Liora Nix
Acordei depois do desastre dos peixes. O mar estava calmo, e o céu, mais estrelado do que nunca. Uma visão linda, quase irreal. O convés estava silencioso, apenas o marujo no topo do mastro montava guarda. Observei quando ele desceu devagar e, estranhamente, me desejou boa noite antes de seguir em direção à cozinha. Apesar do frio, não me cobri. Só queria sentir aquele momento, respirar a brisa salgada. A sensação de querer ir embora havia sumido, e isso era estranho. Ele fez isso comigo. De alguma forma, parecia ter arrancado a dor de dentro de mim com as próprias mãos. Me chamavam de bruxa, mas quem teve o poder de me acalmar foi ele. Ouvi passos lentos atrás de mim. Era ele. Por um momento, achei que fosse me abraçar por trás, mas ele respeitou meu espaço e sentou-se ao meu lado. — Se sente melhor? — Sua voz era baixa, quase um sussurro. Assenti sem encará-lo. — A tripulação pediu para que eu lhe agradecesse. Os peixes vão evitar que passemos a semana inteira comendo só batatas. Vem, vou levar você para comer. Ele segurou minha mão com urgência, e meu coração disparou. Quando levantei o olhar, seus olhos me prenderam. Não havia hesitação neles. Nenhuma preocupação. Me perdi. Fechei os olhos e o beijei, torcendo para não ser cedo demais. Mas, quando pensei em me afastar, ele me segurou pela cintura e me puxou de volta. Suas mãos ásperas me apertaram com posse. Senti o calor de seus dedos na minha nuca, a força sutil com que me mantinha ali, sua língua explorando a minha com fome. Meu corpo reagiu antes da minha mente, rendido ao toque, à urgência silenciosa daquele momento. Quando nos separamos, ainda estava entorpecida. Demorei a abrir os olhos. E, quando finalmente o fiz, ele sorria. Um sorriso enorme, como o de uma criança que acabou de ganhar um doce. TESSAR VRYNN Fiquei perdido naquele beijo. Já tive outras mulheres, mas nenhuma como ela. Nenhuma que eu amasse. Nenhuma que me fizesse querer ser cuidadoso, temer errar, machucá-la. Eu só queria ficar ali, preso naquele momento, num looping eterno e cheio de sentido. As mãos dela repousavam sobre meu peito, enquanto seus lábios me davam passagem para explorá-la, para me perder em sua boca quente e faminta. Sua língua se movia contra a minha com urgência, como se aquele beijo fosse tudo o que importava, tudo o que ela queria. Quando nos afastamos, ela ainda estava dentro do momento. Respirava rápido, os olhos verdes arregalados, assustados e, ao mesmo tempo, cheios de desejo. Eu queria continuar. Queria pegá-la no colo, levá-la para o meu camarote e mostrar a ela, de uma vez por todas, que era minha. Que sempre foi. Mas eu não faria isso. Não agora. Não enquanto seus olhos ainda carregassem aquele vestígio de dúvida. Eu queria que ela me pedisse. Que me desse abertura. Que aceitasse, que entendesse por si mesma. Que soubesse que era só minha. E que todos nesse maldito mundo soubessem disso também. Ainda estava olhando para Liora, que parecia claramente tímida depois do beijo. Senti um impulso de protegê-la, de cuidar dela. Abracei-a suavemente e disse: — Está frio, vamos pra dentro primeiro. Você come um pouco e descansa. Ela suspirou, como se quisesse sentir meu cheiro, mas acabou assentindo com a cabeça, obediente. Dentro, ela devorou o cozido de peixe que Bjorn preparou. O velho sorriu, orgulhoso. Ele cozinhava bem, mas não estava acostumado a ver alguém comer sua comida com tanta vontade. Aquilo claramente o animou. Liora olhou para a tripulação, que desviou o olhar assim que ela os encarou. — Me