Willian estava do lado de fora da grande casa da fazenda.
Seus olhos estavam no céu nublado e ele sentia a fria brisa noturna levar seus cabelos. Sua esposa estava no quarto do casal, havia a deixado sozinha, não suportava ser desprezado com tamanho furor. O olhar que Charlotte dirigia a ele não tinha nada além de medo e nojo, a falta de reação quando ele a tocava, quando a beijava ou quando se deitava com ela, o fazia se sentir o pior dos homens, então descontava todo o seu ódio e frustração na doce criatura, que suportava todas as agressões e ainda se deitava com ele da forma que ele quisesse.
“Sempre tão submissa”, pensou ele, levando o charuto aos lábios enquanto olhava para o céu. “Minha doce Charlotte , jamais será de mais ninguém…"
Um sorriso maligno tomou seus lábios.
Não pretendia ficar com ela por toda vida, queria herdeiros e ela não podia dá-los a ele, mas não a deixaria partir, fizeram um juramento perante Deus e a única coisa que iria separá-los era a morte.
Ao menos assim ele pensava.
Estava tão distraído em seus devaneios que mal notou o trotar dos cavalos que se aproximavam, quando os percebeu, os dois capatazes já estavam extremamente próximos à entrada da casa. Mas Willian Griffin não se assustou, os reconheceu, sabia que eram trabalhadores da fazenda dos Capman, certamente, sua sogra havia lhe mandado um recado. Ainda não entendia como Judith o venerava tanto, porém, com certeza, ela concordava com seus métodos de por sua filha na linha, afinal, sempre que os visitava, se mostrava muito feliz e satisfeita com o casamento que tinham.
— Senhor Griffin! — iniciou um dos capatazes, descendo de sua montaria enquanto o outro aguardava, ainda sobre o cavalo. — A senhora Capman nos mandou aqui para entregar isso.
O homem de meia idade, dedos calejados e um porte físico alto estendeu o bilhete para Willian, que o pegou com curiosidade. Sem sequer agradecer, somente se virou e afastou-se deles, indo para um local mais privado a fim de saber do que a carta se tratava.
Os homens não demoraram a partir, não esperavam menos de Willian Griffin, ao contrário do pai, Honoro, Willian era mesquinho e arrogante, sempre tratava todos com superioridade mesmo que, no fim, não passasse de mais um fazendeiro regional.
Enquanto os dois visitantes rumavam à sua própria fazenda, Willian entrava em sua casa. O loiro pegou um dos poucos candelabros que ainda estavam acesos e seguiu em direção ao seu escritório, adentrou o local tranquilamente, fechou a porta e sentou-se na grande poltrona, só então abriu a pequena carta.
Os olhos tempestuosos devoraram as poucas linhas em segundos e seu coração gelou, seu pior pesadelo estava se tornando realidade. A mente de Willian trabalhava a todo vapor enquanto ele tentava conter um surto de raiva que começava a vir, subindo da ponta de seus pés e irradiando por todo seu corpo, fazendo seu olho direito tremer e sua respiração ficar profunda e arfante como de um cão raivoso.
“Marcel retornou inesperadamente, querido genro, e pretende ir a sua casa ainda essa semana.
Não posso o controlar, espero que mantenham a civilidade e se comportem como os homens que são. Converse com sua esposa e a instrua, sabe como ele é protetor, ao menor sinal de perigo, você irá perdê-la! Tome cuidado.”— Mas que inferno! — gritou ele, passando as mãos violentamente na mesa, jogando ao chão tudo o que havia ali.
O tinteiro manchou o chão amadeirado e os pequenos potes de vidro onde guardava carimbos, penas e cera, se quebraram em um estrondo alto demais para aquela hora da madrugada.
Willian sentia raiva e medo.
Lidar com Judith nunca foi um problema e o senhor Capman sempre acreditava em tudo o que sua querida esposa dizia, no entanto, seu pior pesadelo estava de volta e sabia bem que qualquer deslize custaria seu casamento.
Marcel, o irmão mais velho de Charlotte , certamente lhe causaria muitos problemas.
