HENRY.
— Definitivamente esse é meu melhor look para casamento — disse ao entrar no carro.
Henry captou o momento em que o tecido fino e rendado se movimentou sobre o corpo feminino, a forma com que o casaco preto e tão pesado caia aos ombros e as botas eram tão longas e brilhosas.
Mas aquele não era casamento onde roupas sociais eram aceitáveis, sendo assim, Henry viu-se vestindo a velha jaqueta de couro de seu pai, um jeans levemente destruído no joelho e coturnos. Sentia-se fantasiado até demais.
A grande e gótica decoração do jardim estava razoável apesar das bexigas sem sentido. Era um amontoado de cadeiras negras de plástico grosso, um tapete vermelho sangue ao centro para marcar a entrada da noiva e o mestre de cerimônia era Paulin.
Ania encarou ao redor e reclamou nitidamente sobre os lugares marcados, apesar de detestar casamentos, uma cerimônia gótica era um caso a parte. Tinha que ver de perto, havia lhe dito no carro diversas vezes. Mas Henry gostava da ideia da distância, da ideia de poder deitar sobre o ombro da parceira e dormir.
As fileiras já não estavam tão vazias quando a garotinha adentrou, suas pequenas mãos se estenderam segurando as alianças mais estranhas que o rapaz havia vislumbrado na vida. O material era de madeira e em vez de encontrar o típico anel redondo com brilhante ou simplesmente um anel redondo e liso, tratava-se de um exemplar mais exótico. A garotinha caminhava lentamente para que todos pudessem vislumbrar. Seu vestido estava na altura dos joelhos, a cesta branca coberta por detalhes vermelhos chamou atenção desejada e quando a música típica começou no piano, os poucos acomodados em seus bancos se levantaram.
A noiva entrou junto à seu pai que não media esforços para esconder sua emoção, calmamente foi se movendo para o lado até encontrar o ombro ossudo onde passaria boa parte do dia encostado.
Apesar do desejo de não sonhar, sua mente lhe pregou uma peça comum.
— O que são dois semelhantes em uma caixa? — perguntou curiosa, mas a voz tênue que percorreu o ambiente não fora satisfatória aos ouvidos, pelo contrário.
“São os olhos levemente fechados, o cabelo molhado sobre a face gélida, os braços magricelas que abraçam. Ela está encolhida sobre a caixa, os joelhos alcançam-lhe a altura do umbigo, o cabelo se espalha pela estrutura pequena e esquecida, o semelhante dorme junto à ela, se acalma ao sentir a ponta dos dedos acariciando sua cabeça com pelos quentes. A neve os cerca por todos os lados, mas eu limpei a vidraça para poder fitá-los por mais um dia”.
Sentiu o braço deslizando pelo sono apesar de estar imóvel. Henry respirou fundo e ao fitar o garotinho correr pela estrada de terra, o seguiu. Teve de percorrer quase um quilômetro inteiro para avistar a pequena cabana feita de galhos velhos cobertos por cobertas escuras. Calmamente se aproximou e puxou o tecido, mas ali não havia nada para ser visto.
— Eu — cutucou algumas vezes o tirando enfim do sono — Estava dormindo de novo? A cerimônia está no fim.
— Um dia fará votos? — indagou em sugestão. Gostaria de fazê-la esquecer-se de seus sonos exagerados.
— Está querendo me pedir em casamento?
— Claro que não.
Quando aquele momento religioso finalmente acabou, pôde sentir um alívio. Não que odiasse todas aquelas horas rezando e ouvindo promessas que nunca seriam de fato cumpridas, estava apenas cansado demais.
— Eu dirijo — poderia protestar, mas deu de ombros quando percebeu a pouca responsabilidade que teria ao deixá-la.
Não tardou muito para que o sono lhe rendesse alguns momentos breves de descanso e por mais que tentasse convencer Ania em deixá-lo esquecido no carro enquanto a mesma curtia a festa, não funcionou.
Henry não se lembrava de estar rodeado por seus colegas de trabalho, Jacob Smith que havia acabado de dizer sim à uma vida inteira ao lado da mesma mulher, comentava sobre o decote de uma das convidadas. Aquela festa mal começara e já estava o entediando.
Ania dedicara uma semana inteira para ensinar as noções básicas de uma valsa e apesar de tanto tempo praticando e o insultando por ser um completo leigo, ela esqueceu do evento. Como tradição, os noivos começaram sua dança, os padrinhos seguiram até todos estarem balançando seus pés.
