Olhar para ela era desconcertante. Eu podia ver em seus olhos a pergunta que queria fazer, e eu não sabia se estava pronto para responder. A menina por quem eu tinha me apaixonado havia se transformado em uma bela mulher, com os cabelos loiros na altura dos ombros, olhos azuis e aquele ar de realeza que ela sempre teve. Mas ela nunca foi arrogante; achava graça em tudo, adorava uma aventura e tinha muitos sonhos.
Com o passar dos anos, tive outras namoradas, mas ainda assim doeu quando soube do noivado, e doeu mais ainda quando as notícias do rompimento saíram em todos os jornais. O desgraçado a tinha feito passar por uma humilhação pública, e Elle havia reagido de uma forma que eu tinha certeza de que sua avó deve ter condenado.
Agora, ela estava na minha frente. Minha vida era uma bagunça, cheia de confusão, e eu temia ter colocado a dela em risco. Mas eu lhe devia uma explicação. Ou, pelo menos, uma meia explicação.
— Não vou embora. Eu preciso saber o que está acontecendo.
— Vamos entrar. Vou tentar te contar.
Ada nos olhou, pensou em dizer algo, mas desistiu e seguiu para a garagem da casa. Sentindo meu corpo moído e fraco, fui para o quarto, pois já não aguentava mais ficar de pé. Elle me seguiu e, assim que chegou, puxou uma cadeira.
— Desculpe de novo por te colocar nessa situação. Eu te vi na garagem e, por um instante, pensei que era uma miragem. Não pensei muito. Eu sabia que você não iria me expulsar do carro ou me entregar. Não era minha intenção te fazer passar por isso.
— O que está acontecendo, Diego? Um dia, você simplesmente desapareceu da face da terra, sem nenhuma explicação, e agora aparece esfaqueado, fugindo provavelmente da polícia ou sei lá de quem. Não, você não vai me mandar embora sem uma explicação. Eu não sou mais uma adolescente boba e exijo saber o que está acontecendo.
Brava, ela ficava ainda mais linda, se é que era possível. Decidi contar uma versão da verdade. Ela não precisava saber mais do que o necessário, tanto sobre o passado quanto sobre o futuro.
— Claro, vou te contar. Primeiro, o que aconteceu sete anos atrás foi simples. Minha mãe recebeu um aviso de despejo. As coisas já não estavam muito boas em casa, então pioraram. Junto com isso, veio a notícia de que minha tia, no México, estava com problemas de saúde e precisava de cuidados. Sem ninguém para ajudá-la, minha mãe decidiu que voltaríamos para lá. Ficamos morando com minha tia e, um dia, eu e meus irmãos tentaríamos recomeçar aqui. Você estava viajando com seus pais naquele fim de semana, e foi quando juntamos nossas coisas e fomos embora, aproveitando uma carona com um vizinho.
— Por que você não ligou avisando? Uma mensagem, um e-mail, qualquer coisa! Você simplesmente sumiu, Diego. Eu mandei milhares de mensagens, até mesmo recados pelos seus parentes, e nada.
— Elle, a gente não tinha futuro. Não havia por que alimentar uma ilusão. Você era uma menina rica, de uma família tradicional, e ainda é. Eu era um adolescente de uma família que mal tinha onde morar, com irmãos pequenos correndo risco de passar fome. Minha mãe me disse que aquele era o momento ideal para eu parar de me iludir. Cortar todo e qualquer contato.
— Você não pensou em como eu me sentiria? Em como eu ficaria? Eu chorei por meses. Eu fui até onde você morava por dias, e ninguém me falava nada!
Elle agora me olhava com lágrimas nos olhos, lutando contra o choro de tantos anos acumulado. Senti peso na consciência por não contar toda a verdade, mas ela não precisava saber do resto. Eu fui embora e cortei contato. Era isso.
Ela respirou fundo e perguntou sobre o que havia acontecido. Mais uma vez, optei por uma meia verdade.
— Voltei há alguns anos e resolvi ser policial. Tenho um tio, por parte de pai, que é detetive em Miami e me ajudou com os processos. Eu consegui, mas me envolvi com coisas erradas, ilegais. Fui expulso e agora tenho problemas tanto com a justiça quanto com alguns bandidos. Para resumir: você não precisa saber tudo o que fiz. Não importa. Eu não me tornei uma boa pessoa. Não sou uma boa pessoa. Sou um homem que está fugindo. Por isso, preciso que vá embora, esqueça que me viu e continue com a sua vida.
