Conheci Milena Cruz em um lugar inesperado: uma boate. Admito, não era exatamente o cenário onde eu imaginava encontrar o amor da minha vida. Esses lugares geralmente são sobre curtição, encontros passageiros, algo leve e sem compromisso. Mas Milena… Milena não era qualquer pessoa.
Eu estava no bar, um tanto deslocado. Não era muito de dançar nem de socializar como meus amigos. Leandro e Miguel, com toda sua popularidade e confiança, dominavam a pista de dança, atraindo olhares e sorrisos de todas as direções. Eu? Bem, estava no segundo ano de Ciência da Computação, o típico “nerd” do grupo, tentando decidir qual cerveja pedir, enquanto eles se divertiam sem preocupação. — Ei, rapaz,— disse o bartender, interrompendo meus pensamentos enquanto enchia um copo. — Aquela garota ali, de blusa vermelha… Ela não tira os olhos de você. Franzi a testa, surpreso. — Quem? Eu? Ele riu, inclinando-se um pouco mais próximo. — Você mesmo. Por que não vai lá e paga uma bebida pra ela? Olhei na direção que ele indicava. No meio da pista de dança, cercada por amigas, estava Milena. Cabelos negros que caíam em ondas suaves, uma blusa vermelha que parecia destacá-la do resto do mundo, e um sorriso que iluminava o ambiente. Nossos olhares se encontraram por um segundo, e meu coração disparou. Ela realmente estava me olhando. — Será?— perguntei ao bartender, meio incrédulo. — Confia, garoto. Vai lá. Respirei fundo, reuni coragem e atravessei a pista de dança. Meu coração batia mais rápido a cada passo. Quando finalmente cheguei perto dela, tentei soar confiante, mesmo sentindo que minha voz poderia falhar a qualquer momento. — Oi… Meu nome é Lucas. E o seu? Ela sorriu, balançando o corpo suavemente no ritmo da música. — Milena. Você demorou a vir. A naturalidade dela me desarmou completamente. Rimos juntos, e a partir daquele momento, a conversa fluiu como se nos conhecêssemos há anos. Quando a noite acabou, trocamos números, e antes que eu percebesse, ela já fazia parte da minha vida. Um mês depois, estávamos namorando. Milena era estudante de Arquitetura, apaixonada por arte, design, por criar. Entre os intervalos de aulas, almoçávamos juntos e sonhávamos com o futuro. Ela tinha um jeito especial de enxergar o mundo, como se cada detalhe “uma janela antiga, uma flor num jardim ou até mesmo uma rachadura numa calçada” tivesse uma história para contar. — Você nunca olha pro céu, Lucas,— ela dizia, deitando ao meu lado na grama do campus. — Sempre com a cabeça nos números, nas fórmulas. Às vezes, você devia só… olhar. E eu olhava, mas não pro céu. Olhava pra ela. Nos formamos no mesmo ano, e eu sabia que Milena era a pessoa com quem eu queria passar o resto da minha vida. Decidi pedi-la em casamento no lugar que ela mais amava: um parque que frequentava quando era criança. — Minha mãe amava esse lugar,— ela havia me contado uma vez, enquanto andávamos de mãos dadas. — Foi aqui que meus pais se conheceram. Achei que era o lugar perfeito. Naquele dia, ensaiei o pedido tantas vezes que perdi a conta. Quando chegamos ao parque, Milena parecia distraída, caminhando devagar pelas trilhas, seus olhos brilhando com as lembranças que o lugar trazia. — Lucas, você tá quieto hoje. Algum problema?— ela perguntou, com aquele olhar que sempre parecia enxergar através de mim. Respirei fundo e parei de andar. — Na verdade, tem uma coisa que eu queria te perguntar. Ela franziu a testa, curiosa. Antes que pudesse dizer algo, ajoelhei-me diante dela, como manda o figurino. Tirei uma pequena caixinha de veludo do bolso, revelando o anel que eu tinha escolhido com tanto cuidado. — Milena, você aceita casar comigo? Ela levou as mãos ao rosto, surpresa, e então fez uma pequena dancinha de alegria, como sempre fazia quando algo a deixava extremamente feliz. — Claro que aceito, meu amor!