Orgulho e Paixão
Orgulho e Paixão
Por: Bruna Ferreira
Capítulo 1

Verônica

Sentada numa poltrona macia, em um apartamento gelado pelo frio de fevereiro e perdida em pensamentos, eu observava os flocos de neve que caíam do lado de fora da janela, enquanto desenhava nossas iniciais no vidro embaçado por minha respiração, e pelo vapor quente, que saia da xícara de café fresco que eu segurava em uma das mãos, recordando-me dos bons momentos que vivi ao lado de meu namorado, Miguel.

Senti um aperto no peito ao lembrar-me de sua insistência para que eu ficasse no Brasil e me peguei imaginando como teria sido se eu tivesse atendido a seu pedido… será que ele estaria vivo? Eu poderia ter evitado aquela tragédia? É… eu acho que não. Afinal, implorei inúmeras vezes para que ele deixasse as corridas clandestinas, mas ele nunca me ouviu. Os rachas eram sua vida, até que eles a tiraram.

— Outra vez pensando no mesmo assunto, Vê? Não gosto de te ver deprimida! — Minha prima anunciou sua presença, enquanto caminhava até mim.

Eu umedeci as mangas do moletom, ao enxugar as lágrimas que molhavam meu rosto.

— Ainda é muito difícil para mim, Isa! Estou tentando superar, mas ainda é recente. — Expliquei recompondo-me.

Ela assentiu.

— Eu entendo, mas tente não pensar mais nisso. Você não tem culpa! Miguel sabia dos riscos e mesmo assim escolheu esse caminho. Odeio ter que dizer isso, mas infelizmente foi ele quem procurou. Agora seque essas lágrimas. Eu tenho novidades.

— Você tem razão! Vamos esquecer esse assunto. Diga-me, que novidades são essas? — Perguntei curiosa.

Ela esticou o braço, entregando-me um envelope amarelo.

— Isso chegou para você.

Ao ver a carta em suas mãos, meu coração disparou.

— O que é isso? Será que…? — Falei e ela me interrompeu.

— Nós só saberemos quando você abrir.

Ansiosa, eu inspirei profundamente, peguei o envelope de suas mãos e abri, iniciando a leitura:

“Prezada senhorita Verônica Guimarães de Lucca, nós da Leland Stanford Junior University, temos o prazer de informar que sua solicitação de bolsa de estudos foi concedida. As aulas terão início em setembro. Por favor, compareça pessoalmente em até dez dias após o recebimento desta, para recolhermos sua assinatura e garantir a vaga. Nossas mais sinceras felicitações! Atenciosamente, Reitor Persis Drell.”

Ao ler aquela notificação, minhas mãos começaram a tremer e automaticamente um sorriso brotou em meus lábios.

Quando Isabella viu minha reação, não hesitou em perguntar:

— E então? Verônica, por favor, não me deixe nesta agonia. Vamos, diga de uma vez! É o que estou pensando?

— Sim, Isa! Eu passei! Eu consegui a bolsa em Stanford!

Nós ficamos eufóricas e nos abraçamos simultaneamente.

— Prima, não sabe como me deixa feliz te ver assim! Ainda a pouco estava toda cabisbaixa, mas esta carta chegou no momento propício. Esqueça o passado e todas as suas amarguras, minha flor. Um futuro brilhante te espera!

***

Seis meses depois…

Enfim, meu sonho está sendo realizado! A sensação é de felicidade, gratidão e orgulho, ao pisar no pátio da universidade, repleto de pessoas que assim como eu, estão em busca de um futuro promissor.

Cuidadosamente caminhei para o interior das instalações, enquanto observava as enormes paredes rústicas do prédio, à procura do armário que me foi designado. Eu precisava me livrar do excesso de livros que carregava em meus braços.

Outra vez verifiquei o chaveiro que indicava o número dezessete e de repente, fui surpreendida com um esbarrão em meu ombro. O impacto fez com que todas as minhas coisas se espalhassem pelo chão, e eu acabei me desequilibrando, então fui amparada por alguém segurando minha cintura. Naquele momento vi um belo par de olhos âmbar encarando os meus.

A visão em minha frente era de um rapaz incrivelmente lindo! Uma boca vermelha e muito bem desenhada se destacava entre os fios da barba recém-aparada, e a sobrancelha escura e grossa, realçava seu olhar sedutor, com um toque de mistério. Os cabelos um pouco bagunçados lhe deixavam mais charmoso, e os ombros largos formavam a parede de músculos, que impediram minha queda.