desculpem pela falta de educação — ela disse, calma e envergonhada. — Faz muito tempo que não como algo tão bom. O elogio fez Bjorn sorrir ainda mais. E, para terminar de conquistá-lo, ela acrescentou: — Obrigado pela comida, estava muito bom mesmo. Pela forma como o velho cantarolava enquanto limpava a cozinha, era nítido que ele já estava aos pés dela. E eu entendia perfeitamente o que ele estava sentindo. Acompanhei Liora até o camarote. Eu provavelmente passaria a noite acordado, lidando com as cartas náuticas. Algumas do nosso último saque estavam em outro idioma, e eu tinha um dicionário que roubamos junto, além de algumas notas de rodapé. Garrick me disse que talvez fosse espanhol, o que não mudava muita coisa. Precisava traduzir aquilo. Nunca havíamos passado pela Ilha das Sereias, e se não decifrássemos essas cartas, eu nunca seria o rei dos sete mares. — Está tudo bem? — ela perguntou, notando minha expressão preocupada. — Sim, bem... não. Esses textos são difíceis de traduzir, e chegaremos à Ilha Lhamar daqui a três dias, dois se o vento estiver bom e... — É espanhol — ela interrompeu, encarando os papéis na mesa com um olhar interessado. — Diz que nossos olhos nos enganam, a tentação e o desejo são a ruína do homem. Ela me olhou como se tivesse feito a coisa mais normal do mundo. —sabe falar nesse idioma ? – perguntei atônito — Sí, a la madre superiora le gustaba mucho leer, y algunos libros estaban en ese idioma y ella me enseñó a leerle cuando ella no podía. Fiquei intrigado. Não fazia ideia do que ela tinha dito, mas a maneira como ela falou aquelas palavras, com aquela voz suave e envolvente, me deixou com pensamentos que não eram exatamente sobre traduções. Vou pedir para ela falar assim toda vez que eu foder ela. — Entendeu? — aquela vozinha angelical me tirou dos meus pensamentos sujos. — Não — respondi rápido, tentando disfarçar. Mas meu pau estava duro demais para eu fingir qualquer coisa. — Eu disse que Sim, a madre superiora gostava muito de ler, e alguns livros eram nessa língua. Ela me ensinou a ler para ela quando não podia. Sorri com uma linha fina, e ela me olhou, indecisa. — Eu não escrevo bem, mas se quiser, posso ler, e o senhor Garrick escreve. Garrick? Por que o Garrick? Por que não eu? — Por que não eu? — perguntei, um tanto irritado. — Porque o senhor precisa descansar. Eu fico acordada à noite com Garrick, e dormimos pela manhã. Assim, você não fica cansado. Sorri. Ela queria cuidar de mim. Não tem mais espaço para eu me apaixonar, mas estou cada vez mais louco por ela. — Não, eu fico com você — insisti. — Tudo bem — ela assentiu, puxando a cadeira para se sentar. E assim, começamos a trabalhar.Acordei com uma dor de cabeça latejante. A noite passou rápido demais, e meu corpo parecia pesado, como se não fosse realmente meu. Nunca tinha bebido rum antes; ontem foi a primeira vez. Espero, de verdade, que tenhamos terminado a tradução das cartas. — Boa tarde, moça — Bjorn disse, entrando no camarote com um sorriso animado. — Tarde? — perguntei, confusa, enquanto me sentava na cama. — Você nunca bebeu, né? — ele riu, colocando uma tigela de caldo de peixe na mesa ao lado da cama. — Não, em 27 anos. — Isso se vê — ele respondeu, rindo baixinho. — Trouxe caldo de peixe pra você. Vai ficar enjoada, mas vai melhorar, tá? — Obrigada, Bjorn. Você é um amor. Ele sorriu, como se eu tivesse feito a melhor coisa do mundo. Quando ele saiu do camarote, sua alegria pareceu me contagiar, mesmo com a cabeça latejando. A porta se abriu devagar novamente, e ele entrou. O cheiro dele invadiu minhas narinas, e tudo ficou lento. Vi ele andando em minha direção, devagar, como se o te
