Obsessão Abissal
Obsessão Abissal
Por: Sofia Rivera
Prólogo

Tessar Vrynn

A primeira vez que a vi, pensei que fosse um fantasma.

Estava escondido atrás dos rochedos, o cheiro de sal e sangue velho entupindo minhas narinas. A aldeia de Tallinn era um cemitério de pedra à beira-mar, onde as ondas batiam como punhos famintos. Os abutres estavam todos lá: velhas de véu preto, homens com rostos de cobra, e aqueles malditos sacerdotes de túnica vermelha. No centro, uma garota.

Ela estava de pé na borda do penhasco, os pulsos amarrados com corda de cânhamo, o vestido branco colado ao corpo por causa do vento e da brisa que o mar trazia. Sangue escorria da barriga dela, onde uma adaga de cabo enferrujado Ainda estava cravada

— aquela merda de ritual . Praguejei sozinho. Ela não era só bonita, havia algo mais. o seu rosto pálido contrastava com os cabelos castanhos, seus lábios azulados e olhos vermelhos de tanto chorar quase me hipnotizavam . Mas não gritava. Não pedia ajuda.

Apenas olhava para o mar, como se já estivesse morta.

Um dos sacerdotes, um velho com tatuagens de serpente no pescoço, ergueu as mãos pro céu e berrou algo sobre "purificação". Outro, mais novo, hesitou. Vi ele segurar o braço do velho, sussurrar algo. A resposta foi um tapa seguido de um estalo — o jovem sacerdote caiu de joelhos, sangrando pelo nariz.

— J**a ela! — o velho ordenou.

Dois homens pegaram-na pelos ombros. Ela não lutou. Só fechou os olhos, e um único soluço escapou quando a levantaram no ar, ela virou o rosto e relaxou o corpo como se aceitasse a queda e abraçasse a morte como amiga.

O som do corpo dela batendo na água me fez encolher os dentes. Não sei por que corri. Não era meu problema. Já tinha me fodido demais salvando gente que não valia a pena. Mas meus pés se moveram sozinhos. Mergulhei na água gelada antes mesmo de pensar.

A escuridão do mar engoliu tudo. A luz da lua era fraca, mas vi o rastro de sangue subindo como fumaça. Nadando pra baixo, quase engasguei quando a encontrei: flutuando de bruços, cabelos como algas ao redor da cara, a adaga ainda cravada na carne. Seus olhos estavam abertos. Olhando pra mim.

Puxei ela com uma força que quase deslocou meu ombro. Quando rompemos a superfície, ela vomitou água e sangue, e eu... eu ri. Ri igual um maldito louco, porque ela tossia, ela respirava, e aquilo me fez sentir vivo pela primeira vez em anos.

Os tiros começaram antes que eu pudesse puxá-la pra areia.

— Pirata! — alguém gritou.

O jovem sacerdote o que tinha levado o tapa correu em nossa direção com uma faca de cozinha. Ergueu a lâmina, mas congelou quando nossos olhares se encontraram.

— Ela não é maldita — ele sussurrou, trêmulo. — Só assustada.

Quase o matei. Quase. Mas alguma coisa na voz dele, um arrependimento? me fez baixar o cutelo.

— Fuja — gritei, enquanto os outros sacerdotes avançavam com mosquetes. — Antes que eu mude de ideia.

Ele fugiu. O resto não teve sorte.

No convés do Arraia negra enquanto o cirurgião costurava o ferimento dela, eu me perguntei o que caralhos tinha feito. Mais tarde quando estávamos longe do caos do cais do porto procurei por ela, ela estava encolhida num canto, envolta no meu casaco, tremendo feito um filhote de foca. Cheirava a medo. A morte.

Aproximei-me, e ela encolheu os ombros.

— V… Vai me matar? — a voz dela era áspera, quebrada pela água salgada.

Agarrei seu queixo, forçando-a a me encarar.

— Se eu quisesse você morta, garota, teria deixado os peixes fazerem o trabalho.

Ela engoliu seco. Seus olhos eram verdes. Verdes como a porra do mar antes de uma tempestade.

— Então… o que você quer?

Soltei-a e recuei, os nós dos dedos brancos de tanto segurar minha raiva.

— Você vai trabalhar pra mim. Cozinhar. Limpar. O que for preciso.

— E se eu me negar?

Sorri, mostrando todos os dentes.

— Aí eu te jogo de volta lá embaixo.

Mentira. Mas ela não precisava saber disso.

Mais tarde, quando a tripulação dormia, voltei ao convés. Ela estava lá, encostada no mastro principal, olhando pro céu.

— Não consegue dormir? — perguntei, acendendo um charuto.

Ela não me olhou.

— Tenho medo de fechar os olhos.

Cuspi a fumaça pro lado, observando o tremor nas mãos dela. Dez anos mais nova. Dez anos mais pura.E ainda assim…

— O que fizeram com você no convento? — a pergunta saiu antes que eu pudesse pará-la.

Liora encolheu-se ainda mais.

— Diziam que eu… que eu atraía coisas ruins. Tempestades. Doenças. — Uma lágrima escorreu, mas ela a limpou rápido. — Mataram elas por minha causa. As freiras.

Eu não sou homem de consolar. Mas naquela noite, por algum motivo, me sentei ao lado dela. Nossos ombros quase se tocando.

— O mundo é uma merda — resmunguei. — Você ou aprende a nadar ou afunda.

Ela virou o rosto, e pela primeira vez, vi ela.

— E você? — sussurrou. — Afunda ou nada?

Sorri de novo, mas dessa vez, foi diferente.

— Eu sou o maremoto, garota.

E naquele momento, jurou que vi um canto da boca dela se erguer.

Só um pouco.

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