— Quero ir embora — reclamou em seu biquinho típico — Se não quiser, posso pedir um táxi.
— Você não pode me deixar — protestou moderando o timbre ao máximo, não poderia simplesmente chamar um departamento inteiro de palerma. — Além do mais, o que faríamos depois daqui?
Estava prestes a sugar um longo gole do suco batizado quando ouviu suas palavras. Ania ergueu o corpo por cima da mesa deixando todo seu tronco apoiado sobre o móvel e com o canudo ainda nos lábios encarou ao redor.
— Estava pensando em te arrumar um incrível sexo selvagem durante essa bela festa — mas fora seu olhar que o fez inclinar-se para a direita e encontrá-la — Gostaria de dizer que eu entendo o porquê de você a perseguir. Ela é um ser humano tão... Notável.
— Agora meninas — gritaram ao outro lado do salão, distante demais para ser identificada a portadora da voz — Chegou a tão aguardada HORA DO BUQUÊ!
— Por Deus — ela disse ao se levantar — Eu vou pegar esse buquê só para enfiar nos olhos dela. Será que não percebeu que estávamos em algo?!
Por tradição o buquê seria jogado cerca de meia hora antes do fim da festa, mas aquela mal havia começado. Ania desapareceu rapidamente sobre o amontoado de mulheres e Henry teve de se levantar para poder enxergá-la. Ficou entre a primeira fileira com seus longos fios avermelhados a cintilar sobre tantas luzes reluzentes como fogos de artifício e sua bota de verniz parecia roubar toda a atenção para si, deixando os vestidos bem produzidos e caros de todas as convidadas apagados.
Era uma onda de gritos femininos e leves sussurros que segredavam qualquer coisa quando a noiva se pôs em frente a fila de garotas para enfim acabar com qualquer dúvida de quem se casaria em seguida.
Mas fora diante de si Henry que encontrou olhos comuns. Eram como um par de avelãs maduras, contrastando com o cabelo cor de piche, a veste era branca como a da maioria, uma gola peterpan com pequenos detalhes no tecido. Henry Dale estava deliciado, intrigado e furioso.
— Dale — em uma leve reverência, ela indicou que gostaria de sentar — Não sabia que viria.
— Ania gosta de casamentos góticos e decorações de bonecas — com um olhar, ambos encararam a legista sobre o amontoado de garotas — E as crianças? Vieram contigo?
Ela havia depositado todo seu charme na forma com que seu cotovelo servia de apoio à cabeça, as madeixas caíam para a esquerda e parte de sua face ficava coberta.
— Eu não estou mais com minha mãe.
Henry não captara nenhuma menção significativa de uma mudança. Era graças à uma livraria abandonada havia muito que Henry conseguia observá-la durante os dias de folga. Dali de cima, onde o teto era de concreto gelado e pequenas gotinhas de chuva começavam a cair, seu binóculos se tornava uma coisa poluída, sendo limpo a cada segundo. Dali de cima conseguia ver a linha perfeita da cama forrada e lençóis claros, a almofada grande e verde que tão pouco contrastava, conseguia ver seus acessórios em cima da penteadeira, uma raquete dourada, alguns pincéis de cabo colorido, um amontoado de anéis e pulseiras depositados em um suporte com formato de mão. Em algumas ocasiões, ele a observava adormecer lentamente ao assistir televisão, a via se mover apressada em um pesadelo rápido, quase ouvia seu suspiro cansado quando era acordava as duas da manhã.
Um grande lençol cinzento que cobria o mundo, o Sol aparecia em pequenas frestas formadas pelo giro do terra, tão lento ao ponto de aparecer duas ou três vezes para iluminar a sala de grandes janelas pontiagudas. Quando a manhã chegava iluminada por tênues gotas de chuva e neve, não havia aula. Naquele ano, o inverno havia se tornado uma coisa rigorosa e doída. Como um velho hábito, levantava sem pestanejos, prendia o cabelo e se arrependia de não tirar a roupa do trabalho, descia um pequeno degrau em direção à cozinha, onde preparava um café para as crianças. A babá chegaria em quatorze minutos.
Henry sabia que Nastya estava atrasada por conta da grande nevasca, que as crianças não teriam aula naquela semana e que um grande caso estava ocorrendo na cidade.
Era um festival de passagem onde a cidade se reunia para celebrar o começo de um novo ano. Tudo mantinha um ar de renovação onde bolas vermelhas, verdes e grandes portas de papelão eram penduradas por toda a grande praça, representando os portais eram vista por todos os lados, onde as crianças faziam pedidos e sorriam à estranhos.
