POV: Linnea
A luz forte atravessou a venda que cobria os meus olhos, me fazendo acordar e sentar na pequena gaiola onde cresci. Desde que fui comprara pelo mestre naquele leilão, eu desejava não despertar na manhã seguinte. O som de metal batendo me assustou. Segui o som até a lateral da gaiola, o arrastar e ranger, assim como o cheiro da ferrugem, me alertaram que a pequena porta estava sendo aberta. Me encolhi em um canto enquanto o cheiro da comida chegava ao meu nariz.
― Coma logo, o chefe tem planos para hoje. ― O homem falou de forma ríspida, batendo a grade a trancando novamente.
Puxei a bandeja, sem saber exatamente que comida era aquela, o odor azedo forte surgiu quando remexi a comida com o talher. Já fazia tanto tempo que eu não comia algo fresco que não lembrava os sabores, ou mesmo as cores daquelas comidas. Após comer, coloquei a bandeja novamente junto as grades e me encolhi no outro canto.
O chão começou a vibrar com os passos de várias pessoas se aproximando. Meu corpo começou a tremer involuntariamente, então cobri minha boca com as mãos, tentando conter o choro que já se formava, antecipando o que viria.
A água gelada me atingiu no rosto, depois pelas costas. Risos ecoavam enquanto meu corpo tremia e eu tentava respirar. A jaula foi aberta e fui puxada de forma brusca pelo cabelo. Contive o grito de dor, pois sabia que apenas alimentaria a fúria e o divertimento daqueles que sempre me torturavam, dia após dia. Fui puxada pelas costas e minhas roupas rasgadas. As risadas ecoaram mais alto na sala, então alguém me segurou pelo braço e puxou, me fazendo cair de joelhos no chão. A impotência em me defender, a humilhação que eu vivia todos os dias há dez anos, tudo transbordou em lágrimas silenciosas.
― Parem de brincadeiras, parecem um bando de crianças idiotas. ― Uma voz feminina se aproximou, seus saltos batiam com muita força no chão, mostrando sua confiança e poder entre as pessoas que estavam ali. ― Eca. Não acredito que vou ter que tocar nessa coisa.
― Apenas a deixe apresentável. O chefe quer exibir seus brinquedos hoje. ― O homem que falou, parecia estar mais afastado.
Unhas afiadas seguraram meu rosto, o erguendo e virando para os lados com força, então ela me empurrou, se afastando.
― Não é horrorosa, mas e quanto a venda? Não tem nada melhor para colocar nela?
― O chefe encomendou um artefato, vou mandar alguém buscar. Enquanto isso, faça seu trabalho. ― Vários sons de passos se afastaram, então fui puxada pelo braço e arrastada por algum tempo.
Não fazia ideia de onde estava. Mais água gelada foi jogada sobre mim, acabei me desequilibrando e caindo no chão. Nesse momento, recebi um forte impacto na barriga, me fazendo vomitar o que tinha acabado de comer.
― Coisa nojenta! ― A mulher gritou, dando outro golpe contra minha barriga, me fazendo abraçar meu corpo com dificuldades, por conta das correntes em meus pulsos. ― Quase sujou meu sapato. Sorte a sua valer tanto dinheiro, ou eu te mataria. Esfreguem ela, rápido. Sabem que o senhor Kasimir não suporta atrasos e ele quer tudo pronto antes que os convidados cheguem.
Minha pele foi esfregada com violência, meus cabelos puxados de um lado para o outro enquanto tiravam os nós. Não me lembrava da última vez que havia penteado meus cabelos. Preferiria que os tivessem cortado logo. Fui vestida com um tecido macio e suave, algo estranho para minha pele cobertas por cicatrizes, então passaram algo no meu rosto e lábios.
― Mantenha os olhos fechados, eu vou tirar a venda. ― A mulher instruiu e eu obedeci.
