LIORA NIXDoze dias se passaram. Eu já estava me acostumando a cuidar da tripulação, ajudar a limpar aves, pegar água e, às vezes, depois de Tessar dormir, Alarde Garrick me ensinava a navegar ou a lutar. O velho Bjorn sabia várias histórias antigas sobre a Deusa do Mar e seus feitos aterrorizantes. E eu sempre prestava atenção—lendas se tornam lendas porque são importantes.O mastro do navio finalmente foi reposto, e as velas, costuradas. Fiquei assustada quando vi que Tessar usou uma parte da pele de Asher e Jorrik para costurar a bandeira no navio. Mas não disse nada. Tessar parecia estressado nos últimos dias, e eu não queria problemas. Ele pediu que eu dormisse no navio. Creio que suspeite das aulas de Garrick. Tomara que ele não o machuque... Eu não me perdoaria.Saímos da ilha antes do amanhecer. O mar estava calmo, mas uma tempestade crescia dentro de mim. Eu sabia que ela voltaria. E se, dessa vez, não houvesse uma ilha por perto? Toda a tripulação poderia morrer. Isso estava
Tessar VrynnO vento cortava como facas, e as ondas levantavam o navio como se fosse um brinquedo.— Capitão! — Garrick gritou. — Não podemos abrir mão dos suprimentos! A próxima ilha está a quase doze dias daqui!Pensei por um instante, imaginando o que faria.— Todos abaixo! Apenas cinco homens comigo no convés! Recolham as velas e preparem os remos!— Capitão, pode ser...— Agora, Garrick! — o interrompi. — Não vou perder ninguém aqui hoje.Ele ficou, junto comigo, enquanto o restante da tripulação desceu para segurar os remos, caso o mar tentasse nos afundar. Estavam assustados. Qualquer pirata ficaria ao ver o tamanho das ondas colossais que nos atingiam.O cheiro de lírios inundou o ar no instante em que uma onda monstruosa se ergueu diante de nós. Eu me preparava para a morte quando a vi no convés.Liora.Estava de pé, os braços abertos e os olhos brilhando em âmbar. Sangue escorria de seus pontos abertos, misturando-se à água da chuva.— Porra, Liora! — gritei, tent
No sétimo dia, Liora parecia querer mexer com a minha mente: seus olhares subliminares, seus toques atrevidos, seu jeito de falar."Não posso fazer isso. Ela ainda está ferida. Vou mantê-la segura de mim", pensei, encostando-me ao leme para que os outros não percebessem a minha ereção involuntária, causada por Liora.Naquela noite, no convés, senti o cheiro de lírio. São seis meses no mar, e ela ainda tem cheiro de flor fresca. Meu Deus, eu amo essa mulher.Vi-a passeando entre a tripulação, que conversava com ela como se já fosse um deles. E realmente parecia que ela era uma pirata. Usava um vestido claro e leve, que mais parecia uma roupa de baixo. Estava aprendendo sobre navegação com Garrick, lendo mapas e, curiosamente, apaixonou-se pelo mapa do Fosso — influência das histórias de Bjorn, imagino. Quando me viu, curvou-se sobre a mesa, marcando cada curva daquele corpo moreno que me tirava do sério. O cabelo cacheado, molhado, escorria pelo pescoço, e ela fez questão de arrumá-
Tessar Vrynn A primeira vez que a vi, pensei que fosse um fantasma.Estava escondido atrás dos rochedos, o cheiro de sal e sangue velho entupindo minhas narinas. A aldeia de Tallinn era um cemitério de pedra à beira-mar, onde as ondas batiam como punhos famintos. Os abutres estavam todos lá: velhas de véu preto, homens com rostos de cobra, e aqueles malditos sacerdotes de túnica vermelha. No centro, uma garota. Ela estava de pé na borda do penhasco, os pulsos amarrados com corda de cânhamo, o vestido branco colado ao corpo por causa do vento e da brisa que o mar trazia. Sangue escorria da barriga dela, onde uma adaga de cabo enferrujado Ainda estava cravada— aquela merda de ritual . Praguejei sozinho. Ela não era só bonita, havia algo mais. o seu rosto pálido contrastava com os cabelos castanhos, seus lábios azulados e olhos vermelhos de tanto chorar quase me hipnotizavam . Mas não gritava. Não pedia ajuda. Apenas olhava para o mar, como se já estivesse morta. Um dos sace