Rita mantinha-se com um longo vestido branco em mangas rendadas, pequenos poás poderiam ser vislumbrados pelos mais atentos. Era quase uma imagem divina ao encarar a pequena coroa de flores em seus cabelos, em seus olhos de lontra. Rita era uma figura preocupada e sempre mantinha os olhos atentos em uma criaturinha de três anos, ativa como qualquer criança da idade, a garotinha corria de um lado para o outro deixando a mãe desesperada. Fora em uma dessas ocasiões que Henry apanhou o celular para si.
Não eram raras as vezes em que checava os e-mails e conversas enquanto mantinha-se só em sua sala, as vezes checava as mensagens quando estava analisando um corpo, no almoço, nas folgas e até em encontros casuais.
— Olha lá, acho que agora Ania consegue seu buquê — a mais tênue menção de um timbre feminino fora invadindo sua mente vagamente, até seu cérebro o levar de volta. Rita estava se levantando a fim de observar.
A noiva manteve seu gesto costumeiro de ameaçar jogar o buquê algumas vezes antes de enfim o fazer, conseguia ouvir os murmúrios animados, o barulho de saltos sobre o piso de cerâmica e as flores voaram grosseiramente ao encontro de mãos ágeis.
Pulou o mais alto que pôde e agarrou o cabo do buquê da forma mais clichê que alguém poderia fazer e pelo seu longo e esperto passo para frente, os pés encontraram o chão desajeitadamente e antes de cambalear viu-se atingida por um líquido vermelho, espesso e levemente pegajoso.
A face antes tão bela em sua maquiagem sugestiva estava vermelha, o cabelo grudado ao crânio e as vestes claras em tons de vermelho, grudando ao corpo, deixando uma certa nudez aparente em seu tecido molhado.
— UM BANHO DE SANGUE! — ela riu-se alto e no instante seguinte ele pôde notar os olhares menos assustados, alguns risos. Como diabos eles não esperavam algo daquele tipo vindo daqueles dois? — Dale!
Então a garota correu em sua direção apressadamente ultrapassando Rita quase em um empurrão, o abraçando forte e manchando todo seu casaco de sangue falso.
A maioria dos pássaros de pequeno porte não sobreviviam à passagem de ano naquela região. Os pequenos eram sempre vistos sob o solo úmido pelas fortes chuvas, gelados e sem vida. Os pequenos olhos ficavam abertos, porém vazios e as asas que antes o arremessaram a tantos lugares jazia encolhida sob o corpo em leve putrefação. As flores começavam a surgir na parte menos montanhosa da floresta, mas ainda sim a maior parte da floresta era um amontoado de branco gélido e marrom. As chuvas não tinham parado totalmente e apesar de todos os malditos casacos, Hanna sentia-se pronta para congelar. — Porque a floresta? — limpou um amontoado de lama das botas de serviço em um suspiro — Porque nunca em uma linda casa no centro? — Parece que ninguém vê graça em cadáveres apodrecendo em casas. MAGNUSAs folhas em putrefação formavam um grande tapete natural mostrando um caminho não cruzado por pés humanos havia tanto. Magnus sentia o odor de musgo, a umidade da terra deixava um cheiro tênue no ar e a vontade de correr pela floresta era tão grande.Mesmo distante era possível ouvir as vozes agudas sobre o mundo, o nome comum sendo proferido tantas vezes. Durante toda a busca, ninguém conseguiu ouvir sequer uma menção de esperança. Foram três dias completos de pesquisa onde grupos grandes se revezavam pela grande floresta gritando o nome comum.Magnus sentia os pés em leve dor pelo esforço da caminhada e vez ou outra, sentia a necessidade de sentar e descansar. Mas não tardou mais que um próximo dia para as buscas se tornarem mais escassas. As pessoas não se moviam como antes, o nome comum se tornava mais escasso à cada hora e a polícia menos pacientCAPÍTULO SEIS
SPENCERAs luzes ora azuladas ora avermelhadas deixava sua visão levemente confusa, como se o festival fosse uma tortura sem fim. O grande espetáculo estava prestes a começar. Era possível ouví-los cantando e batendo palmas, mas estava distante demais para entender.Tambores, fleches de celulares, vozes unidas a uma única canção, antiga demais para ser compreendida pelos mais novos, mas mesmo assim, com papéis em mãos, tentavam acompanhar.— Você sabe que língua é essa? — indagou observando o papel que havia ganho de uma senhora gentil — Nossa, parece de outro mundo. Olha só!Mas a letra da canção não era mais importante que a falta de dançarinos. A melodia era lenta apesar dos tambores serem anima