Tessar Vrynn Duas noites. Malditas duas noites com ela naquele estado, e ainda nem chegamos à enseada de Lhamar. Se eu ficar, Liora não vai passar por tudo isso, mas se não ultrapassar a ilha, nunca serei, de fato, o rei dos Sete Mares. Que pirata maldito eu seria se temesse mulheres-peixe? — Capitão, estamos a todo pano, como o senhor mandou, mas... O senhor tem certeza? A senhorita Nix não parece nada bem. Olhei por cima do ombro para Garrick, meus olhos cheios d’água. A cena dela amarrada veio outra vez à minha mente, e eu levei a mão ao rosto. — Senhor, talvez, se dissesse a ela... talvez… Toquei o ombro de Garrick e desci as escadas do camarote. Havia pouco que eu não faria se Garrick me aconselhasse. Ele era um demônio do mar quando o conheci, tinha perdido esposa e filhos para uma doença e se embebedava todas as noites até ficar sem dinheiro para pagar. Quase morreu depois de ser espancado pelo dono da taverna. Eu saldei sua dívida e o convidei para navegar comigo. — Um h
Tessar VrynnMeu pequeno problema. Ela é tão linda… Não sei por quanto tempo serei humano e evitarei tomá-la.— Está quente. Você se sente bem?— Sim, me sinto bem. Mas já que você não pode sair, vamos dormir na mesma cama? — Os olhos dela brilham. Essa voz doce é linda. Qualquer homem cederia ao desejo, mas eu não sou qualquer homem. Eu sou Tessar Vrynn.— Não. Pode ficar com a cama, tenho muito a fazer — respondi, colocando-a no chão e me virando para sentar na cadeira.— Tudo bem, capitão Vrynn, irei dormir agora. Eu ganho um beijo de boa noite?Caralho. Ela sentou de perna aberta no meu colo. Que visão maravilhosa. Engulo seco, imaginando as diversas formas de fodê-la.— Um beijinho? — ela pede de forma manhosa, se aproximando de mim.O beijo dela é anestesiante. Nessa posição, ela me tem nas mãos.— Não faça isso. Posso machucar você, meu pequeno problema.Ela sorri com essas malditas covinhas lindas.Não curtimos muito tempo. Ouço os gritos de Asher no convés.— Não saia. Mesmo
Tessar voltou, mas acho que não quer ficar perto de mim. Ouvi quando ele se deitou novamente no chão. Dessa vez, não vou até lá—talvez ele precise do momento dele.Levantei-me devagar, pra não acordá-lo, eu só queria o casaco que estava atrás da porta. Eu estava seminua e não queria que mais ninguém me visse assim, então precisava pegar o casaco dele. Me vesti e voltei para a cama. Estava tão frio que, parecia que ele ia penetrar meus ossos.Tessar continuava deitado naquele chão gelado. Peguei um dos panos que me cobriam e por preocupação o coloquei sobre ele, tentando lhe dar um pouco de calor. Depois, voltei para a cama em silêncio, pé ante pé, para que ele não me visse. Deitei-me novamente, cobrindo-me até a cabeça, e virei o rosto para a parede do navio.Dessa vez, eu não estava apenas com medo. Eu estava apavorada. Mas não por mim. O medo de que ele se ferisse por minha causa fazia meu estômago revirar, e era horrível.Ouvi passos na escada do camarote, mas não me virei. Garric
