Peguei uma tesoura e comecei a cortar suas roupas enquanto as jogava pela janela em pedaços. Era um belíssimo espetáculo para a vizinhança. Vi quando um carro de polícia chegou.
James ainda teve a audácia de me chamar de amor enquanto, escondido no banheiro, pedia perdão e dizia que tudo era um engano. Meu telefone começou a tocar, meu pai, provavelmente já sabendo, minha mãe e a droga do meu irmão, que ligava do Japão.
Não atendi ninguém. Depois de jogar as roupas caras pela janela, minha missão era destruir aquele apartamento, pedaço por pedaço. Aquele lugar que eu chamava de lar, montado com extremo bom gosto.
Tesourei as almofadas, o estofado milionário do sofá, as cadeiras. Quebrei todos os enfeites dados no dia do noivado, o vaso de 20.000 de uma tia distante que era feio de doer. Rasguei livros de colecionador e o quadro doado por algum artista da família de James.
Alguém batia na porta. Iam arrombá-la. Não importava. Nada mais me importava.
A fúria começou a doer. Perdi a vontade de viver ali. Sentei-me no sofá e chorei, solucei, por me sentir traída. Eu amava James, ou pelo menos achava que o amava, pelo menos o suficiente para criar uma família. Tinha acabado de pegá-lo no flagra com duas piranhas na cama. Eu era uma idiota iludida. Isso me enfurecia e doía.
— Vem, filha.
Senti meu pai me abraçar. Não sei como ele tinha chegado até ali, mas me abraçava. Deixei-me levar sem perceber o tumulto à minha volta. Minha mãe, me aguardava com um comprimido calmante mais potente de sua coleção.
Por dois dias, dormi e não saí do quarto. Não vi notícias. Afundei-me até me arrastar para o fundo do poço. Mas o poço era ainda mais fundo. Foi o que descobri na reunião de família, quando minha avó, a matriarca da toda-poderosa família Walker, começou a falar:
— Depois do seu escândalo absurdo, fui obrigada a gastar dinheiro com a imprensa para abafar o caso, frear um pouco a sede de sangue da imprensa. Mas nem assim. Você poderia ter sido mais discreta, não ir parar nas páginas de fofoca da internet. Sua mãe parece que não lhe ensinou nada. Mas agora vamos ao que interessa. Já passou uma semana desse absurdo. Quando você pretende falar com James e resolver as coisas com ele?
— Que coisas?
Estava em choque. Minha avó estava sugerindo que eu deveria me resolver com James depois de tudo. Ela ainda achava que existia alguma chance?
— Como assim que coisas? Não seja tonta. Você tem um casamento marcado, milhares de pessoas convidadas, já gastamos uma fortuna, e você acha que vai romper o noivado por uma bobagem?
— Bobagem? Aquele desgraçado estava na cama comendo duas mulheres, uma delas a futura madrinha de casamento, e isso é uma bobagem?
Falei mais alto do que pretendia me levantando do sofá, deixando a família em choque com minha audácia de enfrentar minha avó. Mas eu não iria ceder. Não voltaria com James.
— Quem você pensa que é para falar assim comigo? Você não passa de uma garota mimada e burra, James é de uma excelente família, com quase tanto dinheiro quanto nós. Pouco me importa o que ele fazia, e não deveria lhe importar também, já que homem é assim mesmo. Então, em vez de chorar pelos cantos, resolva isso como uma pessoa adulta.
Na sala, minha família ficou em silêncio. Minha mãe há muito tempo resignada com o destino, jamais enfrentaria a sogra. Meu pai, minha irmã, meu cunhado — que nada mais era do que um enfeite — e meu tio, irmão do meu pai, que estava ali apenas pela diversão. Ninguém tinha forças para lutar contra minha avó, a toda-poderosa Margaret Walker, matriarca da família que comandava nossas vidas com mãos de ferro. Mas nem ela era capaz de me fazer voltar com James naquele momento. Se queria me deserdar, que fizesse.
James Thompson era de uma família tradicional. Seríamos um par perfeito. O namoro começou no início da faculdade. Circulávamos pelos mesmos locais, tínhamos gostos parecidos. Foi fácil começar a sair e namorar.
Quatro anos depois, formados, ele já trabalhava ao lado do pai. Eu ainda estava decidindo o que fazer da vida. Noivamos em uma festa linda. Era o início de nossas vidas. Fomos morar juntos. O casamento seria dali a seis meses. Tudo transcorria de forma perfeita e alinhada... caso eu não tivesse chegado um dia mais cedo de viagem. Caso não tivesse resolvido fazer uma surpresa. Caso não tivesse entrado em casa e descoberto ele me traindo com duas vagabundas, uma delas minha amiga.
