Obsessivo
Obsessivo
Por: Liliane Mira
UM

Melinda

— Infelizmente, todas as vagas foram preenchidas, senhorita! — O rapaz informou me dispensando. Novamente um não! Não sei vocês, mas acho horrível receber um não.

E isso não é novo, recebi muitos nãos no decorrer da minha patética existência. Há, vocês não fazem ideia! Fui rejeitada pelo meu pai, minha mãe se casou com um homem desprezível que, tenho até pavor de lembrar. Minha rainha morreu quando mais precisava dela, resumindo, nada foi fácil na minha vida, e pelo que vir não será tão cedo… Resumindo, o destino foi foda comigo, simplesmente assim. Não estou me lamentando, longe disso, apenas estou cansada, e se fosse possível gostaria de sentir paz, pelo menos uma vez.

— Agradeço pela oportunidade, senhor, tenha uma excelente tarde! — Disse saindo de cabeça erguida. É nessas horas que sinto falta da minha mãe, ela sempre sabia o que dizer. Engoli o choro e pensei na fé que ela sempre tinha. É isso, não posso perder a fé, ao contrário do que todos dizem a fé, não pode morrer em nossas vidas, loucos são aqueles que pensam dessa forma.

— Levanta a cabeça, Melinda Campbell… — Falei para mim mesma. Já que não tenho ela para me motivar, concretizo eu mesma. Sou uma mulher negra de 23 anos, independente e com muitos sonhos. Não será mais um não que vai me paralisar.

Hoje, resido aqui em Moscou, a capital da Rússia, porém vivi toda a minha infância e adolescência no Brasil. Nasci aqui, todavia quando fiz 9 anos, eu, e minha mãe fomos embora para o Brasil com o novo esposo dela. Sou a cópia exata dela. Seus olhos castanhos, seus cabelos cacheados. Mesmo pensando que ela era uma mulher linda, não vejo isso em mim. Me sinto sem graça, e sem nenhum atrativo.

Não que eu pense em me envolver com alguém. Sou virgem, e não pretendo me entregar a qualquer um, pelo contrário, desejo me envolver com o homem que abale as minhas estruturas. Que me enxergue, antes de ver o meu corpo, que olhe para mim como a mulher mais linda do mundo. Vocês podem dizer ser um absurdo, que fazer sexo casual é normal, pois todo mundo faz. Porém, direi uma coisa a vocês: não sou todo mundo. Nasci para fazer e conquistar grandes coisas, então, não negocio meus valores com ninguém. Posso até me entregar a um homem, mas aquele que o meu coração escolher. Saio dos meus devaneios, com o toque insistente do meu celular.

— Oi, Nat! — Saudei o mais, tranquila possível. Ela é uma das minhas melhores amigas. Ela, Lara e Nick. Somos inseparáveis.

— “Que voz é essa?” — Indagou séria. Nada escapa dessa doida, nem sei porque tento.

— Sair para procurar emprego, e não achei nada.

— “Oh Mel, não fique assim conseguirá algo, sei disso.” — sorriu carinhosa — “Ei, amanhã quero que almoce comigo!”

— Claro, que horas nos encontramos?

— “No meu horário de almoço, sua lerda.” — Avisou gargalhando.

— Eu não vou lhe dizer quem é besta, porque sei que patrocinará meu almoço, se não fosse isso… — Falei deixando em aberto.

— “Você não falará por que me ama. Agora beijo sua gostosa, meu horário de almoço acabou.”

— Tchau, até amanhã! — Desliguei ainda sorrindo. Ela sempre teve esse dom, de me fazer sorrir. Conhecemo-nos há cinco anos. O dinheiro que tinha, deu apenas para algumas semanas, antes que acabasse, procurei emprego. Consegui em um bar, e foi lá que conheci Natasha que, carinhosamente, chamo de Nat. Logo de cara nos demos super bem, e ela do jeito que é observadora, percebeu que não me encaixava naquele lugar. Conectamo-nos logo de primeira.

Ela me ajudou, achou um emprego para mim em uma cafeteria, foi onde me identifiquei, e fiquei até um mês atrás. O problema foi que, o dono faliu e todos que trabalhavam para ele, foram demitidos.

Cheguei na minha pequena casa, eu digo pequena sem nenhuma brincadeira. Minha casa é um ovo, divido a sala com a cozinha, tenho um pequeno banheiro e um quarto menor ainda. Só da minha cama e uma pequena cômoda que coloco minhas roupas que não são muitas.

Entro no meu quarto, deixo minha bolsa em cima da cômoda e tiro minha roupa suada.

— Eca! Detesto ficar dessa maneira.

