Rafaela Carvalho
O mundo ao meu redor parecia um borrão indistinto, como se eu estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar. O zunido do motor do carro ressoava alto, mas o único som que realmente ecoava dentro de mim era o martelar frenético do meu coração. Minhas mãos ainda tremiam. O peso da minha bebê em meus braços era real, quente, mas nem mesmo o calor do corpinho frágil de Laurinha conseguia me ancorar no presente. O medo enroscava-se na minha garganta como uma corrente invisível, apertando, sufocando. A simples ideia de que Max pudesse estar gravemente ferido me deixava à beira do desespero. Eu não sabia de nada. Não sabia se ele estava consciente. Se estava respirando. Se estava... Fechei os olhos com força, tentando afastar os pensamentos catastróficos. O pânico consumia cada parte de mim, uma chama devoradora que subia pelo meu peito, queimando. — Rafa, olha pra mim. — A voz de Priscila soou firme, mas carregada de um carinho que eu não sabia se merecia. Levantei meus olhos para os dela e, naquele instante, vi o mesmo medo refletido em seu olhar. — Ele vai ficar bem. — Havia tanta convicção em suas palavras que, por um segundo, quis me agarrar a elas, desesperada para acreditar. Mas meu peito ainda doía. Minhas lágrimas continuaram caindo, salgadas, quentes, sem controle. — Meu pai morreu em um acidente de carro. — Minha voz saiu baixa, trêmula, carregada de lembranças que eu tentava manter enterradas. — Eu não posso perder o Max assim. Priscila apertou minha mão com mais força, como se tentasse me segurar no presente, mas eu já não sabia se estava aqui ou se tinha sido arrastada de volta para aquele dia. O telefone tocando no meio da noite. O choro desesperado da minha mãe. O mundo desabando ao meu redor. — Meu pai também ia ficar bem... — sussurrei, mais para mim mesma do que para ela. — Foi isso que me disseram. E então... ele nunca mais voltou para casa. Meus braços apertaram Laurinha instintivamente, protegendo-a, como se o calor dela pudesse impedir que eu me despedaçasse por completo. O silêncio encheu o carro. Apenas o ronco do motor e minha respiração trêmula quebravam o vazio sufocante. — Rafa... — A voz de Liam veio baixa, paciente, cuidadosa. Fechei os olhos, tentando conter o choro que queimava minha garganta. — Eu não posso perder ele. — Minha voz falhou no final. Eu tentei. Deus sabe que eu tentei ser forte. Mas aquele medo, aquele pavor profundo e irracional, já fazia parte de mim há anos. — Ele vai ficar bem. — Priscila insistiu, sua mão ainda segurando a minha. — Max é forte. Ele é cabeça dura. Ele vai sair dessa. Queria acreditar. Mas o medo era um monstro que me devorava viva. E até ver Max, até ouvir sua voz, até sentir seu calor... eu não sabia se conseguiria respirar direito. --- Assim que o carro parou em frente ao hospital, saltei, desesperada. Meus olhos varreram a sala de espera até encontrarem Léo. Ele estava sentado, e o fato de não estar com Max fez um arrepio gelado subir pela minha espinha. — Oi, meu bem. — Josefa foi a primeira a falar, se aproximando para abraçar Léo antes de lhe depositar um selinho. — Como ele está? — Oi, Querubim. — Léo respondeu, sua voz sempre tranquila, mas logo seus olhos se voltaram para Priscila. Ele beijou a testa dela antes de pegar Nina no colo. Minha paciência estava se esgotando a cada segundo. Meu coração martelava forte contra o peito. — Mas e o Max... como ele está? — Minha voz saiu ansiosa, quase suplicante. Léo finalmente olhou para mim. Seu abraço veio rápido, apertado, mas, ao invés de me acalmar, só aumentou minha inquietação. — O seu namorado está bem. — Sua voz era serena, como se aquilo não fosse a urgência que era para mim. — Os médicos pediram mais um exame, mas é só precaução. O Rômulo está de plantão e virá falar com a gente em breve. Meu sogro falava com uma calma que me fazia querer gritar. Mas até ver Max com meus próprios olhos, até sentir sua pele quente sob meus dedos, até ouvir sua voz rouca e teimosa dizendo que estava bem... nada no mundo poderia me tranquilizar. Notei uma leve mudança na expressão de Priscila quando Léo mencionou o nome de Rômulo. Seu rosto endureceu por um segundo. O que foi isso? Antes que eu pudesse perguntar, um enfermeiro se aproximou. — O Max já está no quarto. O doutor Rômulo avisou que virá assim que sair da cirurgia. Ele já pode receber visitas, mas apenas uma pessoa por vez. Meu corpo reagiu antes que minha mente processasse as palavras. --- Segui o enfermeiro até o quarto. Assim que a porta se abriu, meu coração disparou. Max estava ali. Vivo. Mas... não