Dois anos depois…
— Mamãe… Eu não aguento mais isso! — a voz de Charlotte não passava de um sussurro enquanto, ainda em sua cama, ela encarava a mãe com lágrimas nos olhos. — Me ajude…
— Só Deus pode te ajudar, filha — Judith estava impaciente —, precisa se esforçar mais! Não consegue vingar nenhuma gravidez, também não consegue fazer com que seu marido seja só seu, sequer cuida bem do seu lar! Charlotte, não tem do que reclamar, isso tudo é culpa sua, você não cuida do seu casamento!
As palavras de sua mãe atingiram seu coração diretamente, fazendo-a ofegar em desespero. Nenhuma dor física era tão grande quanto a dor da perda que sentia, seu conto de fadas havia se tornado um grande pesadelo e ela estava fadada a isso até sua morte.
Seu corpo estava dolorido, seus olhos ardiam e ela sentia certo inchaço no lado esquerdo do rosto, resquícios do que havia acontecido há dois dias, sequelas do ataque de fúria que seu marido teve ao descobrir que ela havia perdido mais um bebê. Ao longe, chegando sussurrados e lentos aos ouvidos das duas damas, os gemidos de Willian e uma desconhecida tornavam o ambiente ainda mais repulsivo. Enquanto Charlotte se recuperava das agressões e da violência, ele estava no quarto do casal, com outra mulher.
— Papai nunca fez isso com você! — ela elevou um pouco o tom, apoiando o corpo nos cotovelos, erguendo-se levemente com um gemido de dor. — Por que não me ajuda? Por que me abandonou aqui?
O pedido era sofrido, choroso, mas em nada amoleceu o coração de Judith. A imagem da filha tão descuidada lhe causava raiva e repulsa, Charlotte tinha os belos olhos vermelhos e inchados, sua pele estava seca e opaca, seus cabelos ruivos desgrenhados, estava decadente na visão da mãe. Ter em sua família uma mulher seca seria uma vergonha e aquilo podia arruinar suas filhas, quem se casaria com Chelsea e Brista se soubesse do fracasso que era o casamento de Charlotte? Para onde iria à reputação das outras duas meninas que tinha? Ela não podia arriscar.
O lapso de rebeldia fez a Judith erguer a destra, acertando um tapa no rosto da filha, fazendo-a voltar a si e à sua mansidão, mesmo em meio ao sofrimento. Charlotte sentiu o rosto arder enquanto chorava, bem baixo, encolhida entre os brancos lençois, abraçando seu próprio corpo, desejando o fim de todo aquele pesadelo.
Os primeiros meses foram tão doces que, ao lembrar-se deles, ela tinha a certeza de que Willian era um ótimo ator, ou extremamente desequilibrado. Ele a tratava como uma rainha, ela era a luz que iluminava os dias escuros e nublados que ele tinha, ao menos até encontrá-lo bêbado pela primeira vez. Naquele dia, ela percebeu que o homem com quem casou tinha um lado que jamais desejou ter conhecido.
Depois daquele dia, tudo mudou, Willian mudou. Não havia mais respeito entre eles e, quando ela perdeu o primeiro filho, as coisas continuaram a piorar, seu casamento entrou em decadência e, enquanto ela esforçava-se para manter o matrimônio, seu marido fazia tudo o que tinha vontade, fosse com ela, ou com outras.
Com o passar do tempo, Willian não se contentou somente com as humilhações verbais. Quando os demais homens de seu convívio começaram a culpá-lo por Charlotte não gerar um filho, acusando sua virilidade ou denotando a falta dela, ele se revoltou ainda mais. Seu maior prazer atualmente era fazer de Charlotte a pior das mulheres, aquela que não tinha valor algum, mas que ainda pertencia a ele.
Não a deixava sair ou receber visitas, quando perguntavam por ela, usava um tom ameno e amável para dizer o quão triste ela ficou com a perda dos bebês, já que havia tido três gravidezes fracassadas, e como preferiu se isolar em casa, manipulando todos ao redor para que acreditassem que Charlotte se mantinha reclusa por vontade própria.
