Capítulo 03

PENÉLOPE VERONESI

Os lençóis de linho, acariciados por um sutil perfume de lavanda, convidam ao toque enquanto, gradualmente, eu abria os olhos, reconectando-me ao momento presente e ao espaço que agora ocupo. A brisa fresca do ar condicionado permeia o quarto, provocando involuntários arrepios que me fazem encolher sob os lençóis em busca de aconchego, apesar de ainda estar envolta no calor do sobretudo que não tive ânimo para retirar.

Neste lugar desconhecido, tento assimilar a avalanche de eventos que recentemente tumultuaram a minha vida. Hoje, o meu pai deixou-me, mergulhando-me numa tristeza profunda e abismal.

Enquanto lido com essa perda que deveria ser avassaladora, mas não a sinto tanto quanto gostaria, encontro-me inexplicavelmente sob a guarda de um homem cujo nome jamais cruzou os meus ouvidos.

A ironia da situação é amplificada pelo fato de que nem as autoridades, nem a austera Sra. Colleen, nem mesmo o tutor legal se deram ao trabalho de me informar sobre a existência desse indivíduo e o papel que agora desempenha na minha vida.

Os segundos escorrem como grãos de areia por entre os meus dedos, tornando tudo uma instância efêmera.

Os meus olhos se fixam na porta de madeira maciça do quarto, um obstáculo entre o que eu era e o que me tornei.

Recordo as palavras da dama de companhia, pronunciadas com uma gentileza formal, informando que o jantar será servido pontualmente às oito da noite. Um estrondoso ruído ecoa no ambiente, arrancando-me um sorriso tímido, enquanto o meu estômago expressa a sua insatisfação de maneira ruidosa, quebrando a serenidade do momento.

A fragilidade da existência humana torna-se patente diante das reviravoltas inesperadas. Aconchegada nesse quarto impessoal, sou forçada a refletir sobre a efemeridade da vida e a imprevisibilidade do futuro.

O toque suave dos lençóis, o aroma tranquilizador que exalam e o frescor do ar condicionado formam um contraste vívido com a sensação de perda que pesa no meu peito.

No entanto, enquanto aguardo o jantar que se aproxima, a fome que o meu estômago anuncia de maneira tão inoportuna recorda-me da continuidade da vida.

Mesmo em meio ao luto, a necessidade básica de nutrição persiste, sussurrando sobre a jornada que ainda tenho pela frente. Com cada grumble faminto, sou lembrada de que, apesar das tempestades que assolam o coração e da confusão que permeia o presente, a vida segue o seu curso implacável.

Ou seja, eu não poderia simplesmente isolar-me no meu quarto novo e esperar que trouxessem a comida até mim. Além de não ser bom tom, a casa não me pertencia, mesmo eu querendo lidar com a minha solidão por hora.

Assim, entre o desamparo da perda e a incerteza das mudanças abruptas, encontro-me aqui, nesse quarto silencioso, onde lençóis de linho e aromas suaves se entrelaçam com o ronco voraz do meu estômago.

Enquanto a escuridão gradualmente toma conta do espaço e as horas avançam na sua dança inexorável, sinto-me apegada à dualidade dessa experiência única, onde o peso do passado se encontra com a promessa do amanhã, e tudo o que posso fazer é enfrentar o presente, uma refeição de cada vez.

Ao voltar na cama, direciono a minha atenção para o crepúsculo que pinta o céu com tons dourados e rosados, brevemente tomando a escuridão como a sua aliada. A primeira ação é verificar o relógio, constatando que a urgência ainda não impera na minha rotina matinal.

Porém, o meu corpo parece uma carga pesada, como se cada membro estivesse impregnado de chumbo, e a minha cabeça insiste em pulsar com uma dor incômoda, martelando com cada batida do meu coração.

Opto por fechar os olhos, buscando abstrair-me da dor que lateja. Inspiro profundamente, segurando o ar por um breve momento, como se essa ação pudesse de alguma forma conter o incômodo que se irradia em minha mente.

As malas que guardam os meus pertences estão posicionadas convenientemente junto à porta, uma lembrança constante da minha jornada recente. Arrasto-as até a cama, decidindo que é hora de conferir um mínimo de organização ao caos que representam.

A minha intenção é realocar tudo de maneira ordenada no closet, mas antes disso, um banho tranquilo parece um remédio necessário.

Adentrei o banheiro, fechando a porta atrás de mim com um suave clique. A ponta dos meus dedos buscava o interruptor. Um rápido deslizar, e a luminosidade alva iluminou o espaço à minha frente, revelando uma visão que me deixou momentaneamente sem fôlego.

O branco cerâmico dominava, infundindo cada centímetro com uma aura de pureza e simplicidade. As paredes, ligeiramente texturizadas, exibiam padrões suaves que adicionavam uma dimensão sutil ao espaço. Cada linha, cada curva parecia projetada com uma precisão meticulosa, uma harmonia estética que ecoava em cada canto.

Entretanto, o que mais cativava os meus sentidos era o chão. Em um contraste notável com a cerâmica branca que dominava o cenário, o piso revelava uma elegância requintada na sua escolha de material.

O mármore, majestoso e luxuoso, conferia ao espaço uma sensação de nobreza. Os tons suaves e as veias graciosas do mármore proporcionavam uma riqueza visual que se destacava, mesmo dentro do domínio da palidez predominante.

Cada passo que eu dava parecia ecoar no espaço, um sussurro suave que reverberava nas superfícies imaculadas ao redor. As nuances de branco interagiam entre si, criando uma ilusão de movimento constante, como se o próprio ambiente estivesse a respirar.