— disse ela, rindo e chorando ao mesmo tempo. Milena me abraçou, enchendo meu rosto de beijos, enquanto eu sentia meu coração explodir de felicidade. Passou-se um ano desde o pedido de casamento. Estávamos no meio dos preparativos, com o grande dia marcado para dali a seis meses. Milena estava radiante, escolhendo flores, provando vestidos, sonhando em voz alta sobre nossa casa, nossos filhos, nosso futuro juntos. E então, o futuro foi arrancado de nós. Lembro-me do momento em que recebi a ligação como se fosse agora. A voz do outro lado da linha era urgente, mas as palavras pareciam se arrastar, irreais. — Milena sofreu um acidente de carro. Meu mundo desabou. Cheguei ao hospital com o coração na boca, apenas para ouvir as palavras que destruíram tudo: “Ela não resistiu.” Fiquei parado ali, atônito, incapaz de compreender. Milena, com toda sua energia, seus sonhos, sua luz… havia partido antes de mim. Ela havia prometido que envelheceríamos juntos. Que construiríamos uma vida inteira lado a lado. Eu não sabia o que fazer, como continuar. Tudo que restava era o vazio, a memória de sua risada e o som de sua voz dizendo: “Olha pro céu, Lucas.” E naquela noite, pela primeira vez, eu olhei.Senti o primeiro tapa no terceiro mês de namoro. A dor na pele foi imediata, mas a dor na alma veio depois, como uma onda que arrasta tudo. Marcus disse que era porque eu estava flertando com Felipe, um colega advogado dele, durante um coquetel da empresa. Eu mal trocara palavras com o homem além do básico de educação, mas para Marcus, meu sorriso era suficiente para justificar sua raiva.Naquele momento, vi a sombra por trás do sorriso perfeito e dos dentes alinhados. Mas já estava envolvida demais para perceber o perigo.Marcus era tudo o que eu achava querer em um homem: sedutor, bem-sucedido e confiante. Tinha 28 anos quando nos conhecemos, seis anos a mais do que eu, o suficiente para eu acreditar que ele era mais maduro e que juntos formaríamos um belo casal. Na época, eu era bailarina e vivia o auge da minha carreira aos 22 anos. Minha rotina era intensa, e os palcos eram meu mundo.Foi em uma das minhas apresentações que conheci Marcus. Eu estava atrasada para o segundo ato e
O enterro de Milena foi tão bonito quanto ela era em vida. Simples, mas cheio de amor. Amigos e familiares se reuniram para se despedir, cada rosto carregando a dor de uma perda profunda. Milena era o tipo de pessoa que iluminava qualquer lugar onde entrava, e naquele dia, parecia que o céu havia ficado mais cinzento em sua ausência.— Sinto muito, Lucas,— disseram Leandro e Miguel quase ao mesmo tempo. Eles me abraçaram como se ainda fôssemos crianças, como se aquele gesto fosse suficiente para colar os pedaços do meu coração.Outras condolências vieram em seguida. Palavras de conforto, olhares de piedade. Cada frase era um lembrete cruel de que Milena não estava mais ali comigo, que seu sorriso, seu toque, sua risada haviam sido apagados para sempre.Depois do velório, me despedi de todos e segui para casa sozinho, dirigindo o carro que ela tanto amava: meu Maverick GT 78, preto. Milena tinha uma paixão por carros antigos, algo que aprendera com o avô ainda na infância. Ela costumav
Cheguei à empresa pontualmente às oito da manhã, como de costume. Era algo automático, um hábito que vinha de anos de dedicação à SynerTech, a empresa que fundei ainda na faculdade com meus dois melhores amigos, Leandro e Miguel. Às vezes, penso que começamos com mais ousadia do que preparo, mas deu certo. Leandro, estudante de Educação Física na época, tinha os recursos iniciais graças ao apoio financeiro do pai e foi nosso primeiro acionista. Miguel, cursando Direito, cuidou da base legal. E eu? Bom, era o carro-chefe. Estava cursando Ciência da Computação e, com eles, transformei uma ideia em realidade.A ideia inicial era simples: desenvolver softwares para grandes corporações. Para nós, parecia apenas um projeto para ganhar dinheiro extra e bancar as festas e viagens universitárias. Nunca imaginamos que, já no segundo ano, o negócio decolaria tanto que precisaríamos contratar uma equipe. Hoje, a SynerTech é uma empresa robusta, com dezenas de funcionários e grandes clientes.Mas,
