Inicio / Fantasia / Obsessão Abissal / CAPÍTULO 4: REFÚGIO
CAPÍTULO 4: REFÚGIO

TESSAR VRYNN

Eu não sabia o que estava acontecendo.

Estava no meu camarote, concentrado nas cartas náuticas, traçando uma rota que nos mantivesse longe da enseada de Lhamar, a ilha das sereias. Se fossemos pegos pelo seu canto, o navio inteiro poderia se perder. Era um risco que eu não estava disposto a correr.

Então começaram os golpes no casco.

Não parecia um canhão. O barulho era diferente, mais seco, como se algo estivesse se chocando contra a madeira repetidamente.

Saí do camarote em passos rápidos, o cenho franzido, já preparado para qualquer ataque, mas o que vi no convés me deixou surpreso. Meus homens estavam parados, olhando maravilhados para o mar. Alguns pareciam encantados, outros assustados. E quando segui seus olhares, entendi o motivo.

Peixes-espada se jogavam contra o navio. Um após o outro, como se tivessem enlouquecido. Alguns não sobreviveram ao impacto, caindo mortos na água ou deslizando pelo convés encharcado.

— Bem, não precisaremos de suprimentos essa semana, Capitão — disse Bjorn, o cozinheiro, com um riso satisfeito.

Mas minha atenção se desviou assim que olhei para o lado.

Lá estava ela.

Minha Liora

De joelhos no chão, esfregando o convés como uma maldita escrava qualquer.

O pano que usava estava imundo, rasgado, e suas mãos… suas mãos estavam vermelhas, feridas, os dedos trêmulos. Ela esfregava com tanta força que parecia querer arrancar a própria pele. Como se sua vida dependesse daquilo. Como se, se parasse, alguém a mataria.

O ódio subiu por minha garganta como veneno.

Fui até ela sem pensar duas vezes. Me ajoelhei, segurei suas mãos antes que ela se ferisse mais.

Ela se assustou. Olhou para mim como se estivesse diante de um demônio.

— Para. — Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava.

Ela tentou se soltar. Queria continuar.

Eu não deixei.

Puxei-a contra mim, a envolvendo em um abraço firme. Ela resistiu no início, o corpo tenso, mas então desabou. Como se, de repente, todo o peso que carregava tivesse ficado insuportável.

Aquele momento…

A forma como ela enterrou o rosto no meu peito, como procurou por mim no meio do caos, como segurou minha roupa com as mãos trêmulas…

Eu fui o porto seguro dela.

E aquilo me deu mais felicidade do que eu poderia admitir.

Carreguei-a nos braços, ignorando os olhares dos outros homens, e a levei para meu camarote. Seu choro era baixinho no começo, mas assim que a porta se fechou, os soluços vieram com força.

Ela queria ir embora.

Repetia isso entre lágrimas, como se implorar fosse mudar alguma coisa. Como se eu fosse soltá-la.

Não importava o quanto ela negasse, o quanto chorasse, o quanto tentasse esconder.

Eu sabia.

Sabia que algo a machucava. Que ela estava apavorada.

Que havia mais do que ela dizia.

Ajeitei-a no meu colo e segurei seu rosto com as duas mãos, forçando-a a me olhar.

— Você está segura.

Ela não respondeu. Apenas fechou os olhos e se aninhou mais em mim.

E eu fiquei ali.

Ouvindo os impactos no casco do navio ficarem cada vez mais fracos, até cessarem completamente.

Os peixes pararam.

E ela adormeceu nos meus braços.

Eu a segurei firme.

Nunca mais.

Nunca mais eu permitiria que ela se sentisse assim de novo.

Garrick entrou no camarote sem bater.

Levantei a mão imediatamente, mandando-o calar a boca antes que sequer tentasse falar. Ele me olhou, franzindo a testa, mas entendeu o recado. Fechei os olhos por um instante, respirando fundo, e olhei para Liora.

Ela dormia profundamente. Ainda respirava rápido por conta do choro, mas, pelo menos por agora, parecia em paz.

Eu a coloquei na cama com cuidado, puxei meu casaco e cobri seu corpo frágil com ele. Depois, sem fazer barulho, saí do camarote e fechei a porta devagar.

— O que aconteceu? — perguntei para Garrick assim que estávamos do lado de fora.

Ele cruzou os braços, o rosto sério.

— Os homens estão assustados.

— Com o quê?

— Com ela.

Fiquei em silêncio por um momento.

— Eles acham que temos uma bruxa no navio — ele continuou. — Dizem que é perigoso. Que podemos morrer… na melhor das hipóteses.

Senti minha paciência se esgotando.

Já esperava esse tipo de reação, mas ouvir aquilo em voz alta fez algo em mim se revirar.

Encostei no corrimão do convés e passei as mãos pelo rosto antes de encarar Garrick de novo.

— Reúna os homens. Quero todos na conversa.

Ele assentiu e saiu para cumprir a ordem.

Pouco tempo depois, todos estavam ali.

A tripulação inteira reunida.

Bjorn estava entre eles, o velho cozinheiro que conhecia há anos. Garrick ficou ao meu lado, os braços cruzados, atento a qualquer movimento dos outros.

Eu os encarei, um por um.

— Vocês estiveram comigo por doze anos — comecei. Minha voz saiu firme, sem hesitação. — Alguns até mais.

Olhei para Garrick, que assentiu.

— Mas hoje eu não falo apenas como Capitão. Falo como amigo.

O silêncio entre nós era pesado.

— Daqui a três dias, atracaremos em uma nova ilha. Não conhecemos esse lugar, mas sabemos que tem muitos habitantes. — Cruzei os braços. — Então vou deixar algo claro. Qualquer um de vocês que não quiser continuar no navio com Liora pode desembarcar. Não precisa mais navegar comigo.

Um burburinho surgiu entre os homens, mas ninguém falou diretamente comigo.

— Mas saibam disto — continuei. — Todos que ficarem devem tratá-la como uma igual.

Abaixei os braços e dei um passo à frente, deixando que minhas palavras carregassem o peso necessário.

— Não se julga alguém pelo que se vê. Eu entendo o medo de vocês. Mas Liora nunca machucou ninguém. E se algum dia fizer… eu tomarei as dores dela.

Meus olhos passaram por cada um ali.

— E, da mesma forma, qualquer um que a maltratar, que pensar em machucá-la, que ousar olhar torto para ela… será jogado ao mar.

Alguns homens arregalaram os olhos. Outros engoliram seco.

— Eu não me importo de navegar sozinho — finalizei. — Mas me importo que machuquem a única coisa que eu amo além do mar.

O silêncio que veio depois foi absoluto.

Nenhum deles ousou contestar.

Porque, no fundo, todos ali sabiam o que eu era.

Eu não era apenas um pirata. Nos vivemos anos de aventura, passamos por coisas horríveis e enfrentamos coisas piores ainda e nos sempre saímos vivos, éramos amigos e eles nunca me viram falar sobre uma mulher, já defendi, alimentei, cuidei e dormi com várias mulheres, mas nunca me apaixonei por nenhuma, uma barriga cheia não sente fome . Eu era um símbolo de esperança para esses homens.

E eles sabiam que, se eu dizia que Liora era intocável, então ela era intocável.

Sigue leyendo en Buenovela
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Escanea el código para leer en la APP