***
Na fazenda vizinha, assim que os capatazes retornaram, notaram uma iluminação mediana vinda do quarto do filho mais velho, Marcel.Ele não conseguiu dormir, milhões de possibilidades se passavam em sua cabeça e não lhe passou despercebido a movimentação de sua mãe pelos corredores. Sua janela lhe dava uma visão perfeita dos jardins dos fundos e, no exato momento em que pensou em tomar um ar, colocando o rosto perto do vidro ainda fechado, pronto para abri-lo, viu Judith conversando com os dois capatazes.
Seus olhos atentos não perderam um movimento sequer, a viu entregar um pequeno saquinho para os homens, que os deixou muito felizes, e algo que parecia uma carta. Judith voltou para dentro pouco depois e, sem demora, Marcel viu os dois homens partirem em direção à fazenda dos Griffin.
Assim que retornaram, ele os viu, mas dessa vez não fez questão de esconder-se. Sua janela estava escancarada, metade do seu corpo forte pendia para o lado de fora enquanto ele apoiava os grandes braços no parapeito. Sua postura amedrontava qualquer um, bem como a muralha de músculos fortes e definidos que havia se tornado com o passar dos anos.
Não demorou para ver os dois homens encolherem os ombros e um deles lhe acenar com certo receio. Marcel não retribuiu o aceno, seus olhos se fixaram no homem e, como um silencioso aviso, ele o encarou fixamente por longos minutos. Depois, voltou para dentro, fechando a janela e as cortinas, voltando para sua cama.
Certamente, teria muito o que fazer no dia seguinte.
Quando acordou pela manhã, Charlotte notou que Willian não estava ao seu lado e agradeceu imensamente por isso. Ergueu o corpo dolorido lentamente, lembrando-se de tudo o que ele havia feito com seu corpo na noite passada e sentindo o estômago se contorcer com nojo. Tudo o que Willian fazia quando se deitavam tornava o ato que deveria ser a consumação do amor de ambos uma tortura infinita. Ele tomava seu corpo com força, de forma bruta e sem cuidado algum, a agredia e a marcava de formas inimagináveis, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Mas, apesar de ainda poder ver algumas manchas roxas espalhadas pela pele alva, decidiu que não pensaria nisso naquele momento. Guardaria suas lágrimas para chorar depois do desjejum, não o queria irritar, ele odiaria que ela se atrasasse e Charlotte não pretendia apanhar mais uma vez. Lavou o rosto na bacia de água fria que ficava ao lado do quarto, então pegou um vestido simples de linho e colocou sobre seu corpo, cobrindo as suas roupa
Reino de Kent, 1442Era uma vez, em um reino distante chamado Kent, uma família parcialmente feliz. Havia uma mãe e esposa, seu nome era Judith, seu casamento era estável, seu marido, George Capman, era um homem de posses, grande fazendeiro da região. Sua casa era bela e imensa, ela era uma senhora que causava inveja, não só pelas posses de seu marido e pela condição de vida que ostentava, a coisa que mais despertava a inveja das outras damas da corte eram seus belíssimos filhos. Eram quatro ao todo, três meninas e um menino, a beleza deles encantava a todos, assim como o porte elegante e a educação. Marcel era o mais velho, o filho homem que todo pai sonhava em ter, era elegante, estudado, se formou em diplomacia e tinha uma posição social invejável aos seus 25 anos. Era alto, seus cabelos castanhos formavam ondulações delicadas e charmosas, sua pele era clara e seus olhos mais azuis que o céu mais limpo, tinha lábios bem marcados, um rosto de traços bonitos e um queixo quadrado. Tr
