DOIS

Melinda

— Linda! — Nat me saúda chamando a atenção do resto do pessoal da cozinha. Sorri abraçando-a e lhe puxei para um cantinho.

— Por que está aqui na cozinha? — Perguntei, pois sempre ela almoça no salão  antes de abrir, mas hoje não, está na cozinha com os demais funcionários.

— Hoje pela manhã não abrimos, a nossa chefe está um pouco estressada. — Comentou dando de ombros.

— Problemas? — Perguntei preocupada. Não gosto de ver ninguém com adversidade que tento ajudar, pelo menos da forma que posso. Claro que não quero que nada respingue em meus amigos, já basta uma desempregada no grupo.

— Acredito que sim, Mel! — Nick respondeu em vez de Nat! Sorri desgostosa para ele antes de respondê-lo.

— Disso entendo muito bem, meu amigo! — Falei lhe dando um abraço apertado, daqueles de se sentir em casa. Nikolai é um bom homem, o mais velho de todos, possui 40 anos, a saúde como de um leão.

Falei e todos gargalharam.

— Você está cada vez mais linda, Mel!

— Obrigada Nik! O Sr. não fica atrás.

— Pare de dá em cima de Mel, Nikolai. __ Nat disse sorrindo.

— Não estou fazendo nada disso, estou elogiando, é totalmente diferente sua linguaruda. __ Falou sem antes dar língua para ela. Gargalhe com implicância dos dois. Posso não ter muita coisa, mas o que tenho me faz feliz, me basta. Pelo menos por enquanto.

— Que horas almoçaremos?  — Perguntei quando minha barriga deu sinal. Rir sem graça, pois todos eles ouviram o monstro gritando. Bem, em minha defesa, não me alimentei pela manhã, apenas um copo de café, isso não é suficiente.

— Ponderei almoçarmos aqui. — Ele informou enroscando meu braço no seu, me levando para o salão. Chegamos e os demais funcionários já se alimentavam. Havia um burburinho, todos conversavam, mas um bom observador veria a preocupação estampada na face de cada um.

— É verdade, Melinda canta lindamente. —  Natasha declarou para minha vergonha. Nunca cantei para muitas pessoas, apenas para minha falecida mãe e Nat.

— Canta para gente Mel! —  Lara pediu ansiosa. Balancei a cabeça em negativo, me sentindo nervosa de repente.

— Aí gente, não quero!

— Por favor, canta Melzita! — Minha amiga insistiu. Fiquei tentada a negar novamente, contudo desistir, eles fazem tanta coisa por mim.

— Tudo bem! Não consigo negar nada para vocês. — Sorri. Levantei-me e fui até um pequeno palco e peguei um violão. Lara já havia me dito que uma banda tocava pela noite. Comecei a dedilhar os primeiros acordes, optei por uma canção brasileira que minha mãe amava cantar. Com quem vocês supõem que aprendi a tocar e cantar? Ela era uma linda musicista, infeliz precisou abandonar o seu sonho quando se casou com o meu padrasto. Parei de pensar nesse ser desprezível que casou com minha mãe.

— “O meu desafio é andar sozinho

Esperar no tempo os nossos destinos

Não olhar pra trás, esperar na paz

O que me traz

A ausência do seu olhar…” —  Entoava com tanta emoção que não percebi que todos se calaram para me escutar. Não sabia precisar tanto disso.

— “Oh meu Deus me traz de volta essa menina

Porque tudo que eu tenho é o seu amor

João de Barro eu te entendo agora

Por favor, me ensine como guardar meu amor

Meu amor…” —  Encerrei a canção  observando a dona do restaurante que me encarava compenetrada. Agradeci os aplausos e coloquei o instrumento no lugar onde achei.

Fodeu! Pensei antes de ver a mulher vindo para nossa mesa, ainda séria. O pessoal me elogiava, só que nada escutava, pois a preocupação deles se prejudicarem por minha causa tomou toda a minha tensão.

— Amiga sempre me emociono quando a ouço cantar! —  Nat comentou. Não correspondi seu elogio, pelo contrário lhe mostrei sua patroa. Ela cochichou um puta merda, depois voltou-se para sua patroa.

— Senhorita, me acompanhe até o meu escritório, por favor! — Disse e logo em seguida saiu nos deixando apreensivos.

— E agora meus amigos? — suspirei desanimada —  Não se preocupem, falarei que a culpa foi minha, nenhum de vocês sofrerá por isso.

Fui ao encontro da senhora Raíssa, a dona do restaurante com o coração na mão. Entrei no escritório e ela fez um gesto para eu sentar. Sem frear os meus impulsos, tomei a palavra.

