O estrondo dos tiros rasgou o ar, misturando-se aos gritos apavorados que ecoavam pela boate. O desespero tomou conta do ambiente, pessoas corriam em todas as direções, esbarrando umas nas outras, derrubando mesas e copos no chão. Luzes piscavam freneticamente, criando sombras fantasmagóricas que tornavam a cena ainda mais caótica.
No palco, Elena estava encolhida no chão, escondida atrás da mesa de DJ que, até poucos segundos atrás, vibrava ao som da sua música eletrônica. Seu coração martelava contra o peito, um tambor incessante de puro pavor. O ar cheirava a pólvora e suor. Com as mãos trêmulas, ela tentava inutilmente esconder a cabeça, como se pudesse se tornar invisível. Então, de repente, um silêncio sepulcral tomou conta do ambiente. Elena prendeu a respiração. O medo a consumia por completo, seus músculos estavam rígidos, incapazes de reagir. O que aconteceria agora? O silêncio foi quebrado por passos firmes e cadenciados, ressoando no piso como se pertencessem a um predador se aproximando da presa. Eles pararam bem à sua frente. Seus olhos, antes semicerrados, se abriram num reflexo involuntário. O que viu fez seu estômago revirar. Diante dela, um par de sapatos masculinos de couro preto, brilhantes, engraxados com perfeição, denunciavam a presença de alguém que não pertencia ao caos ao redor. Seu olhar subiu lentamente, percorrendo as pernas cobertas por um tecido fino e caro, o caimento impecável de um terno negro. Quando finalmente chegou ao rosto do homem, um arrepio percorreu sua espinha. Ele tinha uma barba espessa e bem aparada, os olhos eram frios como aço temperado. Mas o que mais prendeu sua atenção foi a arma que ele segurava. O cano prateado da pistola estava apontado diretamente para ela. Elena sentiu o mundo girar. O que ele queria? E, mais importante... conseguiria sair viva dali? — Levante-se, Elena. — A ordem veio carregada de uma frieza cortante, a voz grave ecoando no espaço agora silencioso da boate. Um arrepio percorreu a espinha dela. O medo era quase sufocante, mas obedeceu sem hesitar. Com movimentos rápidos e cautelosos, agarrou o fone preto caído ao seu lado e se levantou, sem tirar os olhos do cano da arma apontado para ela. — Eu sou só a DJ, eu não... — Calada. — O tom impiedoso a fez prender a respiração. No instante seguinte, antes que pudesse pensar, Elena sentiu o mundo girar. Num movimento ágil, o homem a puxou para si, seus braços fortes a prendendo contra seu peito. O calor do corpo dele contrastava com a frieza letal de sua presença. O coração dela martelava, a adrenalina disparando como uma corrente elétrica. Ela sabia que aquele era o momento. Se hesitasse, estaria perdida. Respirou fundo. Em um movimento rápido e certeiro, ergueu o pé e desferiu um pisão brutal no dele, afundando o salto com toda a força que possuía. O homem rosnou de dor, mas antes que ele pudesse reagir, Elena fechou a mão e a enfiou violentamente entre as pernas dele. O grunhido que ele soltou foi o suficiente. Os braços ao seu redor afrouxaram, e ela não pensou duas vezes antes de correr. Pulou do palco sem olhar para trás, o coração ameaçando sair pela boca. Ela não precisava se perguntar por que aquele homem estava atrás dela. Sabia muito bem. E também sabia o que precisava fazer: fugir. Outra vez. O ambiente estava pouco iluminado, o cheiro de pólvora e sangue impregnava o ar. Ela corria sem parar, desviando dos corpos espalhados pelo chão, dos cacos de vidro e destroços da boate agora devastada. A saída estava à sua frente. Faltavam poucos passos. Mas então, um puxão violento em seus cabelos fez seu corpo ser arrastado para trás. O impacto foi tão forte que um gemido escapou de seus lábios, seu pescoço arqueando pelo golpe inesperado. O pânico subiu como uma maré avassaladora, mas antes que pudesse reagir, sentiu algo pesado atingindo sua cabeça. A dor foi cortante. A visão escureceu. E então, tudo virou escuridão. Quatro horas antes — Tem certeza de que é seguro? — Elena perguntou em um sussurro tenso, os olhos varrendo o beco estreito ao redor. Ao seu lado, o rapaz que conhecera há apenas três dias manteve-se imóvel, apenas o brilho inquieto de seus olhos visível sob