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Capítulo 5

Priscila Barcella

Semanas depois

Já tem cinco semanas que os meus sobrinhos estão aqui, a minha vida está um caos, literalmente um inferno.

Comecei a seguir o tratamento recomendado pela médica, mas a primeira vez foi assustadora e a sensação de medo persiste. A Nina rejeita a mamadeira e a chupeta, fazendo um escândalo quando não é o seio. Com a responsabilidade de cuidar dos meus outros três, especialmente Iris e Italo, juntamente com o trabalho, acabo cedendo e amamentando a Nina para acalmá-la, já que não tenho ajuda durante a noite. Após mamar, a Nina se acalma e se torna um bebê tranquilo. Às vezes, fico com ela no escritório de madrugada, onde ela dorme no meu colo ou me observa trabalhar. Mesmo quando chora, emite apenas um chorinho suave.  

Inicialmente, a Nina sofria com cólicas, mas graças aos conselhos da Natália, aprendi a lidar melhor com a situação. Preocupada em evitar o retorno do choro, iniciei um tratamento para aumentar a produção de leite, mas até o momento não obtive sucesso. Reconheço que o processo não é fácil, rápido ou necessariamente eficaz. Tenho enfrentado febres frequentes, dores na coluna e desconforto no peito.  

Apesar de tentar evitar ao máximo o contato com as outras crianças, tem sido desafiador, pois já contratei várias babás que não permaneceram, eu parei de contar na quadragésima. Estou correndo contra o tempo para finalizar um projeto importante com a Master-cacau, vendo o tempo  apresentar cada vez mais próximo. A dificuldade em me concentrar no trabalho é evidente, visto que preciso sair da empresa várias vezes ao dia para amamentar a Nina, muitas vezes fazendo isso no carro para evitar estresse no trânsito e em casa.  

Recebi a documentação escolar das crianças recentemente, porém ainda não decidi onde matriculá-las. Embora tenha considerado escolas militares, me deparei com a recusa na entrevista devido ao comportamento do Ítalo. Agora, busco uma escola que ofereça um futuro promissor para os três, sem separá-los, considerando opções internas e semi-internas. Enfrento o desafio de encontrar uma escola adequada que atenda a todas as necessidades dos meus sobrinhos e torço para que não sejam expulsos, pois pretendo enviá-los juntos, caso opte por uma escola na Suíça.

Estou exausta de tanto sono, sem um minuto de paz. Estou me esforçando ao máximo para não deixar isso afetar meu trabalho, pois se eu perder meu emprego, as coisas vão piorar ainda mais.

— Você está pensando na morte da bezerra, Priscila — sussurrou Filipe no meu ouvido, trazendo-me de volta à sala de reuniões.

— Desculpa, é que sua voz me dá sono — respondi no mesmo tom, mas a verdade é que estou exausta. Nina tem acordado muito durante a noite desde que tomou a vacina e teve febre. Não tenho ajuda à noite e desde a chegada das crianças, mal sei o que é dormir. Sempre dormi no máximo quatro horas, mas agora, se consigo dormir um hora, é muito.

— Priscila, você fechou quatro grandes contratos, mas e o projeto da campanha da Master-cacau? É crucial para a empresa avançar. Espero que não nos decepcione — disse um dos sócios da empresa presente na sala.

— Sim, senhor, estou finalizando essa campanha. Só preciso encontrar o diferencial certo. Além disso, hoje minha equipe conseguiu mais duas campanhas milionárias — respondi, tentando esconder que, desde a chegada das crianças, mal consegui trabalhar na campanha da Master-cacau. Precisei focar nas outras campanhas e, sinceramente, não sei como fazer uma campanha de chocolate com tantas restrições.

— Você trabalha nesta empresa há muitos anos? — perguntou outro sócio.

— 16 anos, senhor. Comecei nos serviços gerais e consegui um estágio — respondi.

— Sempre foi uma ótima funcionária. Espero não ter que te demitir, senhorita Barcella — disse um acionista como sempre querendo colocar pressão.

