Quando entrou na casa observando o organizado, ouviu a voz de Judith, sua mãe. Nunca teve um bom relacionamento com ela, normalmente, Judith era controladora demais para com suas irmãs e, apesar das garotas acharem que aquilo era normal, Marcel não concordava com as atitudes da mãe, que manipulava tudo para arranjar para as meninas propostas vantajosas. Teve medo de voltar de viagem e encontrar Chelsea, que tinha somente 16 anos, casada.
— Chelsea! O que eu disse sobre receber visitas como um animal selvagem? Olhe seus cabelos! — a voz de Judith ecoou por toda a casa, o grito foi alto o bastante para fazer a mais nova encolher os ombros.Marcel suspirou ao notar a irmã murchar, vendo toda a animação e euforia ir por água abaixo. Odiava aquilo, odiava a forma como sua mãe as obrigava a manter a compostura até nos momentos mais íntimos. Sabia que a educação das moças era importante, mas sentia que suas irmãs eram cobradas demais e aquilo o machucava.
— Não ligue para isso, vá chamar Brista, quero vê-la! — falou, abaixando-se para deixar um beijo na testa da irmã e vendo-a correr para dentro, sumindo de vista.
Ele seguiu para dentro da grande casa, chegando à sala de estar, Marcel viu sua mãe de pé na escada. Judith nunca mudava, seu porte elegante e altivo estava ainda mais presente, assim como o olhar de julgamento, afinal, ele estava fora há dois anos e aquilo a irritava profundamente, já que a vida boêmia que levava se espalhou até ali e chegou aos ouvidos de sua mãe.
— Resolveu lembrar que tem uma família, Marcel? — ela perguntou, com uma expressão fechada.
— Achei que era melhor voltar antes que casasse Brista e Chelsea com algum velho fazendeiro — alfinetou o rapaz, fazendo a mulher unir as sobrancelhas. — Também senti sua falta, mamãe.
O rapaz se aproximou, estendendo as mãos para ela e segurando os finos dedos de sua mãe com carinho. Apesar de discordar de suas atitudes, a amava intensamente, assim como a suas irmãs. Judith apertou as mãos do filho delicadamente e desceu os degraus restantes, o abraçando e dando alguns beijinhos em seu rosto.
— Está ainda mais bonito, meu rapaz! — falou, levemente emocionada.
— Obrigada, mamãe — ele agradeceu, afastando-se dela e tirando o casaco, entregando-o à mulher. — Onde está meu pai?
— No campo, sabe como ele é — respondeu ela, em tom de reclamação, dobrando o casaco. — Não sabia que vinha, seu quarto nem está organizado!
Judith estava nervosa. Não havia se preparado para a volta de Marcel, aquilo mudava um pouco seus planos. Seu filho mais velho sempre fora bastante protetor e a situação de Charlotte estava se sustentando até aquele dia justamente pela distância de Marcel. Não sabia como iria contornar a curiosidade do filho, tinha certeza que Chelsea havia dito alguma coisa, afinal, os olhos azuis e tempestuosos não negavam a curiosidade e a desconfiança que estava estampada no rosto do rapaz.
— Eu achei melhor vir sem avisar, gosto de chegar de surpresa — ele comentou, erguendo os olhos para a mãe, estreitando as íris claras. — Como está Charlotte? Me disse que tudo estava bem e que ela vinha frequentemente a casa, mas Chelsea me disse que não a vê desde o casamento.
O tom de Marcel era tranquilo, falava como quem dizia as notícias matinais e tediosas da corte, mas Judith sabia que ele só usava aquele tom quando estava ciente de que havia algo de errado.
— Ela está ocupada com a vida de casada — justificou. — Tem sua própria casa e família agora.
A forma como ela falava soou evasiva aos ouvidos de Marcel, que se silenciou, tinha seus próprios meios de descobrir o que estava acontecendo. Judith mentia muito bem, mas ele aprendeu a ler todos os comportamentos da mãe, dessa forma, ele era tão bom quanto ela em mentir e fingir quando queria.
— Amanhã irei vê-la, quem sabe até levarei as meninas comigo, mas falamos sobre isso depois e… — Marcel estava prestes a falar que provavelmente passaria a tarde com Charlotte quando sua cintura foi envolvida pelos braços delicados e afoitos de Brista.
Diferente de Chelsea, Brista havia mudado muito. Seus cabelos estavam muito maiores, desciam como cascatas até abaixo da cintura, alguns fios tomavam uma tonalidade mais escura que outros, era encantador. Sua pele também estava mais bronzeada, assumindo um tom mais vivido e luminoso que combinava perfeitamente com a vivacidade de Brista e a impetuosidade que ela carregava.
— Marcel! Estou tão feliz que voltou! Soube do duque? — ela disparou as perguntas rapidamente enquanto o soltava.
— Também estou feliz em vê-la! — respondeu o mais velho, tocando as madeixas loiras. — Sim, inclusive, ele virá passar a temporada em nossa casa!
— O QUÊ? — perguntaram as três mulheres em uníssono.