O grosso tecido foi removido e algo fino foi colocado em seu lugar. Não ousei abrir os olhos e me mantive imóvel. O novo tecido foi preso atrás da minha cabeça e então houve alguns assobios, palmas e risadas.
― Está pronta, podem levá-la. Eu preciso de um banho. ― Fui puxada pelo braço e jogada novamente em uma gaiola, mas era diferente da habitual.
Tateando ao redor, senti que o chão era macio, felpudo até. Toquei as grades, lisas e com um formato arredondado, diferente das barras gastas pela ferrugem e retangulares com as quais eu estava acostumada. Então eu tentei sentir o teto da gaiola, mas estava muito mais alto. Precisei ficar de joelhos e erguer meus braços para senti-lo. O cheiro também estava completamente diferente. Era um arma doce e enjoativo, A gaiola deu um solavanco, me derrubando sentada, então começou a se mover. Abracei meus joelhos, o medo do desconhecido, do que o mestre desejaria naquela noite, meus dons ou meu corpo. Fosse qualquer um deles, meu estômago se embrulhou na hora.
― Aí está ela! Minha Linnea! ― o mestre disse com uma estranha felicidade em sua voz.― Será o destaque da minha exibição, me tesouro mais importante. Coloquem-na sobre mesa de gelo. Vai combinar perfeitamente com a decoração. ― Mias solavancos e então um vento gelado subiu, me fazendo tremer e minha pele se arrepiar. ― Agora, o toque final, o tesouro escondido por de trás dessa linda venda. Abra os seus olhos, Linnea.
Com a ordem do mestre, mesmo apavorada com o preço a ser pago por fazê-lo, eu abri meus olhos. Porém, nada aconteceu. O mestre sorria de um lugar mais baixo de onde eu estava, o charuto com sua fumaça fedorenta no canto de sua boca. Todos no lugar olhavam na minha direção, alguns em choque, outros com um sorriso e olhares estranhos que me fizeram tremer novamente, mas não pelo frio.
― Maravilhoso! Funciona perfeitamente. Não valeria de nada exibir minha joia se ela ficasse escondida. Contacte a feiticeira que criou essa venda e lhe dê um bônus generoso. ― O mestre deu as costas rindo e foi na direção de uma enorme porta.
Homens e mulheres chegavam, um após o outro e paravam diante da minha jaula, olhando com curiosidade para mim, assim como eu olhava para eles. Nunca havia visto outras pessoas além do mestre, então fiquei empolgada com aquela oportunidade. De repente, senti algo puxando minha atenção. Um homem, cabelos negros como a própria escuridão, olhos profundos e misteriosos cuja cor se assemelhava aos seus cabelos, entrou sem dizer nenhuma palavra ao mestre. Seu rosto não expressava nenhuma emoção, seus traços forte e marcantes eram agradáveis de se observar.
Algo parecia estar me puxando na direção daquele homem, em seu terno escuro que abraçava seu corpo forte, ele se virou na minha direção. Segurei as barras da jaula, desejando me aproximar mais dele. Nossos olhares se encontraram e, pela primeira vez, senti meu coração bater com força em meu peito.