— Por isso sempre digo: 'Não coloquem mulheres em cargos tão altos'. Elas são bombas-relógio, de repente os hormônios gritam — comentou Felipe, seguido de risadas dos presentes. Engoli em seco, não podia perder o emprego, tenho muitas bocas para alimentar, mas aquilo me corroía por dentro.

— Você está me diminuindo por poder gerar uma vida. Você é primitivo. Nós, mulheres, somos tão capazes quanto os homens, e você sequer aguentaria 1% da minha rotina — respondi, a raiva crescendo a cada palavra dele eu deveria ter ficado calada, mas não consegui.

— Claro, eu ficaria entediado, trabalhar, dormir e relaxar — ironizou ele.

— Quem me dera poder simplesmente dormir. — falei em um sussurro e nestas horas sinto falta do Max pelo menos ele não deixaria nem está conversa ter começado.

Neste momento, Joyce me chamou e fui até a porta, já sabendo que não era uma boa notícia pela expressão dela.

— A babá foi embora, a Josefa não pode ficar com eles. Ana e Sebastião e os outros funcionários até tentaram, mas a Josefa teve medo de você precisar pagar recisão para todos. Eles estão no carro, Nina não para de chorar — disse Joyce, realmente preocupada.

—Quando a reunião terminar, irei até lá. Por favor, encontre outra babá. Preciso matriculá-los ainda hoje em uma escola — respondi, preocupada.

Respirei fundo antes de voltar à sala de reuniões, onde todos voltaram seus olhares para mim ao entrar.

— Está tudo bem? — perguntou meu chefe.

— Sim, posso fazer a apresentação? — perguntei, vendo um senhor idoso entrar na sala.

— Desculpe o atraso — ele se desculpou.

Reconheci imediatamente o senhor Marino FOS, o dono da empresa. Respirei fundo, bebi um pouco de água, muito nervosa para falar a verdade.

O senhor Fos sempre acreditou no meu potencial. Não posso falhar. É uma sensação que não experimento há muito tempo. O medo de não conseguir dá o meu melhor.

— Senhor Marino, que bom tê-lo aqui. A senhorita Priscila iria apresentar o que está sendo desenvolvido para a campanha da babypom— meu chefe informou.

— Os responsáveis pela Babypom estão aqui. Posso pedir para entrar, se não se importam — propôs.

— Está com pressa, Barcella? — Felipe provocou. Respirei fundo, a mistura de profissional com pessoal não me ajuda.

— Algum problema? — o senhor Marino perguntou, e jurava ter ouvido o choro de Nina. Devo estar enlouquecendo.

Tudo aconteceu muito rápido. Eu procurava as palavras certas para explicar meu problema aos chefes, mas, nesse momento, meus sobrinhos entraram correndo na sala de reuniões, seguidos pelos seguranças.

— O que essas crianças estão fazendo aqui? — perguntou meu chefe, e eu já podia sentir que seria demitida.

— Senhor, essas crianças entraram sem aviso. Quer que eu chame a polícia? — sugeriu um dos guardas, enquanto Nina começava a chorar mais alto.

— Sim, para encontrar os responsáveis —  disse Felipe se intrometendo, antes mesmo do senhor Fos se manifestar, e só então acordei para a situação.

— Não será necessário. Essas crianças são minhas. Venham cá — disse, pegando Nina nos braços. Entre dentes bem irritada. — O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei a eles em um sussurro, mas fui interrompida.

— Desculpa, mãe. A Nina estava enlouquecendo todo mundo naquele carro — explicou Iris, e a palavra "mãe" me surpreendeu. Sabia que todos na sala estavam olhando espantados, mas o olhar de Iris me fez perceber que ela com certeza tramou tudo, como pode ser tão ingênua e não prever isso?

Respirei fundo mais uma vez. Meu emprego estava em jogo, e sabia que eles estavam fazendo de tudo para me fazer perder o emprego.

— Você deixou seus filhos sozinhos no carro? — perguntou Flipe.