— Por que não me avisou que havia recebido alta do hospital? — perguntou Ester assim que abriu a porta. Seus braços me envolveram com força, como se quisesse me segurar antes que eu caísse. Deixei-me ficar naquele abraço, sentindo o calor e a segurança que só minha melhor amiga podia me oferecer. As lágrimas, que eu vinha segurando o dia inteiro, vieram como uma torrente. Chorei no ombro dela, soluçando, deixando escapar a dor que parecia presa na garganta. Ester e eu nos conhecemos na Étoile Ballet Company, onde dançávamos. Tínhamos 18 anos quando fizemos a audição juntas. Ela era de uma cidadezinha do interior, um daqueles lugares onde todo mundo conhece todo mundo. Apesar da riqueza dos pais, Ester vivia no meio de valores tradicionais. “Meus pais acham que as cidades grandes corrompem a alma”, dizia ela com um sorriso. — E talvez eles estejam certos — costumava completar, com seu jeito brincalhão. Eu, por outro lado, era o oposto de Ester. Cresci numa metrópole vibrante, cerca
O dia começou de forma previsível. Leandro e Miguel, em sua tentativa incansável de me distrair, decidiram me levar para almoçar em um bistrô recém-inaugurado na cidade. Não era o tipo de lugar que eu e Milena frequentaríamos. Ela amava lugares aconchegantes, com comida simples e boa, onde pudéssemos conversar sem pressa. Apesar do meu ceticismo em experimentar novos sabores, aceitei o convite. Não queria iniciar uma discussão com meus amigos.Sentamo-nos em uma mesa perto da janela. A luz do sol refletia nas taças de água, criando pequenos arco-íris sobre a toalha de linho branca. Fizemos nossos pedidos, e eu optei por algo simples: uma massa. Enquanto esperávamos, fiquei em silêncio, apenas ouvindo Leandro reclamar das exigências de ser personal trainer de influenciadores e Miguel desabafar sobre os desafios jurídicos de lidar com grandes corporações.— Lucas, se precisar de ajuda para organizar ou limpar os pertences da Milena, não precisa fazer isso sozinho. Estamos aqui, cara. —
Seis meses haviam se passado desde o pior momento da minha vida. Acordar todos os dias era um exercício de força, mas aos poucos comecei a encontrar pequenos motivos para seguir em frente.— Ficou lindo. É a nossa cara! O que você acha, Ester? — perguntei, dando um passo para trás para admirar o nosso trabalho no estúdio de dança.Ester, minha melhor amiga e parceira nessa empreitada, colocou as mãos na cintura e sorriu com aquele jeito contagiante que fazia qualquer ambiente parecer mais leve.— Hum, ficou incrível! Nós arrasamos, Paty.A ideia do estúdio nasceu de uma conversa entre lágrimas e abraços no sofá do apartamento que agora dividíamos. Depois de receber alta do hospital, recusei voltar para a casa dos meus pais, que viviam em outro país. Eu precisava de espaço, mas também precisava de companhia, e Ester foi a âncora que me manteve firme.— E se colocarmos a mesa da recepção ali à esquerda, perto da entrada? — sugeriu ela, apontando para um canto do espaço recém-pintado.As
Saímos da sorveteria quando as luzes da rua já estavam acesas, e a praça ao lado começava a ganhar vida. O céu estava tingido de tons de lilás e azul escuro, enquanto as pessoas ao redor davam início à sua rotina noturna. Crianças ainda com uniforme escolar corriam pela praça, adultos caminhavam ou corriam pelos trilhos de cascalho, e buzinas ecoavam no engarrafamento próximo.— O horário do caos. — Ester comentou, abrindo um sorriso divertido enquanto olhava ao redor.— Caótico, mas cheio de vida. — respondi, sentindo uma pontada de paz naquele momento simples.De repente, Ester parou bruscamente e apertou meu braço.— Olha só, amiga! Que lindo aquele cachorro Husky! — disse, já me puxando na direção do animal como uma criança que avista um brinquedo novo.
Estava na cozinha, preparando o jantar, quando Ester apareceu na sala, vestindo shorts jeans e sua camiseta do Rolling Stones, já desbotada pelo tempo, mas que ela adorava. Estava largada no sofá, com as pernas cruzadas e o olhar perdido em seus próprios pensamentos.— E aí, como foi conversar com o Miguel? — perguntei casualmente, enquanto retirava o salmão da geladeira para grelhar.Ela levantou os olhos na minha direção e esboçou um sorriso.— Não quero me precipitar, Paty, mas foi ótimo. Consegui conversar de verdade com ele. Ele é espirituoso, engraçado… — começou, com o tom animado que só usava quando algo realmente a impressionava.Enqua