O SONHO FRANCÊS.
Quando o céu estava limpo e as estrelas dominavam o mundo comum, grilos começavam seu coro da madrugada e ela sabia que iria chover. Mesmo quando algum lobo uivava longe ou quando as corujas insistiam em piar em cima do telhado, ela sabia que iria chover. Era como um passe comum naquela estação onde todos os animais do mundo se uniam para avisar um ato natural por mais simples que parecesse.
Quando os pássaros voltavam a fazer seus ninhos próximos ao bosque ela sabia que já era primavera, que já não estavam transitando entre o mundo gelado e um mais quente, harmonioso. Quando Tessa voltava às aulas ela sabia também que o pior havia passado.
Ela se lembrava de fazer tudo sozinha desde sempre. Quando criança costumava acordar cedo e preparar seu café da manhã, de passar sua roupa e queimar a ponta dos dedos para testar a temperatura do ferro, de nunca saber se tinha lavado o cabelo no dia certo ou sequer se havia lavado direito
TERESA. Quando o sol se punha atrás das árvores e todo o mundo comum se tornava escuro por alguns instantes curtos, Teresa sentia a forte brisa da primavera sobre os cabelos. Era estranho caminhar sobre a floresta assombrada com um carrinho de mãos cheio de terra Negra e sementes, com uma garrafa mediana de água e medo. Aquele lugar era capaz de destruir a mente mundana. Diziam as lendas que todas as bruxas da floresta moravam naquele lugar onde as árvores se inclinavam para frente abraçando seus donos com tanto louvor e fora lá, onde as árvores tinham espinhos e olhos vermelhos que ela foi parar. Quando olhava para o céu poderia enxergar toda a escuridão pincelada pelas poucas estrelas com a Lua tão pequena que mais parecia uma lanterna velha e quase sem bateria. Ela cruzou todo o caminho estreito e as linhas ingremes a frente, encontrou plantas vermelhas como sangue e algumas outras quase transparentes, os dedos de gelo começavam a se forma
SPENCER. Por detrás das cortinas o vento dançava em sua melancolia comum. O tecido alvo que mantinha certa transparência estava escondendo seu corpo erguido por lençóis de sangue e seus pés estavam machucados. Sempre que se aproximava um pouco mais absorvendo toda a energia pesada e ficando de frente as pombas brancas que voavam ao redor e tomavam um pouco daquele líquido rubro intenso que caía para a tigela de vez em quando, Spencer sentia que suas pernas travavam. Talvez fosse todo o suor e a sensação dominando seu cérebro por completo o fazendo acordar sempre. A garota ao seu lado ofegava baixinho com cabelos negros grudando ao crânio enquanto ele sentia seus corpos colados de forma levemente desconfortável. Spencer odiava transar de lado. — Fique surpresa quando você me ligou — ela disse ao se separarem e subitamente cada um ir para seu lado da cama. Ela estava se levantando para se limpar — As vezes eu acho que você esquece que
TERESA SE TORNA UMA SEMELHANTE. A noite era escura e cheia de mentirinhas. Sempre que encarava ao redor, Teresa conseguia enxergar todos os olhos que a floresta mantinha sobre si, todo o pesar e as fofocas. Não precisava ouvir para saber de quem falavam ou do quê. Era sempre do mesmo. E com suas capas de inverno e lanternas, adentraram a floresta assombrada. Eram pinheiros sentinelas com seus dentes de gelo, a Lua grande e redonda pronta para engolir todo o planeta e o silêncio. Sempre que alguém pisava em alguma folha seca fazendo as meninas se assustarem, Teresa imaginava qual seria a sensação. Não lembrava de se quer ouvir qualquer som, por menor que fosse. Quando ela e Magnus eram apenas crianças bobas, ele costumava gritar ao seu ouvido ou arremessar coisas no chão, quebrar pratos e bater a madeira de lenha no piso da sala comum. Nada ouvia. Ela também não conseguia se lembrar de um único dia em que não estavam juntos. Sempre que
