O casamento seria o evento do ano, sem sombras de dúvidas. O dia estava ensolarado e a fazenda perfeitamente organizada, o salão de festas estava muito bem decorado e a capela, que ficava no campo, estava tão bonita que qualquer um que entrasse ali acreditaria que se tratava do casamento de um nobre da região. Enquanto o noivo aguardava na capela junto aos demais convidados, na casa, Charlotte se preparava para o que acreditava ser o dia mais feliz de sua vida.
— Está muito linda, minha filha — Judith falou, apoiando as finas mãos nos ombros de sua filha enquanto olhava o reflexo da mais jovem no espelho. — Não há em Kent moça mais bela que você.
Os olhos da mulher viajaram pelo reflexo do espelho, à sua frente, Charlotte sorria como uma verdadeira princesa. Seu vestido tinha um tom perolado com belos detalhes em dourado. Seus cabelos avermelhados estavam soltos e, em sua cabeça, uma belíssima tiara segurava o delicado véu, estava perfeita. Suas mãos estavam enluvadas e seguravam firmemente o buquê, revelando seu nervosismo.
— Mamãe está certa, irmã, você está belíssima! — Chelsea falou, aparecendo no espelho e acariciando a saia do vestido de sua irmã. — Espero que eu possa me casar por amor, como você!
Judith revirou os olhos levemente, mas nada disse. Apesar de considerar o amor um detalhe pífio em um matrimônio, não podia negar que, de fato, sua filha mais velha era sortuda. Estava se casando com um belo e rico homem que, certamente, faria de tudo por ela. Nunca passaria dificuldades e seria a senhora de um grande e belo lar, logo teria filhos e cumpriria seu papel.
Dierente de Chelsea, Brista estava olhando de longe a arrumação da irmã mais velha. Seus olhos encaravam boa parte dos preparativos com certo desgosto, afinal, Willian não havia roubado o coração somente da moça mais velha dos Capman, Brista também nutria sentimentos por ele, mas sabia que jamais conseguiria superar a irmã no coração do fazendeiro e aquilo a fazia sentir raiva de Charlotte .
— Lembre-se do que conversamos sobre o que acontecerá depois da cerimônia — Judith falou para sua filha, a olhando seriamente. — Você precisa ser gentil, mesmo que não goste inicialmente, seu marido certamente está aguardando muito tempo por isso, siga o que ele disser e o agrade.
O tom incisivo da mãe deixava claro que aquele era um evento ainda mais importante que a cerimônia, mas Charlotte não se preocupava com isso, ela amava William, o que poderia dar errado na noite em que consumariam seu amor? Absolutamente nada, ao menos era no que ela acreditava.
— Mamãe, o que acontece depois da cerimônia? — Chelsea perguntou, olhando para as duas mulheres e recebendo um olhar irritado de sua mãe.
— Isso é assunto para as moças noivas, não para meninas que ainda não foram apresentadas à corte, Chell — Charlotte respondeu docemente. — Sua vez vai chegar, quem sabe você não pega o buquê? Se esforce bastante!
A mais nova sorriu alegremente, saindo do quarto e seguindo para o andar de baixo, onde Marcel aguardava sua irmã junto ao pai. Diferente do comum, ele havia feito questão de levá-la até o altar, seu pai, George, não viu problema nisso, afinal, sabia como o filho mais velho era apegada a Charlotte , seria uma honra grande para o rapaz.
No entanto, diferente do que o pai pensava, Marcel não pretendia cumprir seu papel pela honra do evento. Pelo contrário, queria ser ele a deixar Charlotte nas mãos de William somente para deixar claro que, se algo acontecesse, ele também a tiraria, exatamente como a deixou ir. Não gostava do noivo da irmã, mas não pretendia impedi-la, afinal, o sorriso de Charlotte era o que iluminava seus dias, a amava tanto que jamais faria algo para deixá-la triste. Quando ouviu os passos vindos da escada, ele se ergueu, olhando para o local e encontrando sua irmã acompanhada por sua mãe. Para ele, Charlotte parecia um belo anjo, seus olhos brilhavam e ela estava magnífica.
Um sorriso iluminou o rosto da ruiva e ela desceu com um pouco mais depressa, recebendo um abraço apertado do pai e parando ao lado do irmão, erguendo a destra para ele, que a segurou com delicadeza antes de deixar um beijo delicado na testa da garota.
— Estou feliz que você é quem me levará ao altar, irmão — sussurrou, com voz embargada. — Tive medo que não aprovasse meu casamento e…
— Não deixe essas bobagens encherem sua cabecinha — Marcel falou, rindo levemente enquanto começava a caminhar com ela para fora, onde a carruagem os levaria até a capela estava. — Eu sempre vou estar ao seu lado, mesmo que não esteja tão satisfeito com esse casamento. Você é mais importante, assim como sua felicidade, Lottie.
Charlotte sorriu, soltando o braço do rapaz para poder entrar na carruagem. Enquanto ajeitava-se no banco, percebeu a segunda carruagem partir, levando o resto da família na frente. O caminho até a capela era curto e não demorava mais que alguns minutos, mas sua mãe havia insistido em alugar luxuosas carruagens para que a chegada da noiva fosse triunfante, afinal, era o casamento da moça mais bela do condado e abriria as portas para vantajosos enlaces com as outras duas que ficaram.