— E se você trabalhar comigo? Você passa um tempo na galeria, outra cidade, outro ambiente. Vai ser bom. Logo logo, vão arrumar outro escândalo, e seremos esquecidos. Vó, talvez agora seja muito recente, mas a distância faz bem.
Minha irmã era dona de uma galeria de arte em Miami. Sua ideia era que eu passasse um tempo em um cargo de curadoria de uma exposição de artistas locais. Um emprego calmo, discreto, longe da cidade, onde eu pudesse espairecer e esperar o escândalo desaparecer.
Eu queria dizer que não, mas minha avó foi categórica ao aceitar a ideia. E toda a coragem que transbordei ao destruir o apartamento se esvaziou naquela reunião de família.
Ainda usava o anel de noivado. Tirei e joguei na mesa de centro.
Meu pai disse que sabia que James não prestava. Era verdade. Ele tinha dito isso quando o conheceu no início do namoro. Usou as palavras "fraco" e "desleal". Nada disso importava desde que ele e a família continuassem milionários.
Um ano depoisSaí da galeria mais tarde do que o planejado, já era quase seis e meia da tarde e estava escuro. Miami se preparava para o Natal, que, diferente de Nova York, acontecia em um clima quente e leve. Precisava ir até o shopping Bal Harbour comprar o presente de aniversário de Annie, minha sobrinha.Já fazia um ano que estava em Miami. Já não pensava em James, na família; só trabalhava na galeria e ia para casa, um apartamento pequeno que teria deixado minha avó de cabelo em pé. Minha irmã insistia que eu deveria sair e me convidava para todos os eventos sociais, mas eu sempre ficava uma hora e ia embora. Já a peguei falando com meu pai que estava preocupada com a minha aparente apatia. Minha estadia vinha se estendendo mais do que o planejado, e minha vontade de me reerguer nem tinha começado.Minha avó, nos primeiros meses, até tinha insistido, com muitas ameaças, mas James pegou todo mundo de surpresa ao se casar em Las Vegas dois meses depois com Amelie, que nada mais era
Olhar para ela era desconcertante. Eu podia ver em seus olhos a pergunta que queria fazer, e eu não sabia se estava pronto para responder. A menina por quem eu tinha me apaixonado havia se transformado em uma bela mulher, com os cabelos loiros na altura dos ombros, olhos azuis e aquele ar de realeza que ela sempre teve. Mas ela nunca foi arrogante; achava graça em tudo, adorava uma aventura e tinha muitos sonhos.Com o passar dos anos, tive outras namoradas, mas ainda assim doeu quando soube do noivado, e doeu mais ainda quando as notícias do rompimento saíram em todos os jornais. O desgraçado a tinha feito passar por uma humilhação pública, e Elle havia reagido de uma forma que eu tinha certeza de que sua avó deve ter condenado.Agora, ela estava na minha frente. Minha vida era uma bagunça, cheia de confusão, e eu temia ter colocado a dela em risco. Mas eu lhe devia uma explicação. Ou, pelo menos, uma meia explicação.— Não vou embora. Eu preciso saber o que está acontecendo.— Vamos
Quando minha irmã ligou, eu já estava em casa, de banho tomado, com uma taça de vinho na mão, pensando sobre o que tinha acontecido. Menti, dizendo que nada de anormal havia ocorrido. Mais um dia igual aos outros. Ainda estava entorpecida pelo reencontro com Diego e pretendia beber a garrafa inteira antes de dormir zonza de tanto vinho.Fiz uma busca na internet. Eu sabia que não deveria fazer isso, mas não conseguia evitar, era mais forte do que eu. Procurei por casos policiais. Nada. Ampliei a busca, até nos registros de criminosos mais procurados, mas nada batia com a descrição dele. Poderia ser algo pior: gangues? Ele foi atacado por alguém. Um mafioso? Socorro. Enquanto esses pensamentos me consumiam, esvaziava a garrafa de vinho. Dormi bêbada e acordei perdida, com uma ressaca terrível.No meio do movimento do dia na galeria, na fase final da inauguração da próxima exposição, Diego não saía da minha mente. Sua explicação sobre ter ido embora e como era melhor acabar com o nosso