a sombra do capuz do moletom. Ele parecia mais um vulto do que uma pessoa real, alguém que preferia não ser visto, não ser lembrado. — Claro que sim — respondeu ele, a voz carregada de um cinismo quase divertido. — Quem desconfiaria de você? Elena engoliu seco. Aquilo era verdade. Quem suspeitaria da doce DJ Elena? A garota dos fones de ouvido e batidas eletrônicas, que passava as noites em festas e as manhãs dormindo para fugir da ressaca da realidade? Ela sempre detestou drogas. Sempre. Mas a necessidade era uma fera insaciável, e o desespero tinha um jeito cruel de fazer alguém reconsiderar suas próprias regras. DJ por paixão, sobrevivente por obrigação. O dinheiro das festas mal pagava sua comida, quem dirá um aluguel. Sem dizer mais nada, ela enfiou o pequeno pacote no bolso da jaqueta jeans e deu um leve aceno com a cabeça antes de se afastar, saindo daquele beco fétido e úmido. Seus passos eram rápidos, mas controlados, como se quisesse desaparecer sem chamar atenção. A cidade estava viva, pulsando sob as luzes artificiais dos postes e letreiros. O fluxo de pessoas na calçada era um disfarce perfeito para quem não queria ser visto. Ela achava que aquilo seria simples. Mas nada na sua vida era simples. E, ela nem podia imaginar que em poucas horas, estaria correndo para salvar a própria vida. Uma hora antes O som da música eletrônica pulsava no ar como uma corrente elétrica, vibrando através dos corpos suados e eufóricos na pista de dança. A cada batida, um frenesi crescia entre os frequentadores da boate. No comando de tudo, Elena deslizava os dedos habilidosos sobre os equipamentos, guiando cada transição com precisão cirúrgica. Ela estava imersa no ritmo, sentindo a música como uma extensão de si mesma. No auge da performance, retirou o fone do ouvido esquerdo, permitindo-se ouvir a euforia do público. Os gritos misturavam-se à batida intensa, formando um turbilhão de energia viciante. A música que tocava era exclusiva daquele lugar, daquele momento. Ali, todas as sextas e sábados, ela era a responsável por abrir a noite com seus sets eletrizantes. Depois de quarenta minutos ininterruptos, Elena finalmente fez uma pausa. Deixando os equipamentos para trás, caminhou direto para o bar, onde Oliver, o barman, já a esperava com um copo de água gelada. Ela pegou o copo e bebeu em goles longos e desesperados, como se tivesse acabado de atravessar um deserto. — A casa está cheia hoje — comentou Oliver com um sorriso maroto. — Estão aqui por sua causa. Elena revirou os olhos, divertida. — Deixa de besteira, Oliver. Você viaja demais. Ele inclinou-se sobre o balcão, entregando-lhe uma bala embrulhada. — Você se subestima. Ouço muita coisa por aqui... Sei que estão cogitando te colocar como atração principal. Ela parou no meio do movimento de desembrulhar a bala. — Eu... O quê? A surpresa foi tamanha que ela quase se engasgou. Oliver riu, observando-a com um brilho divertido nos olhos. Mas havia algo mais ali. Admiração. Um pouco de orgulho. E talvez algo mais profundo que ela não quis decifrar naquele momento. — Eu ouvi que... — Oi, você é a Elena? A nova voz a fez girar nos calcanhares. O desconhecido que agora estava diante dela tinha um olhar intenso, penetrante demais para alguém que fazia uma pergunta tão simples. E foi naquele momento, naquele pequeno segundo de hesitação, que algo dentro dela gritou em alerta. O rapaz de camiseta vermelha interrompeu a conversa com um simples movimento, fazendo com que os olhares de Elena e Oliver se voltassem para ele. — Sim, você é? — Elena perguntou, já ajustando seu comportamento. Estava pronta para mais um fã entusiasta ou, talvez, alguém apenas querendo flertar. Mas o rapaz não parecia interessado em conversa fiada. Aproximou-se com um olhar fixo e uma expressão séria, e então cochichou, baixo o suficiente para que apenas ela ouvisse: — Me disseram para te procurar. Você, é... Você tem um presentinho? O tom de sua voz, quase um sussurro, fez com que Elena se endireitasse. Ela imediatamente se lembrou do que estava carregando em seu bolso — o pacotinho com os pinos de pó. Ela não hesitou. A necessidade falava mais alto. — Ah, sim. Vem comigo. Com um