Elle ficou calada. Eu sempre entendi muito bem seus pensamentos, e percebi que, mesmo depois de tantos anos, ainda conseguia ler sua expressão. Ela não acreditava cem por cento na minha explicação. Mesmo sem saber tudo o que fiz nesses anos, ainda acreditava que eu não era uma pessoa má, que não era capaz de fazer algo contra a lei. Senti uma emoção dentro do peito que precisava abafar. Precisava que ela fosse embora. Precisava garantir que nunca mais nos veríamos.
— E mesmo assim, você entrou no meu carro.
— Eu sei. Peço desculpas novamente. Eu não deveria ter feito isso.
Ela se levantou e andou pelo quarto, olhando em volta como se procurasse uma solução. Por fim, decidiu que eu estava certo.
— Espero que melhore e resolva sua vida. Eu vou embora. Obrigada pela explicação.
E saiu porta afora. Não demorou para eu ouvir o ruído do motor do carro. Elleanor, a minha linda Elle, tinha ido embora. Desta vez, duvidava que nos encontraríamos novamente.
Quando minha irmã ligou, eu já estava em casa, de banho tomado, com uma taça de vinho na mão, pensando sobre o que tinha acontecido. Menti, dizendo que nada de anormal havia ocorrido. Mais um dia igual aos outros. Ainda estava entorpecida pelo reencontro com Diego e pretendia beber a garrafa inteira antes de dormir zonza de tanto vinho.Fiz uma busca na internet. Eu sabia que não deveria fazer isso, mas não conseguia evitar, era mais forte do que eu. Procurei por casos policiais. Nada. Ampliei a busca, até nos registros de criminosos mais procurados, mas nada batia com a descrição dele. Poderia ser algo pior: gangues? Ele foi atacado por alguém. Um mafioso? Socorro. Enquanto esses pensamentos me consumiam, esvaziava a garrafa de vinho. Dormi bêbada e acordei perdida, com uma ressaca terrível.No meio do movimento do dia na galeria, na fase final da inauguração da próxima exposição, Diego não saía da minha mente. Sua explicação sobre ter ido embora e como era melhor acabar com o nosso
Diego me ajudou a levantar e me ajeitar. Seu carro estava estacionado na rua. Os homens estavam desmaiados ou mortos, mas tive medo de perguntar naquele momento e apenas deixei que ele me levasse até o carro.— Não podemos ir para sua casa ou para a polícia. Vamos para a casa de um amigo, fora da cidade. Depois do que aconteceu com você, nunca vou me perdoar. Vamos dar um jeito. A melhor opção é você voltar para Nova York de forma segura.Sem condições de debater qual era a melhor opção, apenas me recostei no banco do carro, enquanto Diego dirigia em alta velocidade, tentando se afastar o máximo possível da cidade. A viagem levou mais de uma hora e, quando a paisagem deu lugar apenas ao mato, senti a adrenalina baixar e dar lugar a um cansaço físico e mental. Em algum momento do trajeto, acabei dormindo. Acordei apenas quando já havíamos chegado e senti a mão de Diego em meu ombro.Era uma cabana no meio do mato.— É a cabana de um amigo. Vamos ficar aqui essa noite. Estamos no Parque
Ela me olhava com um brilho no olhar que conhecia bem, tinha esquecido que podia ser teimosa. Nosso namoro tinha durado um ano, no período em que tinha vindo com a família morar em Miami. Éramos dois garotos, com um círculo de amizades bem diferente, mas mesmo assim nosso caminho se cruzou. Teimosa e decidida, escapava dos olhos da mãe e da vizinhança rica para me encontrar na praia, sabia que a família jamais permitiria esse tipo de envolvimento, mas éramos jovens e apaixonados. Até eu ir embora. Por um instante acho que ela acreditou e até mesmo eu acreditei que podíamos levar o namoro adiante. - Ainda preciso falar com a minha irmã, ela vai acionar a polícia e, se já não sabem tudo sobre mim, vão acabar descobrindo. Não me olhe assim, é sério, eu preciso avisar que estou bem, não sei como vou explicar que estou em fuga, mas eu preciso, entende?Sem muita escolha, fui procurar nas coisas do Will um telefone irrastreável. O que Elle não sabia ainda era que o chalé era um ponto de