É falo sério. Ouço muitos falando que negro é fedido, é imundo e blá blá blá. Não concordo, claro. Sou uma mulher limpa, detesto sujeira. Mas, não é apenas isso. Na época que morei no Brasil, aprendi a me banhar três vezes ao dia, mesmo agora morando em Moscou, continuo com esse hábito, mesmo que o frio esteja de rachar, não abro mão disso. Li em algum site que os portugueses se invocavam com o hábito dos nativos de se banharem por diversas vezes ao dia, todavia, não é nada novo. Segundo documentos de mais de três mil anos, o ato de tomar banho era sagrado para os antigos egípcios, e parecia ser uma forma de purificar o espírito do indivíduo. Alguns especialistas dizem que, o ritual acabou afugentando essa civilização de várias epidemias e pragas comuns à Antiguidade. Então, resumindo: tomar banho é bom demais, e eu gosto muito.

Entrei no banheiro do jeito que vim ao mundo, embaixo da água quentinha, tomo cuidado para não molhar minha juba. Meus cabelos são cacheados e muito cheios. Eles são tipos quatro, quem conhece os tipos de cabelos sabe que estou falando. Para ser mais específica ele é tipo quatro C, me dão um trabalho, além de ser volumosos, são enormes, então para não me estressar eles ficam constantemente presos em um coque abacaxi.

Após o banho, visto uma calça de moletom e uma camisa longa masculina. Não tenho dinheiro para comprar roupas para dormir, são muito caras, então optei por camisas masculinas, são mais confortáveis. Quem não sabe Moscou faz muito frio, às vezes até neva, tem dias que passo mais com o frio. Minha casa não tem aquecedor, infelizmente.

— Bem, agora matemos quem está nos matando! — Comentei rindo. É umas das coisas que mais gosto de fazer. Comer! Sério, sou ótima nisso, apesar que nesses dias estou regrando até isso. É isso, ou morro de fome.

Fui à minha pequena cozinha e fiz ovos mexidos com bacon e uma salada para acompanhar. Quando termino, escovo os dentes, me deito na cama e vejo algumas mensagens no celular, não me demoro muito, logo desligo a luz do abajur e tento dormir. Não foi fácil, pois as preocupações me consumiam. É nessas horas que sou bombardeada, na hora do sono. Suspiro bocejando, depois de duas horas consigo dormir, que maravilha.

Acordei bem cedo. Três vezes por semana faço uma corrida matinal, então já sabem como é minha roupa né, a mais pesada que tenho no meu guarda-roupa. Não quero ficar sedentária, morei tanto tempo no Brasil, um país quente, tenho medo de cair na rotina e perder o controle do meu corpo. Corro bastante para tentar esquecer os problemas quando percebo que o cadarço do meu sapato do lado esquerdo está desamarrado.

__ Droga! Agora terei que parar. __ Declarei irritada. O fato de parar significa que o meu corpo vai se acalmar com a adrenalina, aí terei que recomeçar.

Aff

Paro próximo a um carro, abaixo e amarro o sapato, mas quando estou para levantar, um homem passa correndo e por pouco não me derruba ao chão.

Idiota!

Nem parou para pedir desculpa. Resmunguei contrariada, contudo, algo me chamou a minha atenção. Não foi sua face, pois não a vi tão rápido que correu, o que me chamou a atenção foi o cheiro do seu perfume. Artemísia, Alcaravia, Coentro, Bagas de Zimbro, Manjericão e Bergamota, foi o que consegui identificar. Meu olfato é excelente, e o fato de ter prestado tanta atenção no cheiro do desconhecido me desconcertou.

Voltei a correr me sentindo tola. Em vez de continuar na mesma direção que ele, volto por onde passei. Para mim essa corrida já deu, e também não quero encontrar o homem, vai que eu aja que nem uma idiota. Não sei lidar com o sexo oposto. Sou um tremendo desastre.

— Esqueça esse homem misterioso, Melinda! — Pedir a mim mesma, tentando pensar em outra coisa. Pelo que vi, é cheio de grana, sei disso pelas roupas que vestia quando corria, ou seja, tudo de marca. Ele jamais olharia para uma, Zé-ninguém como eu. Chego em casa com a energia renovada, tomo um banho rápido e me arrumo para colocar currículo.

— Droga!

Passei o dia todo colocando currículo e como sempre, recebendo um não.

Cheguei ao restaurante onde Nat trabalha, entrei pelos fundos. De tanto ir lá conheci muitas pessoas, ainda não tive contato com a dona, mas os restantes, sim, e posso dizer que todos são incríveis.

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