movimento ágil, Elena se afastou do bar e guiou o rapaz até um canto mais discreto, onde rapidamente fez a troca: o pacote por uma quantia considerável de dinheiro. O rapaz pegou a droga com um sorriso satisfeito e se afastou, indo direto para o banheiro masculino. Por um momento, Elena achou que tudo estava sob controle. Mas logo percebeu que a notícia de que ela estava com aquilo começava a se espalhar. Em questão de minutos, parecia que as pessoas estavam literalmente farejando a oportunidade. Elena foi rapidamente cercada por um mar de rostos ansiosos, olhos vidrados pela promessa do "presentinho". Ela não teve tempo de processar, e o que parecia ser uma venda pequena se transformou em uma enxurrada de pedidos. O último pino foi entregue com a mesma rapidez com que a multidão se formava ao seu redor. Com o coração disparado e o pânico começando a tomar conta, ela fez o que parecia ser a única coisa sensata: correu para o palco. Ali, ela sabia, estaria segura. Ou pelo menos, pensava que sim. Voltar ao comando das batidas era como uma válvula de escape, mas a calma foi temporária. Vinte minutos depois, quando o ritmo da música atingia seu auge, um som estridente cortou o ar — tiros. O caos se instalou rapidamente. O que deveria ser uma noite de vibração e euforia se transformou no início de um pesadelo. E o pior ainda estava por vir.Quando abriu os olhos, Elena sentiu o impacto do frio em sua pele. O chão duro sob seu corpo era úmido, e um cheiro nauseante tomava o ar, fazendo seu estômago revirar. Ela piscou algumas vezes, tentando se ajustar à escuridão opressora que a cercava. Seu primeiro instinto foi se levantar, mas o movimento repentino trouxe uma onda de tontura. Ainda assim, forçou-se a ficar de pé, os joelhos trêmulos. O coração acelerou ao perceber o que a rodeava: três paredes sólidas e uma cela de barras de ferro à frente. Uma prisão. O pânico a impulsionou para frente. Ela correu até as grades e agarrou o ferro frio com as mãos suadas. Do outro lado, um corredor estreito e mal iluminado se estendia diante dela. À esquerda e à direita, havia mais celas. Vazias. Todas vazias. — Socorrooo! — Elena gritou, sua voz ecoando pelo espaço sombrio. O silêncio que veio em resposta a fez se sentir patética. Claro que ninguém viria. Claro que quem a jogou ali não deixaria ajuda por perto. Ela tentou de novo
D ante estava à beira da exaustão, sua mente afiada como a lâmina do machado que empunhava, mas o seu interior continuava em frangalhos, dilacerado pela raiva e pelo descontrole que ele mesmo havia permitido. Ele olhava para o machado, uma extensão de sua própria raiva, e podia quase sentir o peso de seus próprios fracassos se refletindo no metal escuro. O protocolo já estava em andamento, as mulheres do Egito seriam transportadas em breve, divididas em três partes, uma operação arriscada que ele não podia deixar falhar. Mas a cabeça dele estava longe disso, perdida em um emaranhado de frustração e um desejo urgente de vingança contra a incompetência de seus subordinados. Eles haviam traído sua confiança, e agora ele precisava retomar o controle, mostrar quem comandava ali. Ele se levantou, ainda com o machado em mãos, e foi até a mesa onde deixara sua máscara. Aquele objeto, que o distanciava de sua humanidade, era o último passo antes de se transformar no que ele precisava ser: um
Enquanto isso, Demétrio quase precisou pegar Elena nos braços. A loira, ainda tomada pelo choque, tinha as pernas bambas, tremendo incontrolavelmente, enquanto as lágrimas corriam livremente por seu rosto. Com a vida difícil que levou desde a infância, ela já havia sido testemunha de muitas atrocidades, mas nada se comparava àquele ato repulsivo diante de seus olhos. Ao ser trancada novamente na cela, ela se arrastou até a parede, onde se encolheu, balançando o corpo para frente e para trás, num movimento quase automático. Era como se tentasse se acalmar, como se aquele balançar frenético fosse uma tentativa de afastar a realidade daquele lugar. Agora, mais do que nunca, temia o tal Dom Mascarado, assim como todos aqueles que ouviam seu nome em sussurros. E não era para menos. Dante não tinha piedade. Ele era implacável, um monstro que se escondia atrás de uma máscara. Mas ela sabia, de alguma forma, que todos nessa vida tinham um ponto fraco. Algo guardado nas profundezas do coração