— Senhora me perdoe, isso não vai se repetir, foi toda a minha culpa. __ Declarei passando uma mão na outra com uma agonia sem fim.

— Calma menina! — exclamou rindo — Para o que você julga que a trouxe nesse escritório?

— Para reclamar por pegar o violão e cantei no seu estabelecimento! — Exclamei em um fio de voz. Só que a mulher começou a gargalhar, rapaz, não estava entendendo nada.

— Então, não foi para isso?

— Claro que não, sua boba. Você devia ver como estava sua cara. Comentou. Não aguentei toda situação, o mico que paguei, acabei entrando na mesma onda dela. Rir de mim mesma.

— Na verdade, gostaria de lhe oferecer um trabalho.

— Que tipo de trabalho? —  Indaguei não acreditando no que acabei de ouvir. Se soubesse precisar apenas cantar para conseguir um trabalho, já tinha feito.

— Olha, estou meio que ferrada, quero colocar algo novo no meu restaurante, música ao vivo. Porém, o cantor que contratei infelizmente ficou doente terminal, ou seja, fiquei na mão. Estou irritada sem saber o que fazer, porém, quando a ouvi cantar, senti que tudo se encaixava. Nossa você é perfeita. Nada entendi sobre a letra, mas a sua voz é maravilhosa.

— Senhora Raíssa eu… Nunca cantei profissionalmente. — Disse assimilando tudo.

— Isso é o de menos, o seu talento é nato. Por favor, aceite! __ Pediu juntando suas duas. Ponderei a situação. Droga! Minha vergonha está gritando para não aceitar, contudo, estou no vermelho. Se não achar um emprego urgente, ficarei na rua da amargura.

— Aceito senhora!

A mulher levantou sorrindo, batendo palmas e me abraçou. Penso que ela estava aflita mesmo.

— Obrigada menina!

— Quando começo? —  Inquirir ansiosa.

— Semana que vem, quero uma grande festa para anunciá-la! —  Revelou tão ávida quanto a minha pessoa. Conversamos mais um pouco, tratando sobre o salário que é muito melhor do que eu ganhava na cafeteria. Assim que combinamos tudo fui para o salão.

— Amiga! __ Nat lançou vindo em minha direção. Resolvi brincar um pouquinho com eles.

— Oi!

— Meu Deus, me diz o que foi que ela falou. Ai meu Deus, perdi meu emprego. — Falava sem parar, sem ao menos me dar a chance de dizer algo. Comecei a rir descontroladamente, apenas isso a fez se calar. 

— Qual é a graça menina? —  Nik questionou cruzando os braços bufando.

— Vocês! Cara era para eu filmar. 

— Não seja idiota, fala logo, porra! —  Mandou nem um pouco elegante. Vocês viram o seu carinho por mim, né? Natasha  é um amor de pessoa.

— Calma, sua grossa, não sobrou para ninguém. Você ainda tem seu emprego, Nat, quer dizer todos vocês.

— Se não é isso, por que ela lhe chamou?

— Para me oferecer um emprego!

— O quê? — Berraram juntos.

— Olhem para a mais nova cantora desse restaurante. — Anunciei orgulhosa. Não consegui conter minhas emoções. Eles sabiam que não está fácil para mim.

—  Oh! —  Nat falou me abraçando.

— Quando começa? — Lara perguntou entrando no abraço, Nik não resistiu e efetuou o mesmo. 

— Semana que vem!

— Estou feliz que trabalharemos juntas. —  Nat disse beijando o topo da minha cabeça.

— Eu também! — Respondi animada. Conversamos um pouco mais, depois me despedi de todos e fui embora. Preciso informar ao meu senhorio que não precisa me despejar. Hoje pela manhã, acordei sem nenhuma expectativa, e agora chegarei em casa com um emprego. Algo que amo fazer. Não que seja a profissão do meu sonho. Desejo assim que me estabelecer, fazer uma faculdade de contabilidade. Podem falar, que horror por que essa profissão? Simples! Amo, números, isso é desde pequena.

Acredito que vocês não entenderiam. Meu amor é tanto que gravei a letra grega (π) que simboliza o Pi. É bem provável que essa letra foi escolhida pelo significado de uma “uma coisa que não pode ser materializada ou executada.” A letra grega é a primeira letra do nome περίμετρος, que significa perímetro. Porque é isso que o Pi faz, calcula o perímetro e o diâmetro. Bem, é isso. Basta falar em números que faço de tudo para que as pessoas os vejam como eu os vejo. Incríveis!

Saiu do restaurante feliz da vida com uma vontade imensa de gritar, mas me contenho até chegar em casa, lá gritarei até perder a voz.

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