— Eu estava entediado, mãe — disse Ítalo, e foi a gota d'água para tmim.

— Deveriam ter pensado antes de fazer a babá ir embora. Mas não cantem vitória ainda. Eu não desisto facilmente e vamos parar com está palhaçada — falei séria, olhando para eles. — E estão de castigo.

— De novo — resmungou Ítalo.

— E sem resmungar, vocês vão ficar de castigo até aprenderem a se comportar como gente. Eu não sei como o pai de vocês conseguiram não dá a minima educação — falei nervosa e a minha vontade era puxar os dois pelas orelhas e tirar eles da minha vista ou melhor da minha vida — Já falei a vocês mil vezes sobre misturar minha vida profissional com pessoal.

— Que são como água e óleo, não se misturam. Desculpa, eu não queria vir, mas o tio Sebastião precisou ir ao banheiro e eu não queria ficar sozinha —  explicou Isabela, agarrando minha perna e colocando a chupeta na boca, escondendo-se quando Iris a encarou com um olhar sério.

— Então, o que estão fazendo aqui? — perguntei.

— Já falamos, a Nina está com fome — disse Iris, mas sabia que não era só por isso. Aquela mente ardilosa estava tramando algo pior.

— E eu estava entediado — acrescentou Ítalo.

— E ficarão ainda mais entediados se eu perder o emprego. Agora, os três podem ir andando calmamente até o carro e me esperar lá.

— É simples, é só nos deixar voltar para a casa, queremos voltar para o Piauí. La o painho sempre ficava conosco... — fiquei tão furiosa e sabia que estava completamente vermelha e deixei claro que não queria ouvir o nome do pai deles, nem que o termo papai e painho fosse mencionado na minha presença.

— Não falar dele é proibido — afirmou Isabela bem baixinho com o rosto escondido nas minhas pernas.

Já tinha proibido eles de mencionarem aquele homem, que nunca fez nada além de se aproveitar da minha irmã.

— Nem vamos começar, eu não sou uma desocupada. E iris você não é mais um criancinha sabe perfeitamente porque vocês estão morando comigo. — falei e o Italo fez cara de choro. — Podem chorar, fazer greve, o que quiserem. Já está decidido. Vocês têm que se contentar comigo. Preciso de uma babá e do esforço de vocês. Então, saiam logo — ordenei aos três, que se prepararam fazendo bico, cruzando os braços e formando uma fila. — Antes de irem, pensem em desculpas para os senhores.

— Desculpe por atrapalhar — disse Iris.

A Isabela foi até o senhor Fos e meu coração gelou.

— Você é o chefe? — ela perguntou e ele sorriu para ela.

— Eu sou sim — ele falou e ela o chamou para ele se abaixar e ela falou alguma coisa no ouvido dele. — Não se preocupe ela é a melhor — ele falou e ela o abraçou.

E veio correndo ate mim e puxou a minha calça.

— Desculpa — ela pediu com aquela voz doce e quando sorriu apareceu as covinhas.

— Perdão, não queríamos ser inconvenientes — falou Ítalo falou revirando os olhos.

Eles se encaminharam para sair da sala, e Nina começou a tentar tirar minha blusa. Tentei respirar pela milésima vez para não enlouquecer.

Não podia acreditar que estavam fazendo aquilo, e não sabia como consertar a situação.

— São lindos, as meninas se parecem com você — comentou Felipe com um tom irônico.

— Todos dizem que sou a cara da minha mãe, e como ela é muito linda, fico feliz porque quer dizer que eu sou linda — respondeu Isabela, e era verdade que eles se pareciam muito com ela.

Joyce entrou como uma louca, e vi Sebastião logo atrás.

—Desculpe, senhora, me distraí por alguns minutos e quando percebi, eles tinham desaparecido do carro — explicou rapidamente, com cansaço na voz. — Mas isso não se repetirá, prometo.

— Não faça promessas que não pode cumprir. Vocês ultrapassaram os limites — disse, virando-me para olhá-los. — Vocês deveriam falar a verdade para os senhores...

