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Capítulo 1 - parte 2

Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido. 

As visitas de Judith sempre pioravam tudo para Charlotte, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la. 

Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções. 

O único a quem poderia recorrer estava muito distante. Marcel havia viajado para estudar diplomacia e só retornaria depois de meses, mas Charlotte  não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida. 

Sabia que a noite já ia longe, pois todos os empregados já haviam se recolhido e a casa estava completamente escura. Caminhou na ponta dos pés, porém, não conseguiu escapar dos olhos nebulosos de Willian, que caíram sobre ela assim que pisou os pés na sala. Ele estava sentado no sofá, tinha uma taça nas mãos e, estranhamente, estava sozinho. 

A beleza dele era inegável, tinha um peitoral muito bem definido, músculos fortes e firmes, seu rosto era tão bonito que, em outro momento, poderia fazer Charlotte suspirar pelos cantos, apaixonada, sua pele era quase dourada, lábios grossos e perfeitamente desenhados. Estava com os cabelos loiros soltos, caindo por seu rosto, dando a ele um ar misterioso e, para qualquer mulher que o olhasse naquele momento com uma taça de vinho na mão, sensual.

 Mas a casca bonita somente ocultava o monstro que habitava dentro dela.

A única coisa que Charlotte  sentia era nojo.

— Achei que não sairia do seu quarto hoje, Charlotte  — ele falou, levando a taça aos lábios em seguida. — Está me evitando? Decidiu deixar de cumprir mais uma de suas obrigações? 

A ruiva não respondeu, somente juntou as mãos uma na outra, olhando para seus próprios pés, silenciada. Qualquer resposta mal dada, qualquer olhar que demonstrasse o mínimo de mágoa ou irritação, tudo era um bom motivo para Willian mostrar sua verdadeira face para ela. Porém, levando em conta tudo o que ouviu durante a tarde e parte da noite, acreditava que o humor dele não estaria tão cítrico ou raivoso. 

— Não me sentia muito bem, só isso — respondeu ela sem se mover sentindo o coração acelerado. — Não queria incomodá-lo, meu marido. 

Willian estreitou os olhos, encarando sua esposa fixamente por alguns instantes antes de se erguer, caminhando até ela e deslizando a destra por seu rosto devagar. Sempre admirou a beleza de Charlotte, aquele foi o principal motivo que o levou ao matrimônio, porém, o fardo de não ter herdeiros legítimos estava sendo pesado demais. 

Por que continuar casado com alguém que não podia lhe gerar a única coisa que um homem de respeito precisa ter? 

Não valia a pena. 

Porém, não podia abrir mão dela, seu orgulho o impedia, preferia vê-la morta do que casando-se novamente, afinal, sabia que isso não demoraria a acontecer se ela fosse devolvida. Mesmo infértil, sua beleza ainda poderia laçar qualquer pretendente da corte que ela desejasse, por mais que ela não soubesse disso. 

E Willian se esforçava para que ela jamais tomasse consciência desse fato. 

— Vamos para nosso quarto — falou, vendo-a encolher levemente os ombros. — E não me faça insistir, meu amor! Ainda precisa me dar o que eu quero, e não vamos parar de tentar. 

Seu tom era ameaçador e seu toque, outrora delicado, desceu lentamente pelo pescoço da ruiva, chegando ao tecido fino de sua camisola, o puxando de uma só vez, expondo os seios da mulher, enquanto sorria levemente. 

Charlotte encolheu os ombros, sentindo as lágrimas chegarem aos seus olhos, mas não se opôs. Sentiu os dedos de Willian em seu braço então ele a puxou sem delicadeza alguma, seguindo em direção às escadas, as quais subiu silenciosamente, como um cordeiro. Não demoraram a chegar ao elegante quarto, ela viu a cama ainda bagunçada, sentiu o cheiro de um perfume que não era o seu espalhado por toda parte. Em alguns locais, havia até algumas peças de roupas que não eram suas, resquícios de mais uma traição, de mais uma humilhação. Sentia-se ainda mais suja ao deitar naquela cama, seu estômago se revirava ao sentir os lábios do seu marido tocando sua pele enquanto falava as maiores obscenidades, sussurrando-as em seu ouvido, degradando-a ainda mais. 

Ali,  nada era além de um corpo, uma casca vazia que esperava seu fim, ou algum socorro milagroso que, depois de tanto tempo, ela sequer tinha certeza de que viria. 

Então, somente fechou os olhos, ouvindo as palavras de sua mãe ecoando em sua mente: 

"Conserte o que você estragou, a culpa é sua.”

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