Dante estava sentado em sua cadeira, a postura imponente e firme, uma demonstração clara de seu poder. A máscara, como sempre, escondia seu rosto, mas seus olhos brilhavam com uma intensidade ameaçadora. Ele não precisava dizer uma palavra para que qualquer um soubesse o que ele representava. O silêncio pesado no ambiente era quebrado abruptamente pela porta, que se abriu de forma brusca, revelando Firmino. O homem entrou, ganhando imediatamente a atenção de seu Dom. Firmino não pôde deixar de notar a arma sobre a mesa. Ele sabia que aquilo não era apenas um objeto qualquer — era um aviso silencioso, uma mensagem do quanto Dante estava furioso. Os dois se conheciam desde pequenos, e Firmino já havia sido ameaçado diversas vezes por Dante, mas essa era a segunda vez que via a arma do amigo sobre a mesa. A primeira foi no dia da grande tragédia. — O que estava pensando quando trouxe aquela mulher para a cela? — Dante se levantou de repente, seu corpo rígido com raiva, e encarou Firmin
Já em casa, Dante aguardava impaciente em seu escritório, os passos ressoando no chão de madeira enquanto caminhava de um lado para o outro. O copo de whisky em sua mão parecia se tornar um reflexo do que ele sentia — amargo e turbulento. Sabia que Firmino estava a caminho, trazendo consigo a tal loira herdeira dos Vasquez. Sabia também que isso poderia desencadear uma guerra, mas, ao mesmo tempo, compreendia que não havia escolha. Ele precisava se certificar de algumas coisas antes de dar o próximo passo. Manter Elena Vasquez prisioneira em sua casa, onde poucos ousavam entrar, parecia a melhor estratégia. Afinal, quem iria suspeitar de algo vindo de alguém como ele? O Dom, que há anos se isolara do mundo após o acidente trágico, não tinha contato com mais ninguém. Esse mistério, na verdade, era seu maior aliado. Além disso, ele tinha algo muito mais ambicioso em mente. O grande acordo com Alejandro Vasquez. Algo que perseguia há anos. Desde que seu avô estava à frente dos negócios
Elena sentiu uma dor leve em sua cabeça, a sensação de uma ressaca invisível. Antes mesmo que pudesse abrir os olhos, um aroma delicioso invadiu suas narinas, despertando seus sentidos. Era algo reconfortante, algo que sua memória, abalada pela confusão, reconhecia como conforto. — Elena, acorde! — A voz feminina a fez sobressaltar. Ela se sentou rapidamente na cama macia, sentindo o mundo girar um pouco antes de conseguir se estabilizar. Ao olhar para o lado, seus olhos se fixaram em uma senhora que parecia ter seus sessenta e poucos anos. Seus cabelos grisalhos estavam presos em um coque simples, e as linhas em seu rosto contavam histórias de um tempo vivido. Ela segurava uma bandeja nas mãos, e no prato, Elena reconheceu algo que parecia ser um belo prato de macarronada, com molho suculento e cheiroso. A boca de Elena se encheu de saliva, e sua mente, ainda nebulosa, não conseguiu impedir que seus olhos se fixassem no prato. A fome era um monstro, mais voraz que qualquer coisa qu
Assim que saiu do quarto de Elena, Dante se permitiu um banho rápido, mas necessário, antes de se vestir para o jantar. Como de costume, ele se acomodou na sacada de seu quarto, os olhos fixos nas ondas do mar à sua frente, que, para ele, tinham um charme ainda mais intrigante à noite. A cada minuto, um soldado passava pela areia, sua presença discreta, mas vigilante, garantindo a segurança da casa. Todos sabiam que, naquele horário, o Dom estaria ali, e a atenção nos arredores era ainda mais intensa. Se Dante olhasse mais para as laterais da praia, conseguiria avistar outros de seus homens, sempre prontos para defendê-lo de qualquer ameaça. Com a barriga roncando, ele consultou o relógio e notou, pela primeira vez em anos, que Mag se atrasara. Embora isso fosse uma anomalia, não causou qualquer inquietação em Dante. Ele sabia que sua demora estava relacionada a Elena. E, de algum modo, isso só aumentava sua curiosidade em relação à prisioneira. Seus pensamentos voltaram à loira, mai