O casamento seria o evento do ano, sem sombras de dúvidas. O dia estava ensolarado e a fazenda perfeitamente organizada, o salão de festas estava muito bem decorado e a capela, que ficava no campo, estava tão bonita que qualquer um que entrasse ali acreditaria que se tratava do casamento de um nobre da região. Enquanto o noivo aguardava na capela junto aos demais convidados, na casa, Charlotte se preparava para o que acreditava ser o dia mais feliz de sua vida. — Está muito linda, minha filha — Judith falou, apoiando as finas mãos nos ombros de sua filha enquanto olhava o reflexo da mais jovem no espelho. — Não há em Kent moça mais bela que você.Os olhos da mulher viajaram pelo reflexo do espelho, à sua frente, Charlotte sorria como uma verdadeira princesa. Seu vestido tinha um tom perolado com belos detalhes em dourado. Seus cabelos avermelhados estavam soltos e, em sua cabeça, uma belíssima tiara segurava o delicado véu, estava perfeita. Suas mãos estavam enluvadas e seguravam f
Dois anos depois…— Mamãe… Eu não aguento mais isso! — a voz de Charlotte não passava de um sussurro enquanto, ainda em sua cama, ela encarava a mãe com lágrimas nos olhos. — Me ajude… — Só Deus pode te ajudar, filha — Judith estava impaciente —, precisa se esforçar mais! Não consegue vingar nenhuma gravidez, também não consegue fazer com que seu marido seja só seu, sequer cuida bem do seu lar! Charlotte, não tem do que reclamar, isso tudo é culpa sua, você não cuida do seu casamento! As palavras de sua mãe atingiram seu coração diretamente, fazendo-a ofegar em desespero. Nenhuma dor física era tão grande quanto a dor da perda que sentia, seu conto de fadas havia se tornado um grande pesadelo e ela estava fadada a isso até sua morte. Seu corpo estava dolorido, seus olhos ardiam e ela sentia certo inchaço no lado esquerdo do rosto, resquícios do que havia acontecido há dois dias, sequelas do ataque de fúria que seu marido teve ao descobrir que ela havia perdido mais um bebê. Ao lon
Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido. As visitas de Judith sempre pioravam tudo para Charlotte, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la. Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções. O único a quem poderia recorrer estava muito distante. Marcel havia viajado para estudar diplomacia e só retornaria depois de meses, mas Charlotte não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida. Sabia que a noite já ia longe, pois todos os
Marcel viu, ao longe, o começo das terras de seu pai. Estava feliz por retornar para casa, principalmente por saber que, logo, logo, a região seria o berço de um encontro de nobres e isso traria muito prestígio, principalmente porque o duque de Gloucester estaria hospedado em sua casa, aquilo o animava muito. Sabia que o Duque tinha muitas posses, além de ser muito bem quisto pelo rei, que lhe dera tal título por ter sido um exímio líder de guerra há cerca de dois anos. A família real era pequena, não havia muitos nobres que, de fato, estivessem aptos para governar caso o príncipe viesse a falecer prematuramente, por isso, e, diante a instrução do conselho, a Adsumus, o rei o nomeou, afinal, era um homem de respeito. Marcel o conheceu durante sua viagem, não tinham conversado de fato, mas o convite para que ele se hospedasse na fazenda enquanto estivesse em FoxSpeare, e não no palácio, foi muito bem recebido pelo Duque, que tinha uma predileção por lugares distantes dos costumes da
Quando entrou na casa observando o organizado, ouviu a voz de Judith, sua mãe. Nunca teve um bom relacionamento com ela, normalmente, Judith era controladora demais para com suas irmãs e, apesar das garotas acharem que aquilo era normal, Marcel não concordava com as atitudes da mãe, que manipulava tudo para arranjar para as meninas propostas vantajosas. Teve medo de voltar de viagem e encontrar Chelsea, que tinha somente 16 anos, casada. — Chelsea! O que eu disse sobre receber visitas como um animal selvagem? Olhe seus cabelos! — a voz de Judith ecoou por toda a casa, o grito foi alto o bastante para fazer a mais nova encolher os ombros. Marcel suspirou ao notar a irmã murchar, vendo toda a animação e euforia ir por água abaixo. Odiava aquilo, odiava a forma como sua mãe as obrigava a manter a compostura até nos momentos mais íntimos. Sabia que a educação das moças era importante, mas sentia que suas irmãs eram cobradas demais e aquilo o machucava. — Não ligue para isso, vá chamar