POV: Linnea Tudo ao meu redor parecia silencioso e sem nenhuma cor, enquanto eu continuava a observar aquele misterioso homem, que entrava na casa do mestre com tanto poder e autoridade, através da delicada renda que cobria meus olhos. Ele não voltou a olhar para mim, apenas vagou por entre os inúmeros itens da coleção do mestre. Ele parou diante da grande mesa de gelo em que eu estava, várias joias me rodeavam, de variados tamanhos e cores. O belo homem observava cada uma delas com uma atenção especial, então o mestre se aproximou, esfregando suas mãos suadas, cada dedo ostentando um anel diferente. ― Logo se vê que tem ótimo gosto, Dark Wolf. ― a forma com que o tal Dark Wolf olhou para o mestre fez meus pelos se arrepiarem. Me encolhi em minha gaiola e permaneci em completo silêncio enquanto eles discutiam. ― Essas pedras não me interessam em nada. Não passam de rochas polidas. ― O mestre pareceu irritado com o comentário do homem, mas manteve o sorriso em seu rosto. Em minha me
POV: Linnea Um forte golpe atingiu minha mão, me fazendo soltar o homem que parecia em choque com toda a situação. Voltei a me encolher na gaiola e o homem retomou seu caminho. Eu havia falhado. Nunca mais o mestre me permitiria ter outra oportunidade como aquela. Voltaria aos meus dias trancada naquele cofre, abusada por um homem egoísta e sem nenhum escrúpulo que não se importava em destruir as vidas de outras pessoas, com tanto que ele conseguisse o que queria. A grande festa continuou, não vi mais o lindo homem de cabelos e olhos negros. Era como se ele tivesse desaparecido. O mestre evitou que outras pessoas se aproximassem da mesa de gelo, onde eu sentia cada vez mais e mais frio. Estava cansada e faminta quando finalmente a festa acabou e eu fui descida da mesa. O mestre se aproximou com seu bastão e bateu forte contra as barras de aço. ― Sua puta de merda! O que achou que fosse conseguir? Achou mesmo que um homem como o Wolf te ajudaria? Acho que bati tanto em você que acab
POV: Linnea Um calor suave tocou meu rosto, a sensação estranha de algo suave debaixo do meu corpo e um perfume agradável me despertaram. Toquei meu rosto, sentindo a ausência da venda sobre os meus olhos e me desesperei. Não sabia onde eu estava, mas era certo que não estava na minha gaiola. A noite anterior, havia sido um sonho? Tateei ao redor, nervosa e assustada e encontrei um tecido suave, que amarrei sobre meus olhos. Mais tranquila, analisei o ambiente ao meu redor com as mãos, tocando a grande cama onde estava deitada. Ao amassar o tecido, um perfume suave de flores se elevou. Coloquei meus pés no chão, sentindo algo macio e quente sob eles e uma brisa suave e refrescante tocou meu rosto e braços. Sons de passos se aproximando me assustaram. Tropecei pelo cômodo estranho, buscando um lugar seguro para me esconder. Tropecei em algo que parecia uma corda e acabei caindo para frente. O som de vidro quebrando me fez tremer e me encolher enquanto o som de trinco ecoava pelo qua
POV: KaelAquela pequena e frágil humana diante de mim se dizia a joia de Octavius. Não consegui conter a risada ao ouvir tamanho absurdo, a surpreendendo. Segurei seu pulso fino, a puxando para mim. Seu suspiro de surpresa fez meu lobo rosnar em meu peito. Desde que a vi naquela maldita gaiola, exposta sobre a mesa como uma decoração macabra, me senti estranhamente atraído por ela. O mesmo aconteceu quando entrei naquele cofre. O lugar estava impregnado com seu cheiro e me vi focado apenas nela e mais nada.Aproximei seu pulso do meu rosto, inalando seu cheiro. Sua pele aqueceu sob meus dedos, pude sentir sua pulsação subindo conforme arrastava meus lábios até a parte interna de seu cotovelo. Seu corpo tremeu em resposta ao meu toque, fazendo com que meu lobo desejasse por mais. Precisei me afastar para me conter, afinal eu não sabia quem era aquela mulher e nem o real motivo dela estar naquela gaiola.― Você faz ideia do que acabou de falar, mulher? ― Disse sussurrando, meu rosto ma
