor, mas o medo, a culpa, e o vazio.

Apoiei as mãos contra a parede fria, a testa encostada no azulejo. O som da água preenchia o silêncio, abafando os pensamentos. Por que eu deixei isso acontecer? Essa pergunta ecoava, mas nunca vinha com uma resposta.

Por mais que eu soubesse que Marcus era o culpado, uma parte de mim ainda se perguntava se eu tinha falhado. Se eu deveria ter feito algo diferente.

A água começou a esfriar, e o arrepio na pele me trouxe de volta ao presente. Peguei a toalha e me enrolei, tentando aproveitar o calor que restava. Ao sair do banheiro, Ester estava sentada no sofá, mexendo em um copo de chá que havia preparado.

— Você está melhor? — perguntou, levantando os olhos para mim.

Assenti, mas sabia que não estava.

— Vai levar um tempo — continuou ela, lendo minha hesitação. — Mas eu estou aqui. Sempre.

Sentei-me ao lado dela novamente, abraçando o corpo com os braços, ainda sentindo o frio da realidade.

— Não sei como começar de novo, Ester. Não sei nem se quero — confessei, minha voz tão baixa que mal a reconheci.

Ela colocou o chá de lado e segurou minhas mãos.

— Patrícia, você já começou. A partir do momento em que decidiu sair daquela casa, você começou. E eu vou te ajudar a continuar.

Fechei os olhos, sentindo o peso de suas palavras. Ester sempre teve essa habilidade de trazer luz para os cantos mais escuros da minha vida.

— Eu só queria… ser quem eu era antes de tudo isso. Antes dele.

Ester suspirou, passando os dedos pelo meu cabelo.

— Você nunca vai ser a mesma, Paty. Mas sabe o que é bonito? Você vai ser ainda mais forte.

Aquelas palavras ficaram ecoando em minha mente enquanto a noite avançava. Ester dormiu no sofá, insistindo em não me deixar sozinha naquela noite. E, mesmo que o peso ainda estivesse lá, algo em mim começou a acreditar que, talvez, um dia eu pudesse me reconstruir.

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