Apesar das falas amorosas sobre sua esposa, todos sabiam que ele se deitava com toda e qualquer mulher que lhe desse uma brecha, as más línguas também diziam que ele as levava para sua própria casa, uma e outra comentou que já havia estado até no quarto do casal, no leito que deveria ser sagrado, na presença da pobre esposa, que se manteve calada durante todo o ato que se desenrolava em sua frente.
Mas, para todos da sociedade, não passava de boatos, e Judith fazia questão de abafar todos eles, afinal, tinha que manter a reputação das filhas invictas, pois logo Brista se casaria e corria a notícia de que um belo e rico duque estava em busca de uma esposa, optando por buscar esse matrimônio em FoxSpare. Desse modo, era importante manter Charlotte e seu casamento sob controle e, por isso, Judith estava ali.
— Pare de chorar como uma criança e conquiste seu marido! Faça qualquer coisa! — ela frisou, segurando o rosto da filha com certa brusquidão. — Conserte o que você estragou, a culpa é sua!
Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido. As visitas de Judith sempre pioravam tudo para Charlotte, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la. Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções. O único a quem poderia recorrer estava muito distante. Marcel havia viajado para estudar diplomacia e só retornaria depois de meses, mas Charlotte não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida. Sabia que a noite já ia longe, pois todos os
Marcel viu, ao longe, o começo das terras de seu pai. Estava feliz por retornar para casa, principalmente por saber que, logo, logo, a região seria o berço de um encontro de nobres e isso traria muito prestígio, principalmente porque o duque de Gloucester estaria hospedado em sua casa, aquilo o animava muito. Sabia que o Duque tinha muitas posses, além de ser muito bem quisto pelo rei, que lhe dera tal título por ter sido um exímio líder de guerra há cerca de dois anos. A família real era pequena, não havia muitos nobres que, de fato, estivessem aptos para governar caso o príncipe viesse a falecer prematuramente, por isso, e, diante a instrução do conselho, a Adsumus, o rei o nomeou, afinal, era um homem de respeito. Marcel o conheceu durante sua viagem, não tinham conversado de fato, mas o convite para que ele se hospedasse na fazenda enquanto estivesse em FoxSpeare, e não no palácio, foi muito bem recebido pelo Duque, que tinha uma predileção por lugares distantes dos costumes da
Quando entrou na casa observando o organizado, ouviu a voz de Judith, sua mãe. Nunca teve um bom relacionamento com ela, normalmente, Judith era controladora demais para com suas irmãs e, apesar das garotas acharem que aquilo era normal, Marcel não concordava com as atitudes da mãe, que manipulava tudo para arranjar para as meninas propostas vantajosas. Teve medo de voltar de viagem e encontrar Chelsea, que tinha somente 16 anos, casada. — Chelsea! O que eu disse sobre receber visitas como um animal selvagem? Olhe seus cabelos! — a voz de Judith ecoou por toda a casa, o grito foi alto o bastante para fazer a mais nova encolher os ombros. Marcel suspirou ao notar a irmã murchar, vendo toda a animação e euforia ir por água abaixo. Odiava aquilo, odiava a forma como sua mãe as obrigava a manter a compostura até nos momentos mais íntimos. Sabia que a educação das moças era importante, mas sentia que suas irmãs eram cobradas demais e aquilo o machucava. — Não ligue para isso, vá chamar
Willian estava do lado de fora da grande casa da fazenda. Seus olhos estavam no céu nublado e ele sentia a fria brisa noturna levar seus cabelos. Sua esposa estava no quarto do casal, havia a deixado sozinha, não suportava ser desprezado com tamanho furor. O olhar que Charlotte dirigia a ele não tinha nada além de medo e nojo, a falta de reação quando ele a tocava, quando a beijava ou quando se deitava com ela, o fazia se sentir o pior dos homens, então descontava todo o seu ódio e frustração na doce criatura, que suportava todas as agressões e ainda se deitava com ele da forma que ele quisesse. “Sempre tão submissa”, pensou ele, levando o charuto aos lábios enquanto olhava para o céu. “Minha doce Charlotte , jamais será de mais ninguém…"Um sorriso maligno tomou seus lábios. Não pretendia ficar com ela por toda vida, queria herdeiros e ela não podia dá-los a ele, mas não a deixaria partir, fizeram um juramento perante Deus e a única coisa que iria separá-los era a morte. Ao meno