Diego me ajudou a levantar e me ajeitar. Seu carro estava estacionado na rua. Os homens estavam desmaiados ou mortos, mas tive medo de perguntar naquele momento e apenas deixei que ele me levasse até o carro.— Não podemos ir para sua casa ou para a polícia. Vamos para a casa de um amigo, fora da cidade. Depois do que aconteceu com você, nunca vou me perdoar. Vamos dar um jeito. A melhor opção é você voltar para Nova York de forma segura.Sem condições de debater qual era a melhor opção, apenas me recostei no banco do carro, enquanto Diego dirigia em alta velocidade, tentando se afastar o máximo possível da cidade. A viagem levou mais de uma hora e, quando a paisagem deu lugar apenas ao mato, senti a adrenalina baixar e dar lugar a um cansaço físico e mental. Em algum momento do trajeto, acabei dormindo. Acordei apenas quando já havíamos chegado e senti a mão de Diego em meu ombro.Era uma cabana no meio do mato.— É a cabana de um amigo. Vamos ficar aqui essa noite. Estamos no Parque
Ela me olhava com um brilho no olhar que conhecia bem, tinha esquecido que podia ser teimosa. Nosso namoro tinha durado um ano, no período em que tinha vindo com a família morar em Miami. Éramos dois garotos, com um círculo de amizades bem diferente, mas mesmo assim nosso caminho se cruzou. Teimosa e decidida, escapava dos olhos da mãe e da vizinhança rica para me encontrar na praia, sabia que a família jamais permitiria esse tipo de envolvimento, mas éramos jovens e apaixonados. Até eu ir embora. Por um instante acho que ela acreditou e até mesmo eu acreditei que podíamos levar o namoro adiante. - Ainda preciso falar com a minha irmã, ela vai acionar a polícia e, se já não sabem tudo sobre mim, vão acabar descobrindo. Não me olhe assim, é sério, eu preciso avisar que estou bem, não sei como vou explicar que estou em fuga, mas eu preciso, entende?Sem muita escolha, fui procurar nas coisas do Will um telefone irrastreável. O que Elle não sabia ainda era que o chalé era um ponto de
Eu tinha perdido o bom senso, e o vinho não estava ajudando, mas ter Diego na minha frente de banho tomado, usando uma camiseta simples e uma bermuda era demais para o meu autocontrole. Quando éramos jovens, nosso namoro foi explosivo, eu era loucamente apaixonada, experimentava o primeiro amor, muitos sentimentos e emoções novas. Eu adorava o risco de fugir da vigilância da minha mãe e ir encontrá-lo na praia ou no bairro onde morava, mesmo sendo claramente uma patricinha protegida, eu só enxergava Diego, e não via o abismo que existia entre nossas realidades. Agora eu queria que Diego jogasse tudo para o alto e deitasse nessa comigo, me abraçasse e dissesse que todos os problemas vão se resolver e que esse reencontro era uma oportunidade de ficarmos juntos para sempre. - Só me abraça e não me deixa sozinha. Ele me encarou. Eu podia ver o conflito em seu íntimo, até o momento que desistiu de lutar contra si mesmo e se aproximou da cama. Diego se deitou ao
Na manhã seguinte, o tempo amanheceu estranho. Nuvens carregadas anunciavam uma chuva forte. Na entrada Diego perguntou para o mesmo atendente entediado da noite anterior se havia alguma oficina ou lugar para conseguir um carro, ele mandou perguntar no café, que nada mais era uma loja de conveniência ao lado posto de gasolina, que no fim não estava abandonado, apesar do aspecto deprimente. Dentro do local cheirava a fritura, uma moça sorridente veio nos atender, ela era feliz demais para o local e sabia disso, o que era engraçado, porque uma mulher mais velha atrás do balcão encarava a coitada com fúria nos olhos. A moça serviu o café e foi buscar nosso pedido, avisando um tal de Dan sobre onde conseguir um carro. Algumas pessoas entraram no café, a maioria homens com cara de desânimo que estavam por ali apenas de passagem. O tal de Dan colocou a cabeça para fora da cozinha e avisou que dava para conseguir um carro, seguindo por uns cinco quilômetro
O mato estava molhado e o chão escorregadio, Diego me segurava com força pelo braço. Ele parecia ter experiência em andar naquele tipo de terreno, pois parecia saber para onde ir. A mata foi dando lugar uma floresta que foi se adensando conforme avançávamos, as árvores mais altas e grossas ofereciam proteção, podia ouvir eles gritando e nos perseguindo, podia jurar que tinha ouvido tiros. O terreno era reto, de modo que fomos seguindo sem parar, Diego sempre me guiando e segurando. Depois de um tempo não ouvimos mais nada, tive a impressão que o casal não se aprofundou floresta adentro nos perseguindo. - Diego, espera. - Precisava parar, estava sem fôlego, com as mãos arranhadas do mato, molhada, e sentindo mato grudado no meu rosto, precisava me acalmar. - Desculpa, vamos parar um pouco, acho que não estão nos perseguindo.Me sentei em tronco, meu estado era lamentável. - Precisamos parar com isso, não vai dar certo, não vamos conseguir fugir, precisamos sair daqu