Aquela bela combinação atraente, com certeza roubou minha atenção. Nós apenas nos fitamos durante um tempo sem dizer absolutamente nada, até que algumas palavras roucas saíram de sua garganta, quebrando o silêncio que ali perdurava.

— Você está bem? — Ele perguntou, ainda com as mãos sobre mim.

Meu coração acelerou, a adrenalina subiu e o estômago revirou. Era como se uma corrente elétrica estivesse passando pelo meu corpo.

Com a boca seca e os olhos ainda fixados naqueles lábios perfeitos, eu assenti.

— Sim!

No mesmo instante ele me soltou lentamente, abrindo um sorriso, enquanto encarava-me de cima a baixo.

Percebi uma certa malícia em seu olhar, que estava fixo em mim, como se ele pudesse ver através de minhas roupas. O descarado estava me despindo com os olhos. Tentando fugir daquela situação constrangedora, eu me abaixei para recolher as coisas que haviam caído. Ele se juntou a mim.

— Eu te ajudo com isso, princesa!

Começamos a pegar os materiais e logo terminamos de reunir tudo em mãos, inclusive um celular, que também estava no chão.

— Aqui está! — Ele disse devolvendo-me o último livro.

Eu estendi o braço e lhe mostrei o aparelho.

— Obrigada. Acho que isso é seu.

— Sim, valeu! — Ele pegou o telefone, verificou e guardou no bolso.

Nós permanecemos nos encarando por segundos que pareceram uma eternidade. O clima começou ficar tenso e para quebrá-lo, resolvi agradecer por ele não ter me deixado cair.

— Ainda não agradeci por ter me segurado… obrigada! — Minha voz tremia um pouco revelando minha vulnerabilidade.

Ele deu um passo à frente, aproximou-se de mim e acariciou meu queixo. Com os olhos fixos em minha boca, umedeceu a dele com a língua e disse em um tom suave e sedutor:

— De nada, gata! Mas olha só… tenha mais cuidado, você quase quebrou meu celular.

Eu, que estava anestesiada pelo toque dele, rapidamente me recuperei ao ouvi-lo falar com aquele tom de prepotência. Os apelidos sem nexo também já estavam me incomodando, então retruquei à altura.

— Eu não tenho culpa se você anda por aí distraído e não presta atenção por onde pisa. E não te dei liberdade para me chamar assim. — Pronunciei firme, mas sem me mover.

Ele pareceu surpreso com minha resposta, mas logo levantou as mãos em um gesto de rendição, segurando o riso. Sua voz estava cheia de diversão.

— Ei, vai com calma aí, garota! Você é muito esquentadinha! Eu só fiz um comentário.

— Pode guardar seus comentários e sua opinião. O que você pensa a meu respeito, não me interessa. — Respondi com desdém.

— Nossa… como é arisca! — Ele debochou, mas eu não disse nada. Apenas levantei uma sobrancelha e o encarei seriamente. Ele continuou com suas provocações. — Está precisando de ajuda?

— Não, obrigada! Eu me viro sozinha. — Falei determinada.

Ele se aproximou ainda mais e falou em tom baixo e irônico, bem próximo ao meu ouvido:

— Pelo visto é orgulhosa também!

Eu fiquei na ponta dos pés e também me aproximei do ouvido dele, para rebater de igual para igual, como ele havia feito. Eu precisava, e queria desafiá-lo.

— E você deve ser o juiz!

Senti a respiração quente dele ainda mais perto de meu pescoço e minha pele se arrepiou inteira. Aquela proximidade estava me desestabilizando e para piorar ainda mais a minha situação, ele afastou uma mecha do meu cabelo, colocando-a atrás da orelha.

— Que temperamento, hein! Mas tudo bem, eu gosto assim!

Antes que eu pudesse responder ou me esquivar, ouvi alguém reclamando, bem ao nosso lado.

— Tô atrapalhando?

Me afastei e vi uma loira alta e magra, com cabelos médios. Ela estava de braços cruzados e batendo o pé no chão. Nos encarou visivelmente furiosa, e ao julgar por sua conduta, com certeza deve ser a namorada. Como esse problema é todo deles, me virei e abri o armário para guardar minhas coisas. Ele pareceu não dar muita importância para o que ela disse, pois continuou imóvel e calado, mas ela não desistiu.