Quando acordou pela manhã, Charlotte notou que Willian não estava ao seu lado e agradeceu imensamente por isso. Ergueu o corpo dolorido lentamente, lembrando-se de tudo o que ele havia feito com seu corpo na noite passada e sentindo o estômago se contorcer com nojo. Tudo o que Willian fazia quando se deitavam tornava o ato que deveria ser a consumação do amor de ambos uma tortura infinita. Ele tomava seu corpo com força, de forma bruta e sem cuidado algum, a agredia e a marcava de formas inimagináveis, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Mas, apesar de ainda poder ver algumas manchas roxas espalhadas pela pele alva, decidiu que não pensaria nisso naquele momento. Guardaria suas lágrimas para chorar depois do desjejum, não o queria irritar, ele odiaria que ela se atrasasse e Charlotte não pretendia apanhar mais uma vez. Lavou o rosto na bacia de água fria que ficava ao lado do quarto, então pegou um vestido simples de linho e colocou sobre seu corpo, cobrindo as suas roupa
Marcel não dormiu. Rolou na cama a noite inteira, de um lado para o outro, imaginando as inúmeras possibilidades para o que poderia estar acontecendo com sua irmã. Então, na manhã seguinte, seu humor estava amargo para com todos, menos Chelsea e Brista, que ocuparam longas horas da sua manhã experimentando e mostrando para ele como haviam ficado os vestidos que o rapaz havia trazido da capital para as duas. Enquanto as duas garotas se divertiam, Judith observava o filho de longe. Sabia bem que ele estava estranho e tinha medo do que aconteceria à tarde, no entanto, ainda era a senhora daquela casa e Marcel não podia passar por cima de sua autoridade, ao menos era o que ela pensava. As horas se arrastaram durante toda a manhã. Enquanto Judith coordenava os empregados e o chá da tarde, já que as damas iriam tomar chá em sua fazenda naquele dia, Marcel aprontava o cavalo para seguir até a fazenda dos Griffin. — Mas eu queria ir também, irmão! — Chelsea insistia, enquanto o observava
Willian não apareceu na casa durante toda a tarde e, apesar de não querer, Marcel precisou ir embora e deixar sua irmã para trás, com a promessa de que voltaria. Instruiu Charlotte e pediu para que ela ficasse em seu quarto e trancasse a porta. Ele duvidava que Willian retornasse a casa naquela noite, o havia visto ao longe, encarando-os, durante a tarde, sabia que ele estaria na cidade afogando suas mágoas e era exatamente disso que precisava. Quando o sol se pôs e ele retornou a casa da fazenda, sua expressão deixava claro que não era um bom dia para conversas. Encarou sua mãe com um olhar de raiva, mas, ao menos naquele momento, não disse nada a ela. Marcel Capman mal entrou em casa e, logo em seguida, saiu. Cavalgou por longos minutos até próximo à cidade, encontrando a grande mansão. As luzes estavam acesas, havia carruagens e cavalos por ali, então, constatou que, por sorte, estavam presentes os demais membros. Amarrou seu cavalo junto com os outros e deu uma moeda ao garotin
Willian não sabia quantas horas passou na taberna, porém, só parou de beber quando o jogaram para fora como um cão. Estava tão bêbado que mal podia se aguentar de pé e a cidade já estava vazia, a não ser pelas prostitutas, que estavam aqui e ali à procura de um cliente para render seus lucros. Mas não se aproximaram dele, todas elas sabiam dos estranhos gostos do Griffin, de como ele era agressivo e violento, até elas resguardavam seu corpo, que era seu instrumento de trabalho. Jogado no chão sujo, Willian demorou para se levantar. Apoiou-se na parede da taberna e, com um grande esforço, conseguiu se pôr de pé. Havia bebido muito, muito mais do que costumava, e agora iria para casa. Queria ver Charlotte , queria tê-la para si e descobrir o que ela havia dito ao irmão. Sentia a raiva fazer seus dedos estremecerem e o medo gelar seu coração, tinha medo de perdê-la, ela era sua eternamente e não podia permitir que ninguém a tirasse dele. Seguiu até seu cavalo, montando sobre ele de for