Então, toda a sala se tornou uma confusão de vozes e Marcel se viu num longo interrogatório sobre o visitante que chegaria dali a alguns meses.
***
Quando a noite já ia longe e a lua estava alta no céu, Judith se levantou de sua cama silenciosamente, vestindo o robe de seda perolado e ajeitando a touca nos cabelos. Saiu discretamente, ouvindo os roncos de seu marido e revirando os olhos, resmungando como ele roncava feito um porco no meio da noite enquanto deixava seus aposentos, não sem antes pegar o saco pequeno de moedas que guardava em sua gaveta de roupas íntimas.
Caminhou silenciosamente até o escritório do marido, pegando papel e caneta, escrevendo um breve bilhete, dobrando-o e pondo num envelope. Judith não demorou a deixar o escritório e seguir em direção às escadas, ouvindo o ranger da madeira e amaldiçoando o linóleo velho enquanto caminhava, não podia chamar atenção de ninguém.
Seguiu para os fundos da casa, chegando à porta que levava até os jardins traseiros e ao pequeno casebre, onde sabia que os trabalhadores solteiros ficavam jogando cartas até tarde da noite. Sem vergonha ou timidez alguma ela se aproximou, recebendo um olhar de surpresa dos dois capatazes que jogavam xadrez e bebiam cerveja.
— Preciso que um de vocês leve isso até a fazenda dos Griffin — anunciou, com uma postura firme. — Meu marido e meu filho não devem saber, esse é o pagamento.
Ela jogou um saco de moedas de ouro sob o tabuleiro, bagunçando todas as peças. Os homens pegaram o saco e um deles o abriu, sorrindo ao ver a quantidade generosa de moedas. Então, ambos se levantaram e, aproximando-se, um deles pegou a carta de sua mão e disse:
— Com todo prazer, minha senhora.
Willian estava do lado de fora da grande casa da fazenda. Seus olhos estavam no céu nublado e ele sentia a fria brisa noturna levar seus cabelos. Sua esposa estava no quarto do casal, havia a deixado sozinha, não suportava ser desprezado com tamanho furor. O olhar que Charlotte dirigia a ele não tinha nada além de medo e nojo, a falta de reação quando ele a tocava, quando a beijava ou quando se deitava com ela, o fazia se sentir o pior dos homens, então descontava todo o seu ódio e frustração na doce criatura, que suportava todas as agressões e ainda se deitava com ele da forma que ele quisesse. “Sempre tão submissa”, pensou ele, levando o charuto aos lábios enquanto olhava para o céu. “Minha doce Charlotte , jamais será de mais ninguém…"Um sorriso maligno tomou seus lábios. Não pretendia ficar com ela por toda vida, queria herdeiros e ela não podia dá-los a ele, mas não a deixaria partir, fizeram um juramento perante Deus e a única coisa que iria separá-los era a morte. Ao meno
Quando acordou pela manhã, Charlotte notou que Willian não estava ao seu lado e agradeceu imensamente por isso. Ergueu o corpo dolorido lentamente, lembrando-se de tudo o que ele havia feito com seu corpo na noite passada e sentindo o estômago se contorcer com nojo. Tudo o que Willian fazia quando se deitavam tornava o ato que deveria ser a consumação do amor de ambos uma tortura infinita. Ele tomava seu corpo com força, de forma bruta e sem cuidado algum, a agredia e a marcava de formas inimagináveis, tanto fisicamente, quanto psicologicamente. Mas, apesar de ainda poder ver algumas manchas roxas espalhadas pela pele alva, decidiu que não pensaria nisso naquele momento. Guardaria suas lágrimas para chorar depois do desjejum, não o queria irritar, ele odiaria que ela se atrasasse e Charlotte não pretendia apanhar mais uma vez. Lavou o rosto na bacia de água fria que ficava ao lado do quarto, então pegou um vestido simples de linho e colocou sobre seu corpo, cobrindo as suas roupa
Marcel não dormiu. Rolou na cama a noite inteira, de um lado para o outro, imaginando as inúmeras possibilidades para o que poderia estar acontecendo com sua irmã. Então, na manhã seguinte, seu humor estava amargo para com todos, menos Chelsea e Brista, que ocuparam longas horas da sua manhã experimentando e mostrando para ele como haviam ficado os vestidos que o rapaz havia trazido da capital para as duas. Enquanto as duas garotas se divertiam, Judith observava o filho de longe. Sabia bem que ele estava estranho e tinha medo do que aconteceria à tarde, no entanto, ainda era a senhora daquela casa e Marcel não podia passar por cima de sua autoridade, ao menos era o que ela pensava. As horas se arrastaram durante toda a manhã. Enquanto Judith coordenava os empregados e o chá da tarde, já que as damas iriam tomar chá em sua fazenda naquele dia, Marcel aprontava o cavalo para seguir até a fazenda dos Griffin. — Mas eu queria ir também, irmão! — Chelsea insistia, enquanto o observava