RITAHavia algo triste na forma com que seu corpo fora deixado a beira do lago. Talvez o tecido branco de sua camisola de verão que estava submerso deixando uma doce transparência passar por suas pernas e quadris, os mostrando tão ossudos e pálidos, como se o líquido rubro não fosse mais parte de si. Era uma figura tristonha pousando seu cansaço sobre um velho tronco grosso e putrefo, escuro pela liquefação. Talvez fosse o emaranhado de fios negros que cobriam parte de sua face vazia de expressões, talvez Rita visse tristeza em cada parte daquela cena.Dale retirara o corpo após uma análise minuciosa e parcial, captara cada evidência e se pudesse, teria pego também o tronco e toda a água do lago para analisar. Rita fizera toda a inspeção do lugar, analisara cada centímetro quadrado e mesmo assim ainda sentia como se esque
HENRY.A Lua surgira à cena como um longo lembrete de horário excessivo. Com não mais que uma centena de arquivos e fotos espalhados por toda a sala de análise, organizadas por ordem cronológica e em algumas vezes por semelhança, Henry sentia exausto e inútil.Passara metade de uma noite deitado sobre um gramado gelado, sonhando sonhos de Lua, bebendo da mais tênue lembrança inventada para no fim não ter nada.— Eu vou matar você enquanto dorme — ela havia lhe dito tão irritada e mesmo assim, passara toda a noite consigo, estudando até adormecer no divã. Henry pegara sua manta de estudo para cobri-la.Juntou todas as peças necessárias para um estudo maior e sem qualquer tipo de autorização, as enfiou em uma pasta e guardou em sua bolsa. Henry teve que recolher tudo sozinho, organizar como deveria ser organizado e limpar a sala, sentir o cheiro de limpeza emerg
CATHERINE.Estava revestida em um grande manto branco e macio. Seus dedos acariciaram o pelo macio sentindo cada fio até chegar a grande e dura pata negra como ferradura. Havia um leve peso sobre a cabeça da pequena e por mais que tentasse se livrar da máscara, estava grudada à si. Um grande bode branco como leite e seus chifres eram pontiagudos,os olhos estavam fechados.Sentiu os dedos apertando a carne macia de um braço magricela e repleto de pelos e quando seus olhos se abriram encontrou Wilkoskia lhe fitar.— Sonho ruim? — perguntou em sua gentileza. Ela assentiu e com um leve movimento nada sutil tentou sentar — Tudo bem, venha cá.Ritaera uma pessoa gentil apesar de seu devaneio constante. Não eram raras as vezes em que a policial adormecia apoiada sobre o sofá.— Você se lembra um pouco mais hoje do que onte
SPENCERA maioria deles fazem a passagem durante o início do ano. Era sabido que a temperatura não era suportável à mentes e corpos tão frágeis. Quando estão morrendo todas as janelas são abertas para que as almas pecaminosas possam enfim passear, mas algumas delas ficavam perdidas e por não conhecer nenhum outro cenário além de camas brancas e repletas de morte, ficavam ali.Mas não era raras as vezes em que pássaros vagueavam pelas janelas, adentrava o cômodo branco e por ali criavam vida. Era como se celebrassem a morte com vida. Os pássaros eram quietinhos quando ali estavam.Spencer sentiu os dedos de sua avó lhe apertando tão bem, um belo lembrete que estava tão vivo hoje quanto ontem e um pouco menos que amanhã.— Vou lhes dar um momento — a enfermeira lhe disse tão calma. O som de s
O CORPO ESQUECIDO. Havia algo sobre seus olhos que o fazia enxergar tão além do comum, talvez o constante delírio ou realmente fosse parte de algo maior. Muito maior. Durante as primeiras noites de inverno, costumava acordar entre pinheiros e corujas acinzentadas de grandes olhos cor de Sol. Enquanto seu corpo parecia emergir entre o grande lençol natural de folhas caídas e tão úmidas do frio, pequenos insetos pousavam sobre si, caracóis do tamanho de uma unha mediana, formigas vermelhas que gostavam de pica-lo entre os dedos da mão e os braços, algumas vezes alguns pássaros perdidos pousavam sobre si e essa era sua parte preferida.Era uma figura pequena essa que pousou sobre si, suas patinhas mantinham a cor rosada contrastando com cada pena branca que ali residia. A ave fora movendo a cabeça para o lado onde bicou uma minhoca acertando o antebraço do rapaz qu