Em Os Demônios de Truskaw, a confusão momentânea e o devaneio constante fazem parte da memória da vida onde cada uma das pessoas citadas têm alguma importância ou tampouco importam. Cada um é protagonista de sua própria história e assim como cada indivíduo da espécie costuma associar, alguns deles são bastidores, peças extras ou totalmente indiferentes. Iniciamos nossa jornada com um vislumbre do passado, presente e futuro, onde todas as ações de Spencer parecem partir de uma confusão, um devaneio ou lembrança. Junto à narrativa somos apresentados a uma figura cumprida, rodeada por cães de caça e biscoitos de estrelinha. Como contrapartida, temos a apresentação frustrante de Nadia Jaworska, uma sargento procurando algum tipo de redenção, uma missão não cumprida e uma promoção tão aguardada. Dentro de seus núcleos podemos caminhar sobre seu subconsciente onde
“Eu ainda consigo vê-la claramente em seus olhos grandes e azuis a me fitar, o corpo está deitado sobre o gramado e as folhas já começaram a cair sobre si. Os pássaros estão à sua volta, alguns ousam passeios em suas pernas outros bicam seu cabelo louro dourado. A putrefação se inicia lentamente, o cheiro de seu corpo não é nítido. Veste azul que parece levemente combinar com seus lábios abertos. Seus lábios. Posso ver a estrutura de um animal ali dentro, lutando para sair, mas não consegue. É como se os dentes dela tivessem o prendido ali dentro, ele vai apodrecer junto à ela”. Amalya tentava entender cada palavra dita e omitida, mas era como se os sonhos de Spencer fossem tamanhos enigmas que nem mesmo seu mestrado poderia compreender. Ela o mandou abrir os olhos e respirar fundo, calmamente o tiraria do transe. — Você consegue ver onde está agora?
NADIA. O dia começou amargamente frio e cinzento e os cães não sentiam cheiro. A grande matilha de cães farejadores que um dia encontraram drogas dentro de troncos de árvores no meio da floresta, se aninhavam um com os outros na tentativa em vão de se aquecer um pouco mais. — Os melhores de todo o batalhão, você disse. — Até mesmo os melhores tem seus dias ruins — o tempo mantinha um vento cortante, deixando uma tarefa simples como falar se tornar miserável. — Está frio demais para caçar. Mas isso Nadia já sabia. Sabia que não era possível encontrar uma poça de sangue sobre tanta neve, um corpo perdido há dias não seria farejado. Mike, Furiosa
CATHERINE.Em algumas ocasiões sentia um buraco dentro de si. Não era como se estivesse com fome, era um ermo, um buraco enorme onde o coração estivera e sua cabeça também doía. Em alguns dias ou noites — era difícil distinguir — Cat não queria acordar. Gostaria de se aninhar ao velho manto e adormecer mais um pouco, ter a pouca paz que o silêncio lhe proporcionava poucas vezes.Dividia espaço com um pequeno rato albino que insista em roubar os poucos grãos de comida lhe davam. A princípio tentara matá-lo de fome, escondendo o pão amanhecido sobre as roupas, mas bastou dois dias isolada para aquele roedor torna-se seu melhor amigo. “Venha pequeno Alfred”, chamava vez ou outra, mas o pequeno albino que tanto assemelhava à si, tendia a i
SPENCERO dia era uma escuridão cinzenta onde névoa pálida erguia-se sobre o cheiro de musgo e morte.E ali onde suas narinas captavam o cheiro metálico, a umidade sob a língua se tornava cada vez mais nítida. Uma grande linha curva se intensificou uma vez que os dedos puderam sentir toda textura grossa do amontoado de fios negros como petróleo. Fora uma margarida em cada pálpebra deixando teu olhar antes de ao ávido e azul, completamente branco.Os passos ficavam cada vez mais pesados e o nariz escorria em uma cachoeira sem sabor ou cheiros, o Viajante e sua longa capa negra foram caminhando pela estrada de terra, pelos rastros que vários caminhões de construção haviam deixado ao longo dos anos. Aquela era a parte feia da floresta, a parte desmatada pelo homem e sua ganância.