— Vocês são surdos?

Ainda com o pensamento de que quem deve alguma satisfação para ela, é ele, terminei de guardar tudo e me virei para sair. Mas ela me barrou, impedindo minha passagem.

— Com licença?! — Pedi educadamente, tentando manter a postura civilizada, mas fui ignorada.

— Onde pensa que vai, novata? Estou falando com você.

Eu realmente estava tentando me controlar, mas não estava sendo fácil. Ela estava no meu caminho e não me dava chances de passar. Não é porque sou nova na universidade que vou deixá-la fazer o que quiser comigo.

— Me deixe passar. — Insisti e tentei desviar, mas ela segurou meu braço.

— Você não vai a lugar nenhum. — Falou autoritária, como se tivesse algum direito sobre mim.

Já sem paciência, eu a confrontei destemida.

— E quem vai me impedir?

Percebendo que eu não iria baixar a guarda, aquele idiøta finalmente abriu a boca.

— Madison, a deixe ir.

— Não! — A filha da mãe retrucou no mesmo instante, com a voz carregada de superioridade e continuou apertando meu braço.

— É melhor você ouvir ele, Madison. — Avisei, só que ela não deu ouvidos.

— Não estou com vontade!

O deboche estava nítido em seu rosto, mas eu não sou de levar desaforo pra casa.

— Ou você me solta, ou aguenta as consequências.

— Por que vadiä? O que você vai fazer? — Seu tom de voz baixou, enquanto ela me encarava com olhos furiosos.

Para evitar que aquela situação se prolongasse ainda mais, em apenas um movimento brusco, eu puxei meu braço, soltando-me dela. Foi naquele exato momento que uma outra mulher se aproximou, intercedendo a meu favor.

— Já chega, Madison! A deixe em paz, ela está comigo.

Muito amável, ela saiu em minha defesa apesar de nunca ter me visto na vida.

A oxigenada não parava de me encarar. Se essa loira falsa pensa que vai me intimidar, está muito enganada.

— Não se meta no meu caminho. Está avisada. — A tal Madison rosnou feito uma cadela defendendo sua cria, mas em vez disso, estava apenas se humilhando por um macho escroto, que obviamente estava se achando com toda aquela cena ridícula.

— Vem, gata… vamos sair daqui! — A moça simpática me convidou para nos retirar, mas eu ainda estava engasgada com aquela situação.

Virei para acompanhá-la, mas antes de sair, encarei o infeliz sorridente.

— Se você não dá conta de domar seu animal, contrate um adestrador mais competente ou coloque uma corrente mais curta. — Falei e ambos me olharam perplexos.

Madison até fez menção de falar algo, mas ele a impediu. Então eu pude me afastar dali em paz.

— Como é mesmo a história do animal? — A menina perguntou segurando o riso e se apresentou. — Muito prazer, sou Emilly!

— O prazer é meu, Emilly! Me chamo Verônica. — Nós sorrimos. — Me desculpe pelo ocorrido, eu não sei porque ela surtou.

— Fala da Madison? Não se preocupe, ela é assim mesmo! Não pode ver nenhuma garota bonita conversando com o Cadu, que age desse jeito. O pior é que ele não está nem aí.

— É, eu percebi! Deve ser horrível ter um namorado, assim, que provoca insegurança e se diverte presenciando essas situações.

— Eles não são namorados, não. O Cadu nunca assumiu ninguém. Ele é um dos mais populares de Stanford desde a época do colégio, e aproveita a fama que tem para passar o rodo em todas. Os dois sempre tiveram um caso, mas porque Madson vive se humilhando por algumas fødas, enquanto ele… — Ela fez uma pausa. — Bom, ele pega quem ele quer.

— Nossa, isso é ainda pior. Mas enfim… problema deles! Só espero não ter que vê-los com frequência.

— Pois é! Mas me diz… qual curso você vai fazer?

— Arquitetura.

— Que legal, seremos da mesma turma! — Ela abriu um sorriso autêntico, que foi se desfazendo em poucos segundos. — O único problema, é que as coincidências existem, e eles também serão.

Não acreditei quando ouvi aquilo.

— Você está falando sério? — Perguntei incrédula, perplexa, desorientada e surtando internamente com a informação.

— Uhum. — Ela assentiu.

— Ah, não pode ser!

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