Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido.
As visitas de Judith sempre pioravam tudo para Charlotte, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la.
Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções.
O único a quem poderia recorrer estava muito distante. Marcel havia viajado para estudar diplomacia e só retornaria depois de meses, mas Charlotte não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida.
Sabia que a noite já ia longe, pois todos os empregados já haviam se recolhido e a casa estava completamente escura. Caminhou na ponta dos pés, porém, não conseguiu escapar dos olhos nebulosos de Willian, que caíram sobre ela assim que pisou os pés na sala. Ele estava sentado no sofá, tinha uma taça nas mãos e, estranhamente, estava sozinho.
A beleza dele era inegável, tinha um peitoral muito bem definido, músculos fortes e firmes, seu rosto era tão bonito que, em outro momento, poderia fazer Charlotte suspirar pelos cantos, apaixonada, sua pele era quase dourada, lábios grossos e perfeitamente desenhados. Estava com os cabelos loiros soltos, caindo por seu rosto, dando a ele um ar misterioso e, para qualquer mulher que o olhasse naquele momento com uma taça de vinho na mão, sensual.
Mas a casca bonita somente ocultava o monstro que habitava dentro dela.
A única coisa que Charlotte sentia era nojo.
— Achei que não sairia do seu quarto hoje, Charlotte — ele falou, levando a taça aos lábios em seguida. — Está me evitando? Decidiu deixar de cumprir mais uma de suas obrigações?
A ruiva não respondeu, somente juntou as mãos uma na outra, olhando para seus próprios pés, silenciada. Qualquer resposta mal dada, qualquer olhar que demonstrasse o mínimo de mágoa ou irritação, tudo era um bom motivo para Willian mostrar sua verdadeira face para ela. Porém, levando em conta tudo o que ouviu durante a tarde e parte da noite, acreditava que o humor dele não estaria tão cítrico ou raivoso.
— Não me sentia muito bem, só isso — respondeu ela sem se mover sentindo o coração acelerado. — Não queria incomodá-lo, meu marido.
Willian estreitou os olhos, encarando sua esposa fixamente por alguns instantes antes de se erguer, caminhando até ela e deslizando a destra por seu rosto devagar. Sempre admirou a beleza de Charlotte, aquele foi o principal motivo que o levou ao matrimônio, porém, o fardo de não ter herdeiros legítimos estava sendo pesado demais.
Por que continuar casado com alguém que não podia lhe gerar a única coisa que um homem de respeito precisa ter?
Não valia a pena.
Porém, não podia abrir mão dela, seu orgulho o impedia, preferia vê-la morta do que casando-se novamente, afinal, sabia que isso não demoraria a acontecer se ela fosse devolvida. Mesmo infértil, sua beleza ainda poderia laçar qualquer pretendente da corte que ela desejasse, por mais que ela não soubesse disso.
E Willian se esforçava para que ela jamais tomasse consciência desse fato.
— Vamos para nosso quarto — falou, vendo-a encolher levemente os ombros. — E não me faça insistir, meu amor! Ainda precisa me dar o que eu quero, e não vamos parar de tentar.
Seu tom era ameaçador e seu toque, outrora delicado, desceu lentamente pelo pescoço da ruiva, chegando ao tecido fino de sua camisola, o puxando de uma só vez, expondo os seios da mulher, enquanto sorria levemente.
Charlotte encolheu os ombros, sentindo as lágrimas chegarem aos seus olhos, mas não se opôs. Sentiu os dedos de Willian em seu braço então ele a puxou sem delicadeza alguma, seguindo em direção às escadas, as quais subiu silenciosamente, como um cordeiro. Não demoraram a chegar ao elegante quarto, ela viu a cama ainda bagunçada, sentiu o cheiro de um perfume que não era o seu espalhado por toda parte. Em alguns locais, havia até algumas peças de roupas que não eram suas, resquícios de mais uma traição, de mais uma humilhação. Sentia-se ainda mais suja ao deitar naquela cama, seu estômago se revirava ao sentir os lábios do seu marido tocando sua pele enquanto falava as maiores obscenidades, sussurrando-as em seu ouvido, degradando-a ainda mais.