— Quero sorvete — anunciou Ítalo me ignorando por completo.

— De jeito nenhum, vocês estão de castigo.

— Se os nossos pais estivessem aqui...

— Sem chantagens.

— Senhora, mas os pais deles morreram, deixe-os tomar sorvete.

— Não, eles não merecem.

Eu pedi para a Joyce tirá-los da sala de reuniões, mas na mesma hora, um rapaz mais ou menos da minha idade entrou. Ele tem cabelos pretos, pele branca como a neve, olhos azuis e lábios avermelhados. Ele é musculoso, poderia facilmente ser confundido com o filho da Branca de Neve, mas na verdade é o Max, filho do dono da empresa.

— Cheguei na hora da festa — ele disse com um sorriso divertido, e a situação só piorou. Não sabia como sair daquela saia justa em que me colocaram.

Percebi que Max parou quando me viu e o seu olhar era de surpresa ao meu ver e depois olhar para a bebê no meu colo, eu não devolve a minha pequenininha justamente por saber que ia ser pior se ela fosse com a Joyce.

Mas eu não fazia a menor ideia que ele estaria aqui hoje ele vive fugindo de mim desde que falei que não queria âncoras na minha vida.

Eu senti um calafrio percorrer minha espinha sem saber o que se passava pela cabeça dele.

— Que bom que você veio filho — o pai dele falou com um sorriso gentil.

— Desculpa o atraso. — ele falou tentando se recompor.

— Peço desculpas. Vocês sabem que nunca deixo minha vida pessoal interferir no trabalho, e essa situação não se repetirá — expliquei. Nesse momento, Nina começou a chorar quando a impedi de alcançar algo que queria ela só tem três meses, mas é muito decidida.

— Os filhos da senhorita Barcella... pelo visto não é senhorita. O pai deles faleceu e a vida dela está um caos. Bom pai não pais pelo visto visto eles são filhos de tiquinho, tiquinho de um tiquinho de outro. Eles são uns pestinhas — disse Felipe com um sorriso no rosto como se tivesse vencido alguma coisa.

— Não são pestinhas. Eu sei que eles deram entrando aqui desta forma. Eles podem ser crianças complicadas, mas você não têm o direito de chamá-los assim. Eles perderam os pais sim. E não se preocupe, os três serão punidos, mas não os chamem de pestes. — respondi, chateada. Apenas eu podia falar assim deles.

Max então sugeriu que a Joyce levasse as crianças para tomar sorvete. Ele sabia perfeitamente que eles não eram os meus filhos acho que ele e a Joyce são os únicos que sabem um pouco da minha vida.

— E a bebê? — perguntou o senhor Salles

— Desculpe, esqueci de entregá-la — respondi.

— Posso segurá-la? — Max ofereceu nitidamente emocionado e eu não entendi porque ele estava agindo daquela maneira.

— Ela não vai com estranhos. E está com fome... — expliquei, constrangida.

— Ela está quase tirando sua roupa — brincou Max.

— Sim, está na hora da mamada. Desculpem-me mais uma vez — falei, olhando para todos na sala.

— Não peça desculpas, Priscila. Se precisar de uns dias, passaremos a campanha para o Felipe. Você tem direitos — disse Marino.

— Não precisa, eu dou conta. Só preciso de uma babá para controlar esses quatro — expliquei, interrompida por Max que se aproximou um pouco demais de mim.

— Priscila... Você sempre foi reservada. Meus pêsames pelo seu marido — disse senhor Salles.

— Ela não era casada — o Max falou antes que eu pudesse falar. — Melhor damos uma pausa — ele sugeriu olhando para o pai.

— Vá amamentar primeiro. Podemos esperar. Confio em seu trabalho — disse Marino, amigável.

Agradeci e fui para minha sala. Comecei o ritual de amamentação, agradecendo por Nina ser tranquila. Enquanto alimentava a pequena, refleti sobre meus sobrinhos terríveis e a confusão que causaram ao fazer parecer que eu era a mãe deles.

Continua...

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