Quando a carruagem parou na porta da capela, Marcel encarou o lado de fora sentindo o peito se apertar, tinha um péssimo pressentimento, mas o que podia fazer? Não podia estragar o dia perfeito da pessoa mais importante de sua vida, por isso, quando abriu a porta, colocou seu melhor sorriso, mesmo que todos os seus instintos o dissessem para que ele a levasse para longe, então, começaram a caminhar.
Quando ergueu os olhos para frente, Charlotte o viu. Willian estava belíssimo, vestia um terno elegante e bem cortado, seus cabelos loiros estavam bem alinhados para trás e ele tinha um grande sorriso que encolhia seus olhos de um azul acinzentado, como um céu em dia de chuva. A quem diga que aquela cor era sem vida e fria, mas, para Charlotte, os dias de chuva eram os mais belos, assim como os olhos do seu grande amor.
Marcel andava lentamente, tentando adiar o inadiável, então, quando chegaram ao altar, ele entregou a delicada mão de Charlotte para Willian, o olhando nos olhos com uma silenciosa ameaça, sem se importar que todos percebessem a tensão que pairava entre eles. Willian retribuiu o olhar com um ar de triunfo e certa soberba, para ele, era um dia inesquecível, não somente por estar se casando com aquela que todos desejavam desposar, mas também por fazer Marcel engolir o próprio orgulho enquanto entregava a ele sua doce e adorada irmã.
Sem dúvidas, era o melhor dia de sua vida.
Nenhum detalhe foi poupado na cerimônia, ela foi feita com toda a pompa e requinte que os fazendeiros poderiam pagar, o que significava muita! Quando finalmente os votos foram proclamados e a irmã mais nova de Charlotte levou as alianças, ela sentiu o coração a ponto de explodir de felicidade. Willian retirou sua luva, plantando um beijo em sua mão e colocando o anel delicadamente, estendendo sua mão para que ela fizesse o mesmo, então, ergueu o véu que ocultava seu belo rosto durante toda a cerimônia.
— Enfim, você é somente minha, meu amor! — sussurrou, puxando-a delicadamente para si. — Para sempre!
Dito isto, seus lábios se tocaram, selando o voto que foi dito diante de todos os presentes. Para Charlotte, que sentiu as bochechas queimarem por ser beijada na frente de todos, aquele era o início do seu conto de fadas.
Mal sabia ela que aquele era, na verdade, o início da sua ruína.
Dois anos depois…— Mamãe… Eu não aguento mais isso! — a voz de Charlotte não passava de um sussurro enquanto, ainda em sua cama, ela encarava a mãe com lágrimas nos olhos. — Me ajude… — Só Deus pode te ajudar, filha — Judith estava impaciente —, precisa se esforçar mais! Não consegue vingar nenhuma gravidez, também não consegue fazer com que seu marido seja só seu, sequer cuida bem do seu lar! Charlotte, não tem do que reclamar, isso tudo é culpa sua, você não cuida do seu casamento! As palavras de sua mãe atingiram seu coração diretamente, fazendo-a ofegar em desespero. Nenhuma dor física era tão grande quanto a dor da perda que sentia, seu conto de fadas havia se tornado um grande pesadelo e ela estava fadada a isso até sua morte. Seu corpo estava dolorido, seus olhos ardiam e ela sentia certo inchaço no lado esquerdo do rosto, resquícios do que havia acontecido há dois dias, sequelas do ataque de fúria que seu marido teve ao descobrir que ela havia perdido mais um bebê. Ao lon
Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido. As visitas de Judith sempre pioravam tudo para Charlotte, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la. Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções. O único a quem poderia recorrer estava muito distante. Marcel havia viajado para estudar diplomacia e só retornaria depois de meses, mas Charlotte não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida. Sabia que a noite já ia longe, pois todos os
Marcel viu, ao longe, o começo das terras de seu pai. Estava feliz por retornar para casa, principalmente por saber que, logo, logo, a região seria o berço de um encontro de nobres e isso traria muito prestígio, principalmente porque o duque de Gloucester estaria hospedado em sua casa, aquilo o animava muito. Sabia que o Duque tinha muitas posses, além de ser muito bem quisto pelo rei, que lhe dera tal título por ter sido um exímio líder de guerra há cerca de dois anos. A família real era pequena, não havia muitos nobres que, de fato, estivessem aptos para governar caso o príncipe viesse a falecer prematuramente, por isso, e, diante a instrução do conselho, a Adsumus, o rei o nomeou, afinal, era um homem de respeito. Marcel o conheceu durante sua viagem, não tinham conversado de fato, mas o convite para que ele se hospedasse na fazenda enquanto estivesse em FoxSpeare, e não no palácio, foi muito bem recebido pelo Duque, que tinha uma predileção por lugares distantes dos costumes da