Willian não apareceu na casa durante toda a tarde e, apesar de não querer, Marcel precisou ir embora e deixar sua irmã para trás, com a promessa de que voltaria. Instruiu Charlotte e pediu para que ela ficasse em seu quarto e trancasse a porta. Ele duvidava que Willian retornasse a casa naquela noite, o havia visto ao longe, encarando-os, durante a tarde, sabia que ele estaria na cidade afogando suas mágoas e era exatamente disso que precisava. Quando o sol se pôs e ele retornou a casa da fazenda, sua expressão deixava claro que não era um bom dia para conversas. Encarou sua mãe com um olhar de raiva, mas, ao menos naquele momento, não disse nada a ela. Marcel Capman mal entrou em casa e, logo em seguida, saiu. Cavalgou por longos minutos até próximo à cidade, encontrando a grande mansão. As luzes estavam acesas, havia carruagens e cavalos por ali, então, constatou que, por sorte, estavam presentes os demais membros. Amarrou seu cavalo junto com os outros e deu uma moeda ao garotin
Willian não sabia quantas horas passou na taberna, porém, só parou de beber quando o jogaram para fora como um cão. Estava tão bêbado que mal podia se aguentar de pé e a cidade já estava vazia, a não ser pelas prostitutas, que estavam aqui e ali à procura de um cliente para render seus lucros. Mas não se aproximaram dele, todas elas sabiam dos estranhos gostos do Griffin, de como ele era agressivo e violento, até elas resguardavam seu corpo, que era seu instrumento de trabalho. Jogado no chão sujo, Willian demorou para se levantar. Apoiou-se na parede da taberna e, com um grande esforço, conseguiu se pôr de pé. Havia bebido muito, muito mais do que costumava, e agora iria para casa. Queria ver Charlotte , queria tê-la para si e descobrir o que ela havia dito ao irmão. Sentia a raiva fazer seus dedos estremecerem e o medo gelar seu coração, tinha medo de perdê-la, ela era sua eternamente e não podia permitir que ninguém a tirasse dele. Seguiu até seu cavalo, montando sobre ele de for
Quando finalmente estavam sozinhos, Marcel caminhou até as portas do celeiro e as fechou, voltando-se para Willian novamente e caminhando devagar até ele. A princípio, não fez nada, somente o encarou com nojo e raiva, enquanto Willian o olhava com arrogância. Então, como quem libera uma besta de sua jaula, um furor se acendeu nos olhos azuis e, deixando de lado qualquer cavalheirismo e compostura, ele começou. Os punhos de Marcel o acertavam com tamanha força que Willian sequer conseguia acompanhar os golpes, só conseguia sentir a dor. Marcel o acertou com vários socos no rosto, vários chutes, jogou a cadeira onde ele estava amarrado no chão somente para poder pisar em seu rosto e cuspir nele, tratando-o como o animal que era e deixando que todo o seu ódio se esvaísse em violência, direcionada única e exclusivamente ao agressor de sua irmã. Enquanto era surrado, Willian gemia e pedia por socorro, xingava Marcel dos piores insultos que conhecia e, depois de um tempo, começou a implor
Charlotte estava nervosa. Havia feito exatamente o que seu irmão mandou, estava, desde a noite anterior, trancada em seu quarto. Havia organizado todos os seus vestidos numa grande mala, sabia que Marcel chegaria logo e não queria desperdiçar um segundo. — Charlotte ! — ouviu o chamado do irmão no andar debaixo e, só então abriu a grande porta, correndo até as escadas e deparando-se com uma terrível cena. Willian estava sendo carregado por dois homens que ela nunca havia visto, eles, bem como seu irmão, usavam roupas totalmente negras. Seu marido estava totalmente machucado, ensaguentado e desmaiado, mas ela não sentiu por ele nenhuma compaixão. — Senhorita Capman, é um prazer conhecê-la — falou Thommas, sorrindo para a mulher mais bela que havia visto em sua vida. Mesmo vestida de forma tão simplória, Charlotte conseguia atrair os olhares de qualquer um naquela sala, no entanto, os rapazes mal a encaravam, afinal, Marcel não estava num dos seus melhores dias e todos sabiam da
As palavras fizeram Brista e Chelsea arregalarem os olhos. Charlotte encolheu o corpo e abraçou-se na esperança de se consolar, pela segunda vez, estava sendo desprezada e amaldiçoada por sua própria mãe. Marcel, num acesso de fúria, ergueu a destra para Judith, mas parou com ela no ar ao ouvir a voz de Charlotte , baixa e sussurrada, sofrida. — Não precisa se preocupar, mamãe — ela iniciou, as palavras saiam como espinhos de sua garganta. — Não ficarei aqui, deixe-me na casa que fica na estrada, irei me manter distante, isolada de todos, a última coisa que desejo é prejudicar minhas irmãs. — Lottie — Brista falou, tocando os ombros da irmã com delicadeza. — Não precisa fazer isso, minha irmã…— Ela não irá, eu não vou permitir que Charlotte seja afastada de todos nós, mais uma vez, pela ganância da nossa mãe! — Marcel gritou, fazendo todas as mulheres na sala se encolherem tamanha a raiva em sua voz. Quando percebeu que as havia assustado, o rapaz massageou as têmporas e, an