Ali, nada era além de um corpo, uma casca vazia que esperava seu fim, ou algum socorro milagroso que, depois de tanto tempo, ela sequer tinha certeza de que viria.
Então, somente fechou os olhos, ouvindo as palavras de sua mãe ecoando em sua mente:
"Conserte o que você estragou, a culpa é sua.”
Marcel viu, ao longe, o começo das terras de seu pai. Estava feliz por retornar para casa, principalmente por saber que, logo, logo, a região seria o berço de um encontro de nobres e isso traria muito prestígio, principalmente porque o duque de Gloucester estaria hospedado em sua casa, aquilo o animava muito. Sabia que o Duque tinha muitas posses, além de ser muito bem quisto pelo rei, que lhe dera tal título por ter sido um exímio líder de guerra há cerca de dois anos. A família real era pequena, não havia muitos nobres que, de fato, estivessem aptos para governar caso o príncipe viesse a falecer prematuramente, por isso, e, diante a instrução do conselho, a Adsumus, o rei o nomeou, afinal, era um homem de respeito. Marcel o conheceu durante sua viagem, não tinham conversado de fato, mas o convite para que ele se hospedasse na fazenda enquanto estivesse em FoxSpeare, e não no palácio, foi muito bem recebido pelo Duque, que tinha uma predileção por lugares distantes dos costumes da
Quando entrou na casa observando o organizado, ouviu a voz de Judith, sua mãe. Nunca teve um bom relacionamento com ela, normalmente, Judith era controladora demais para com suas irmãs e, apesar das garotas acharem que aquilo era normal, Marcel não concordava com as atitudes da mãe, que manipulava tudo para arranjar para as meninas propostas vantajosas. Teve medo de voltar de viagem e encontrar Chelsea, que tinha somente 16 anos, casada. — Chelsea! O que eu disse sobre receber visitas como um animal selvagem? Olhe seus cabelos! — a voz de Judith ecoou por toda a casa, o grito foi alto o bastante para fazer a mais nova encolher os ombros. Marcel suspirou ao notar a irmã murchar, vendo toda a animação e euforia ir por água abaixo. Odiava aquilo, odiava a forma como sua mãe as obrigava a manter a compostura até nos momentos mais íntimos. Sabia que a educação das moças era importante, mas sentia que suas irmãs eram cobradas demais e aquilo o machucava. — Não ligue para isso, vá chamar
Willian estava do lado de fora da grande casa da fazenda. Seus olhos estavam no céu nublado e ele sentia a fria brisa noturna levar seus cabelos. Sua esposa estava no quarto do casal, havia a deixado sozinha, não suportava ser desprezado com tamanho furor. O olhar que Charlotte dirigia a ele não tinha nada além de medo e nojo, a falta de reação quando ele a tocava, quando a beijava ou quando se deitava com ela, o fazia se sentir o pior dos homens, então descontava todo o seu ódio e frustração na doce criatura, que suportava todas as agressões e ainda se deitava com ele da forma que ele quisesse. “Sempre tão submissa”, pensou ele, levando o charuto aos lábios enquanto olhava para o céu. “Minha doce Charlotte , jamais será de mais ninguém…"Um sorriso maligno tomou seus lábios. Não pretendia ficar com ela por toda vida, queria herdeiros e ela não podia dá-los a ele, mas não a deixaria partir, fizeram um juramento perante Deus e a única coisa que iria separá-los era a morte. Ao meno