Enquanto remava, me permiti chorar. O mar era enorme; Tessar não me encontraria fácil. O destino não seria tão cruel comigo.Eu trouxe as frutas e a água do camarote, além de um único mapa que estava sobre a mesa – provavelmente a rota de fuga da Baía da Espuma, caso a noite chegasse e ainda estivéssemos lá. Meu coração apertou ao ouvir um grito. Era inaudível, mas eu sabia que era a voz dele. Meus braços se moveram agilmente para frente, como se quisessem voltar. Maldito medo que sempre nos faz querer retornar para algo que claramente não é para nós.Que se dane o mundo. Eu estou viva, e até meu coração parar de bater, vou atrás do que faz meu peito pulsar.Senti meus olhos se encherem d’água e fiquei feliz ao perceber que minha coragem era maior que meu medo. Bem, pelo menos até a noite chegar. Não é que eu tenha medo do escuro – é que sinto verdadeiro pavor. Meu corpo trava, eu começo a suar frio, e então congelo, sem conseguir me mover.O pensamento me levou à cela onde fiquei
Me assustei ao ouvir gritos. O barulho de homens trabalhando. Passos na escada. Meus olhos ainda não haviam se acostumado à escuridão, e meu primeiro impulso foi me proteger. Encontrei uma pena sobre a mesa à minha frente. Me armei com ela. Ele entrou. Sua presença era forte. Imponente, como se carregasse o mundo nas costas. — Oi, minha jovem. — Sua voz invadiu meus tímpanos como adagas, talvez pelo tempo em silêncio. — Onde estou? — perguntei assustada, segurando a pena atrás das costas. — Bem... — Ele começou. — Este é o meu navio, O Vingança da Rainha Ana. Olhei para ele, esperando que dissesse mais alguma coisa. — Não sabe mesmo onde está? Você... — Como cheguei aqui? — É uma história engraçada. Uma garça bateu no meu imediato. Creio que eu fosse o alvo, mas estava dormindo, então meu imediato foi avisado por ela que você estava à deriva. Eu sabia que ele estava falando de Katar, mas não queria demonstrar fraqueza. — Então... seu
TESSAR VRYNNO Capitão Barba Negra praticamente nos obrigou a participar da festa. Não que eu reclamasse — afinal, uma noite de rum e risadas era algo raro em alto-mar —, mas eu sabia que aquela exceção tinha um motivo. Ele havia reencontrado Garrick, seu filho, depois de tanto tempo.Garrick não era um filho perdido. O Capitão se envolveu com uma mulher em Dessrosa e, dessa noite, veio Garrick, que, nove meses depois, chegou ao navio dentro de uma caixa de mariscos. Temendo pela segurança do menino, o capitão não o levou para o alto-mar. Pagou a uma conhecida para cuidar dele e deixou uma quantia significativa de dinheiro para que tivesse uma boa vida e bons estudos. Mas filho de peixe, peixinho é, e Garrick se tornou um pirata aos 15 anos. Apaixonou-se em uma ilha qualquer e ancorou ali mesmo.Mas ele perdeu tudo. Nunca disse como ou por quê, mas voltou a navegar comigo depois que salvei sua vida.— Capitão, vamos, beba! — Jarek encheu meu copo, arrancando-me de minhas lembranças.A
Meu corpo parecia estar sendo eletrocutado. Cada vez que ele abria a boca, meu corpo respondia. Estamos longe da Baía da Espuma, então por que estou me sentindo assim? Meu corpo queima. O frio na minha barriga, ao invés de me congelar, me aquece. Não sei o que acontece quando ele age assim... dessa forma que eu não sei descrever. Ele tem efeito sobre mim.— Aai... — deixei escapar um gemido que não deveria enquanto ele me colocava sobre a mesa. Ele me olhou como se fosse me devorar, mas parecia estar com raiva.— Eu não posso fazer isso. Se você disser não, vou usar o resto da minha racionalidade pra sair daqui.Eu não ouvi nada do que ele disse. Só o jeito como falava devagar e ofegante fazia eu me sentir embriagada. Toquei a boca dele com o dedo, deslizando até o peito.— Eu vou fazer o que você quiser.Ele parecia queimar enquanto eu falava. Eu sabia que havia raiva ali, mas não sabia que sentimento era aquele que deixava seu olhar como o de um lobo faminto diante de um pedaço