O cheiro dela me perseguia. Não importava quantos litros de rum eu afogasse na garganta, quantas vezes eu esfregasse o rosto com água salgada. Lavanda e sangue. Era o que ela exalava, mesmo depois de eu ter jogado aquele vestido podre de sacrifício ao mar. Lavanda das freiras mortas. Sangue do corte que ainda latejava no ventre dela. Eu a observei da escotilha, escondido nas sombras como um cachorro faminto. Ela estava no meu camarote — meu espaço, minhas paredes marcadas por facas e mapas roubados —, sentada no chão, encolhida contra a cama. Os dedos dela traçavam o contorno de uma mancha de vinho no madeirado, como se ali estivesse escrito algum tipo de salvação. — Vai ficar a noite toda encarando ou vai entrar? — a voz dela saiu rouca, mas firme. Entrei, fechando a porta com o pé. O Arraia negra rangia como um velho reclamão, mas ali, naquela sala apertada, o único som era a respiração dela. Curta. Controlada. Assustada.— Você devia estar dormindo — gritei, mais para me conven
Tessar Vrynn A primeira regra do mar: nunca confie em um céu azul. Acordei com o cheiro de eletricidade no ar — aquele odor metálico que precede os piores pesadelos de qualquer marinheiro Arraia balançava suave, mas minhas entranhas sabiam. Uma tempestade vinha. E não era qualquer vendaval. Era aquela espécie de tormenta que faz até os tubarões se esconderem. Encontrei Garrick no convés, os olhos grudados no horizonte. — A leste — ele murmurou, apontando para uma mancha cinza que se aproximava como uma avalanche de água e raios. — Vai ser pior que a maldita Noite dos Cascos Partidos. Eu cuspi no chão. A Noite dos Cascos Partidos foi quando perdi metade da tripulação para um redemoinho. Os homens ainda sussurravam sobre isso nas noites de rum. — Prepare os canhões de amarração — ordenei. — E amarre tudo que não estiver preso ao casco. Garrick hesitou, o queixo apontando para a escotilha do meu camarote. — E a garota? A palavra saiu como um veneno. Não respondi
LIORA NIXNão fazia ideia do porquê Tessar estava tão bravo comigo, mas também… o que eu podia fazer? Eu só tinha que continuar limpando, fazendo o que mandassem. Era isso que um escravo fazia, afinal. Só percebi que estava chorando quando senti algo quente escorrendo pelo meu rosto. Limpei rápido, desesperada, antes que alguém visse. Se me pegassem chorando, eu podia acabar sem comida. Ou pior… com o chicote cortando minhas costas de novo. O pensamento da dor me trouxe memórias ruins, e meu estômago roncou. Fazia dois dias que eu não comia nada além do pedaço de pão e queijo que Tessar me deu. Depois disso, não tive coragem de tocar na comida. Todos acreditavam que, se eu comesse, a comida ficaria amaldiçoada. Que ninguém mais conseguiria comer. Que adoeceriam, morreriam de fome, e o navio se tornaria um navio fantasma… tudo por minha causa. Meus olhos começaram a arder, e o mar… o mar começou a se agitar. Eu pisquei, e no reflexo da água percebi que meus olhos, antes verdes, agor
TESSAR VRYNN Eu não sabia o que estava acontecendo.Estava no meu camarote, concentrado nas cartas náuticas, traçando uma rota que nos mantivesse longe da enseada de Lhamar, a ilha das sereias. Se fossemos pegos pelo seu canto, o navio inteiro poderia se perder. Era um risco que eu não estava disposto a correr.Então começaram os golpes no casco.Não parecia um canhão. O barulho era diferente, mais seco, como se algo estivesse se chocando contra a madeira repetidamente.Saí do camarote em passos rápidos, o cenho franzido, já preparado para qualquer ataque, mas o que vi no convés me deixou surpreso. Meus homens estavam parados, olhando maravilhados para o mar. Alguns pareciam encantados, outros assustados. E quando segui seus olhares, entendi o motivo.Peixes-espada se jogavam contra o navio. Um após o outro, como se tivessem enlouquecido. Alguns não sobreviveram ao impacto, caindo mortos na água ou deslizando pelo convés encharcado.— Bem, não precisaremos de suprimentos essa