Quando entrou na casa observando o organizado, ouviu a voz de Judith, sua mãe. Nunca teve um bom relacionamento com ela, normalmente, Judith era controladora demais para com suas irmãs e, apesar das garotas acharem que aquilo era normal, Marcel não concordava com as atitudes da mãe, que manipulava tudo para arranjar para as meninas propostas vantajosas. Teve medo de voltar de viagem e encontrar Chelsea, que tinha somente 16 anos, casada. — Chelsea! O que eu disse sobre receber visitas como um animal selvagem? Olhe seus cabelos! — a voz de Judith ecoou por toda a casa, o grito foi alto o bastante para fazer a mais nova encolher os ombros. Marcel suspirou ao notar a irmã murchar, vendo toda a animação e euforia ir por água abaixo. Odiava aquilo, odiava a forma como sua mãe as obrigava a manter a compostura até nos momentos mais íntimos. Sabia que a educação das moças era importante, mas sentia que suas irmãs eram cobradas demais e aquilo o machucava. — Não ligue para isso, vá chamar
Willian estava do lado de fora da grande casa da fazenda. Seus olhos estavam no céu nublado e ele sentia a fria brisa noturna levar seus cabelos. Sua esposa estava no quarto do casal, havia a deixado sozinha, não suportava ser desprezado com tamanho furor. O olhar que Charlotte dirigia a ele não tinha nada além de medo e nojo, a falta de reação quando ele a tocava, quando a beijava ou quando se deitava com ela, o fazia se sentir o pior dos homens, então descontava todo o seu ódio e frustração na doce criatura, que suportava todas as agressões e ainda se deitava com ele da forma que ele quisesse. “Sempre tão submissa”, pensou ele, levando o charuto aos lábios enquanto olhava para o céu. “Minha doce Charlotte , jamais será de mais ninguém…"Um sorriso maligno tomou seus lábios. Não pretendia ficar com ela por toda vida, queria herdeiros e ela não podia dá-los a ele, mas não a deixaria partir, fizeram um juramento perante Deus e a única coisa que iria separá-los era a morte. Ao meno
Quando acordou pela manhã, Charlotte notou que Willian não estava ao seu lado e agradeceu imensamente por isso. Ergueu o corpo dolorido lentamente, lembrando-se de tudo o que ele havia feito com seu corpo na noite passada e sentindo o estômago se contorcer com nojo. Tudo o que Willian fazia quando se deitavam tornava o ato que deveria ser a consumação do amor de ambos uma tortura infinita. Ele tomava seu corpo com força, de forma bruta e sem cuidado algum, a agredia e a marcava de formas inimagináveis, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Mas, apesar de ainda poder ver algumas manchas roxas espalhadas pela pele alva, decidiu que não pensaria nisso naquele momento. Guardaria suas lágrimas para chorar depois do desjejum, não o queria irritar, ele odiaria que ela se atrasasse e Charlotte não pretendia apanhar mais uma vez. Lavou o rosto na bacia de água fria que ficava ao lado do quarto, então pegou um vestido simples de linho e colocou sobre seu corpo, cobrindo as suas roupa
Marcel não dormiu. Rolou na cama a noite inteira, de um lado para o outro, imaginando as inúmeras possibilidades para o que poderia estar acontecendo com sua irmã. Então, na manhã seguinte, seu humor estava amargo para com todos, menos Chelsea e Brista, que ocuparam longas horas da sua manhã experimentando e mostrando para ele como haviam ficado os vestidos que o rapaz havia trazido da capital para as duas. Enquanto as duas garotas se divertiam, Judith observava o filho de longe. Sabia bem que ele estava estranho e tinha medo do que aconteceria à tarde, no entanto, ainda era a senhora daquela casa e Marcel não podia passar por cima de sua autoridade, ao menos era o que ela pensava. As horas se arrastaram durante toda a manhã. Enquanto Judith coordenava os empregados e o chá da tarde, já que as damas iriam tomar chá em sua fazenda naquele dia, Marcel aprontava o cavalo para seguir até a fazenda dos Griffin. — Mas eu queria ir também, irmão! — Chelsea insistia, enquanto o observava
Willian não apareceu na casa durante toda a tarde e, apesar de não querer, Marcel precisou ir embora e deixar sua irmã para trás, com a promessa de que voltaria. Instruiu Charlotte e pediu para que ela ficasse em seu quarto e trancasse a porta. Ele duvidava que Willian retornasse a casa naquela noite, o havia visto ao longe, encarando-os, durante a tarde, sabia que ele estaria na cidade afogando suas mágoas e era exatamente disso que precisava. Quando o sol se pôs e ele retornou a casa da fazenda, sua expressão deixava claro que não era um bom dia para conversas. Encarou sua mãe com um olhar de raiva, mas, ao menos naquele momento, não disse nada a ela. Marcel Capman mal entrou em casa e, logo em seguida, saiu. Cavalgou por longos minutos até próximo à cidade, encontrando a grande mansão. As luzes estavam acesas, havia carruagens e cavalos por ali, então, constatou que, por sorte, estavam presentes os demais membros. Amarrou seu cavalo junto com os outros e deu uma moeda ao garotin