POV: Linnea o Toque suave dos lábios do homem me pegaram de surpresa, mas não achei desagradável nem nada. Na verdade, senti meu corpo ficando mais aquecido conforme ele me apertava em seus braços, minhas costas estavam parcialmente coladas ao seu peito e me sentia tão pequena. A mão que segurava meu queixo deslizou até o meu pescoço, tocando uma das cicatrizes que eu carregava há muito tempo. Tive medo que ele me achasse repugnante, com meu corpo repleto de marcas horríveis e tentei me afasta r, mas meu salvador manteve seu aperto firme sobre meu corpo. Sua língua então invadiu minha boca, explorando e trazendo sensações ainda mais estranhas. Minhas pernas tremeram e vacilaram, me fazendo perder o equilíbrio e quase cair. O homem me amparou, passando a língua por seus lábios e sorrindo de forma predadora. Então a porta se abriu. Um homem alto com cabelos castanhos e olhos verdes que me analisaram cuidadosamente. Eu conhecia aquele olhar, meu corpo tremeu de forma involuntária e me
POV: Linnea Ouvir aquele nome me fez sentir ainda mais estranha. Segurei o rosto do homem entre minhas mãos, tentando gravar suas feições o melhor que eu conseguia ver através daquela renda escura. Usei meus dedos para percorrer seus queixo e maxilar, subindo pelas maçãs de seu rosto sentindo a barba que crescia em sua pele. Toquei seus olhos suavemente, então as sobrancelhas e o nariz. Suas feições eram simplesmente perfeitas, um rosto com características muito marcantes. Me sentindo um pouco atrevida, movi minhas mãos trêmulas até seus cabelos e arrastei minhas mãos por eles. Kael fechou seus olhos, me dando mais confiança para continuar a explorar. ― Obrigada, senhor Kael. ― Seus olhos se abriram lentamente. Havia um brilho estranho no fundo de seu olhar. Com uma risada estranha, Kael se levantou, me deixando no chão e foi até a porta com as mãos em seus bolsos. Ele se virou e olhou para mim, para todo o meu corpo e então seu olhar se fixou no meu rosto. ― Não se iluda, pequen
POV: Linnea Estava assustada, havia muitas pessoas estranhas dentro daquele lugar escuro. O ambiente estava tomado por uma densa fumaça e uma música estranha tocava alto. A mulher me puxou e senti algumas mãos me tocarem, porém era impossível identificar qualquer coisa naquele lugar. Entramos em um quarto, onde três homens de terno estavam sentados em poltronas muito elegantes. Dei alguns passos para trás, apenas para ser empurrada novamente para frente. ― Vamos começar com os lances. ― As palavras da mulher me deixaram em completo choque. Me arrastei até ela, abraçando suas pernas com as mãos trêmulas. Meu coração estava acelerado enquanto as lágrimas rolavam pelo meu rosto. ― Eu te imploro, não me venda! Serei útil para você, aprendo rápido. Prometo não dar trabalho e nem ser um gasto, mas não me venda. Eu te imploro! ― A mulher me deu mais um forte tapa, então me chutou na barriga com força. ― Cale a boca, so de estar respirando aqui já está me dando gastos. Pague sua dívida se
POV: KaelComo uma mulher poderia mexer tanto com a mente de um homem daquela maneira. Ainda podia sentir seu sabor doce na ponta da minha língua, seu cheiro dominava minha mente ao ponto de sentir dores de cabeça. Meu lobo rugia em meu peito, desejando buscá-la daquele maldito lugar. Tentei contê-lo, afinal eu não tinha qualquer obrigação com aquela fêmea. Já tinha problemas demais tendo que lidar com traidores da minha alcateia e a mineradora que herdei do meu pai, não poderia assumir uma guerra contra um humano por causa de uma mulher qualquer. Quanto mais nos afastamos da área vermelha, mais me sentia agitado e desconfortável. Não a larguei naquele lugar a troco de nada, eu sabia exatamente o que seria feito dela ali e eu queria aquilo. Desejava quebrar a imagem em minha mente da mulher doce e inocente que beijei no meu quarto, queria destruir por completo a imagem pura e o brilho suave que vi através daquela maldita venda. Prometi a ela que não a devolveria ao bastardo do Octavi