Quando acordou pela manhã, Charlotte notou que Willian não estava ao seu lado e agradeceu imensamente por isso. Ergueu o corpo dolorido lentamente, lembrando-se de tudo o que ele havia feito com seu corpo na noite passada e sentindo o estômago se contorcer com nojo. Tudo o que Willian fazia quando se deitavam tornava o ato que deveria ser a consumação do amor de ambos uma tortura infinita. Ele tomava seu corpo com força, de forma bruta e sem cuidado algum, a agredia e a marcava de formas inimagináveis, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Mas, apesar de ainda poder ver algumas manchas roxas espalhadas pela pele alva, decidiu que não pensaria nisso naquele momento. Guardaria suas lágrimas para chorar depois do desjejum, não o queria irritar, ele odiaria que ela se atrasasse e Charlotte não pretendia apanhar mais uma vez. Lavou o rosto na bacia de água fria que ficava ao lado do quarto, então pegou um vestido simples de linho e colocou sobre seu corpo, cobrindo as suas roupa
Reino de Kent, 1442Era uma vez, em um reino distante chamado Kent, uma família parcialmente feliz. Havia uma mãe e esposa, seu nome era Judith, seu casamento era estável, seu marido, George Capman, era um homem de posses, grande fazendeiro da região. Sua casa era bela e imensa, ela era uma senhora que causava inveja, não só pelas posses de seu marido e pela condição de vida que ostentava, a coisa que mais despertava a inveja das outras damas da corte eram seus belíssimos filhos. Eram quatro ao todo, três meninas e um menino, a beleza deles encantava a todos, assim como o porte elegante e a educação. Marcel era o mais velho, o filho homem que todo pai sonhava em ter, era elegante, estudado, se formou em diplomacia e tinha uma posição social invejável aos seus 25 anos. Era alto, seus cabelos castanhos formavam ondulações delicadas e charmosas, sua pele era clara e seus olhos mais azuis que o céu mais limpo, tinha lábios bem marcados, um rosto de traços bonitos e um queixo quadrado. Tr
O casamento seria o evento do ano, sem sombras de dúvidas. O dia estava ensolarado e a fazenda perfeitamente organizada, o salão de festas estava muito bem decorado e a capela, que ficava no campo, estava tão bonita que qualquer um que entrasse ali acreditaria que se tratava do casamento de um nobre da região. Enquanto o noivo aguardava na capela junto aos demais convidados, na casa, Charlotte se preparava para o que acreditava ser o dia mais feliz de sua vida. — Está muito linda, minha filha — Judith falou, apoiando as finas mãos nos ombros de sua filha enquanto olhava o reflexo da mais jovem no espelho. — Não há em Kent moça mais bela que você.Os olhos da mulher viajaram pelo reflexo do espelho, à sua frente, Charlotte sorria como uma verdadeira princesa. Seu vestido tinha um tom perolado com belos detalhes em dourado. Seus cabelos avermelhados estavam soltos e, em sua cabeça, uma belíssima tiara segurava o delicado véu, estava perfeita. Suas mãos estavam enluvadas e seguravam f
Dois anos depois…— Mamãe… Eu não aguento mais isso! — a voz de Charlotte não passava de um sussurro enquanto, ainda em sua cama, ela encarava a mãe com lágrimas nos olhos. — Me ajude… — Só Deus pode te ajudar, filha — Judith estava impaciente —, precisa se esforçar mais! Não consegue vingar nenhuma gravidez, também não consegue fazer com que seu marido seja só seu, sequer cuida bem do seu lar! Charlotte, não tem do que reclamar, isso tudo é culpa sua, você não cuida do seu casamento! As palavras de sua mãe atingiram seu coração diretamente, fazendo-a ofegar em desespero. Nenhuma dor física era tão grande quanto a dor da perda que sentia, seu conto de fadas havia se tornado um grande pesadelo e ela estava fadada a isso até sua morte. Seu corpo estava dolorido, seus olhos ardiam e ela sentia certo inchaço no lado esquerdo do rosto, resquícios do que havia acontecido há dois dias, sequelas do ataque de fúria que seu marido teve ao descobrir que ela havia perdido mais um bebê. Ao lon