Depois de um tempo fascinada, cada item meu encontrou o seu lugar designado nos compartimentos do meu espaço pessoal, como um quebra-cabeça meticulosamente montado.

E com o dever cumprido, preparei a banheira com água quente, observando o vapor que se elevava e adicionando sais de banho de flor de laranjeira, cujo aroma doce preencheu o ar do cômodo fechado.

Despojando-me das roupas que de repente parecem pesadas demais, cedo à tentação de imersão na água perfumada.

Os meus cabelos, emaranhados e rebeldes, acompanham-me nessa jornada aquática, mergulhando nas profundezas da banheira na esperança de domar a sua selvageria.

E o reflexo que o espelho imenso proporciona revela olhos inchados e vermelhos, testemunhos das lágrimas que antes inundaram o meu rosto.

Numa tentativa sutil de pentear os meus cabelos, submergi todo o meu corpo na água, ao menos parecia uma vã esperança de parecer minimamente apresentável.

No entanto, dentre a melancolia e a sensação de perda, uma determinação cresce em mim.

As motivações que impulsionaram o meu pai e as intenções do meu tutor presente permanecem envoltas em mistério. Uma certeza toma forma dentro de mim: descobrirei o que há por trás dessas escolhas, mesmo que isso signifique enfrentar as verdades desconfortáveis que possam surgir.

A voz do arrependimento sussurra, sugerindo que poderia ter agido de maneira mais audaz, que o meu destino poderia ter tomado rumos diferentes se eu tivesse ousado mais. Contudo, esse pensamento não me imobiliza. Pelo contrário, fortalece a minha resolução de agir, de compreender, redefinir o meu caminho daqui para frente.

Enquanto a água continua a acariciar a minha pele e o perfume cítrico envolve os meus sentidos, sinto-me renovada, recarregada pela água e pelo propósito emergente no meu coração. O crepúsculo lá fora cede lugar à noite, assim como a escuridão do meu passado tumultuado parece estar a ceder à luz da esperança que brota em minha mente.

E assim, na quietude do meu refúgio, eu permito-me sonhar com um amanhã moldado pela minha determinação, onde as respostas que busco se revelarão e onde as decisões que tomarão forma se tornarão a força propulsora de novas decisões, e talvez a minha liberdade.

Após uma espera prolongada, a água na banheira cedeu ao frio, persuadindo-me a emergir dela. O tapete macio absorve o excesso de umidade que escapa do meu corpo enquanto alcanço uma toalha branca, envolvendo-me para preservar a minha nudez.

Seguindo um ritual familiar, cuido da minha higiene bucal, desembaraço com paciência os cabelos que descem como uma cascata, e então os seco devagar. Da paleta de vestimentas, escolhi uma blusa de alças finas e decote quadrado, um amarelo torrado que contrasta suavemente.

O seu comprimento se encerra acima do meu umbigo, enquanto a saia marfim, de corte amplo, toma a responsabilidade de ocultá-lo, alongando-se até os meus tornozelos. Para os pés, simples sandálias castanhas completam o visual.

Enquanto a escova desliza pelos fios úmidos, batidas ressoam na porta. Com um consentimento murmurado, Annie entra no recinto, a sua figura se materializando após a autorização que lhe conferi.

— Boa noite, Srta. Veronesi. Precisa de ajuda? — Annie indagou, aproximando-se da cadeira em que estou assentada.

— Penélope, apenas — corrigi, os meus olhos fixando-se na sua postura. — Você pode se referir a mim como Penélope, Annie — encorajei, um convite para uma relação mais informal.

Um sorriso de acordo se forma nos lábios de Annie, e ela prontamente se prontificou a auxiliar-me com a escova.

— Você pode fazer uma trança como a sua? — pedi, esperançosa. Ela acenou afirmativamente, e um lampejo de expectativa surge em mim. — Quem mora aqui? — perguntei depois de alguns minutos de quietude, a minha curiosidade é inevitável.

— O Sr. D'Artagnan e os funcionários, e agora a senhora também — ela respondeu.

— O Sr. D'Artagnan não tem esposa ou filhos? — a pergunta fluiu naturalmente, mas Annie desviou o olhar, como se estivesse a resguardar segredos.

— Não sou autorizada a discutir a vida pessoal do meu senhor, Penélope — ela respondeu enquanto se afastava, voltando ao trabalho no meu cabelo. — Por que não lhe pergunta diretamente?

O som da chuva batendo contra a janela ressoa pelo quarto, enchendo o espaço com uma melodia suave. Observando a parede ao lado da cama, percebo que gotas de água deslizam pelo vidro, um espetáculo singelo e cativante.

O meu pai sempre foi enigmático, um homem com nuances peculiares. As suas atitudes eram muitas vezes dominadas por um desejo de controle e proteção, como se estivesse fugindo de algo invisível. No entanto, o símbolo "D'AR" parecia estar entrelaçado com a sua identidade, gravado em cada item do seu escritório — cadernos, canetas, documentos. Apesar disso, nunca tive a coragem de indagar, e ele nunca ofereceu explicações voluntárias.

Após um breve momento de reflexão, volto o meu olhar para Annie, concedendo-lhe um sorriso tranquilo.

— Você está certa. Vou seguir o seu conselho e perguntar diretamente a ele. Afinal, não há motivo para não buscar respostas quando elas estão ao alcance.

Não quero que ela pense que tentei arrancar informações, e ela também tem razão. Se quiser respostas, então pedirei a fonte dos questionamentos: meu tutor.

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