Eu tinha perdido o bom senso, e o vinho não estava ajudando, mas ter Diego na minha frente de banho tomado, usando uma camiseta simples e uma bermuda era demais para o meu autocontrole. Quando éramos jovens, nosso namoro foi explosivo, eu era loucamente apaixonada, experimentava o primeiro amor, muitos sentimentos e emoções novas. Eu adorava o risco de fugir da vigilância da minha mãe e ir encontrá-lo na praia ou no bairro onde morava, mesmo sendo claramente uma patricinha protegida, eu só enxergava Diego, e não via o abismo que existia entre nossas realidades. Agora eu queria que Diego jogasse tudo para o alto e deitasse nessa comigo, me abraçasse e dissesse que todos os problemas vão se resolver e que esse reencontro era uma oportunidade de ficarmos juntos para sempre. - Só me abraça e não me deixa sozinha. Ele me encarou. Eu podia ver o conflito em seu íntimo, até o momento que desistiu de lutar contra si mesmo e se aproximou da cama. Diego se deitou ao
Na manhã seguinte, o tempo amanheceu estranho. Nuvens carregadas anunciavam uma chuva forte. Na entrada Diego perguntou para o mesmo atendente entediado da noite anterior se havia alguma oficina ou lugar para conseguir um carro, ele mandou perguntar no café, que nada mais era uma loja de conveniência ao lado posto de gasolina, que no fim não estava abandonado, apesar do aspecto deprimente. Dentro do local cheirava a fritura, uma moça sorridente veio nos atender, ela era feliz demais para o local e sabia disso, o que era engraçado, porque uma mulher mais velha atrás do balcão encarava a coitada com fúria nos olhos. A moça serviu o café e foi buscar nosso pedido, avisando um tal de Dan sobre onde conseguir um carro. Algumas pessoas entraram no café, a maioria homens com cara de desânimo que estavam por ali apenas de passagem. O tal de Dan colocou a cabeça para fora da cozinha e avisou que dava para conseguir um carro, seguindo por uns cinco quilômetro
O mato estava molhado e o chão escorregadio, Diego me segurava com força pelo braço. Ele parecia ter experiência em andar naquele tipo de terreno, pois parecia saber para onde ir. A mata foi dando lugar uma floresta que foi se adensando conforme avançávamos, as árvores mais altas e grossas ofereciam proteção, podia ouvir eles gritando e nos perseguindo, podia jurar que tinha ouvido tiros. O terreno era reto, de modo que fomos seguindo sem parar, Diego sempre me guiando e segurando. Depois de um tempo não ouvimos mais nada, tive a impressão que o casal não se aprofundou floresta adentro nos perseguindo. - Diego, espera. - Precisava parar, estava sem fôlego, com as mãos arranhadas do mato, molhada, e sentindo mato grudado no meu rosto, precisava me acalmar. - Desculpa, vamos parar um pouco, acho que não estão nos perseguindo.Me sentei em tronco, meu estado era lamentável. - Precisamos parar com isso, não vai dar certo, não vamos conseguir fugir, precisamos sair daqu
Peguei uma tesoura e comecei a cortar suas roupas enquanto as jogava pela janela em pedaços. Era um belíssimo espetáculo para a vizinhança. Vi quando um carro de polícia chegou.James ainda teve a audácia de me chamar de amor enquanto, escondido no banheiro, pedia perdão e dizia que tudo era um engano. Meu telefone começou a tocar, meu pai, provavelmente já sabendo, minha mãe e a droga do meu irmão, que ligava do Japão.Não atendi ninguém. Depois de jogar as roupas caras pela janela, minha missão era destruir aquele apartamento, pedaço por pedaço. Aquele lugar que eu chamava de lar, montado com extremo bom gosto.Tesourei as almofadas, o estofado milionário do sofá, as cadeiras. Quebrei todos os enfeites dados no dia do noivado, o vaso de 20.000 de uma tia distante que era feio de doer. Rasguei livros de colecionador e o quadro doado por algum artista da família de James.Alguém batia na porta. Iam arrombá-la. Não importava. Nada mais me importava. A fúria começou a doer. Perdi a von
Um ano depoisSaí da galeria mais tarde do que o planejado, já era quase seis e meia da tarde e estava escuro. Miami se preparava para o Natal, que, diferente de Nova York, acontecia em um clima quente e leve. Precisava ir até o shopping Bal Harbour comprar o presente de aniversário de Annie, minha sobrinha.Já fazia um ano que estava em Miami. Já não pensava em James, na família; só trabalhava na galeria e ia para casa, um apartamento pequeno que teria deixado minha avó de cabelo em pé. Minha irmã insistia que eu deveria sair e me convidava para todos os eventos sociais, mas eu sempre ficava uma hora e ia embora. Já a peguei falando com meu pai que estava preocupada com a minha aparente apatia. Minha estadia vinha se estendendo mais do que o planejado, e minha vontade de me reerguer nem tinha começado.Minha avó, nos primeiros meses, até tinha insistido, com muitas ameaças, mas James pegou todo mundo de surpresa ao se casar em Las Vegas dois meses depois com Amelie, que nada mais era