estava sozinho. Uma mulher, vestida com um jaleco branco, estava perigosamente próxima dele. Quase deitada sobre ele. Meu alívio instantâneo foi interrompido por algo quente e ácido subindo pelo meu peito quando meus olhos captaram a cena à minha frente. A mão dela descansava sobre o peito dele, de um jeito que não tinha nada de profissional. Como se aquele toque lhe pertencesse. O nome no crachá brilhou como um alerta. Violet. Ela parecia confortável demais ali. E o pior? O brilho satisfeito que reluziu em seus olhos por um breve instante antes de seu rosto assumir uma expressão neutra. — O que diabos está acontecendo aqui? — Minha voz saiu afiada, cortante, como uma lâmina prestes a ferir. Violet ergueu os olhos para mim, e um sorrisinho discreto apareceu em seus lábios. Como se tivesse sido pega no flagra fazendo exatamente o que queria. — Ah, você deve ser a nova namorada. A forma como ela disse isso... como se quisesse testar algo, medir uma reação. Mas eu mal prestei atenção nela. Porque, no segundo seguinte, Max tentou se mexer e uma careta de dor atravessou seu rosto. — Max! — Meu instinto me empurrou para frente. Minha mão encontrou a dele, apertando com urgência. Seus olhos se iluminaram ao me ver. — Rafa... — Sua voz saiu rouca, cansada, e minha garganta apertou. — Não se mexe. Você está machucado. Ele apertou minha mão de volta. E, naquele instante, todo o medo que me consumia pareceu se condensar. — Eu tô bem, só um pouco dolorido. Só um pouco dolorido? Eu quase enlouqueci de preocupação e ele falava como se tivesse torcido o tornozelo! Meu olhar voltou para Violet. Max percebeu e franziu a testa. — Você já pode ir, Violet eu estou com a minha mulher agora. Ela hesitou. O suficiente para me deixar em alerta. — Claro, Max. Mas qualquer coisa, estarei por perto. Estarei por perto. As palavras ficaram no ar como um aviso. Mas, agora, era minha vez de estar perto. Mordi o lábio, tentando engolir a irritação crescente. Meu peito ainda subia e descia de forma irregular, e meu estômago estava revirado. O medo ainda agarrava minhas entranhas, mesmo depois de vê-lo acordado. — Bom, agora sou eu quem está perto. — Minha voz saiu mais baixa do que eu queria, mas carregada de intenção. Sentei na beira da cama e deslizei os dedos pelo rosto de Max. Sua pele estava quente, e a barba por fazer roçou contra minha palma. Meu toque era suave, quase hesitante, como se eu precisasse confirmar que ele estava ali, vivo, inteiro. Max me observou por um momento antes de sorrir de leve — aquele sorriso torto e preguiçoso que sempre fazia meu coração vacilar. Mas dessa vez, havia algo a mais ali… Algo sombrio, um peso que eu conhecia bem. Ele levou minha mão até os lábios e a beijou com ternura, os olhos cravados nos meus, me segurando no lugar como se eu fosse a única coisa que importava. — Ainda bem. Eu tava precisando da minha mulher. Meu peito apertou. — Eu fiquei tão preocupada… — murmurei, deslizando os dedos com delicadeza até sua têmpora. O corte na testa estava fechado por pontos, um lembrete cruel do susto que ele me deu. Max suspirou e passou a língua pelos lábios ressecados. — Eu não vi o poste… — Ele fez uma careta de dor, como se revivesse o impacto por um segundo. — Mas isso não vai me impedir de acabar com a vida da Marina… A mudança no tom da voz dele foi brusca. Antes doce, agora carregada de ódio. Meu peito se apertou ainda mais. — Para com isso, Max. Ela ainda é sua mãe… Os olhos dele brilharam com uma fúria fria e cortante. — Ela deixou de ser minha mãe no minuto em que matou a Mavie. Um arrepio subiu pela minha espinha. Eu sabia que ele carregava essa dor, esse rancor sufocante, mas vê-lo dizer isso em voz alta… Sentir o peso dessas palavras escapar de seus lábios… foi diferente. O silêncio entre nós se estendeu, denso como neblina. Eu podia ouvir o bip ritmado do monitor cardíaco, os passos distantes no corredor, mas nada parecia mais alto do que a respiração de Max, que se tornava cada vez mais pesada. Toquei seu rosto novamente, dessa vez sentindo a tensão na sua mandíbula travada. — E a minha filha? Você deixou com a Priscila? — ele perguntou preocupado. — Está com a mãe aí fora, ela está bem — falei tranquila. Max relaxou um pouco ao saber que Nina estava segura, mas seu olhar ainda carregava sombras. Seu peito subia e descia devagar, como se estivesse tentando conter a raiva que o consumia por dentro. Meu coração apertou. Eu queria tanto aliviar a dor dele, arrancar aquela expressão de fúria de seu rosto e substituí-la pelo sorriso preguiçoso que sempre me desarmava. Mas eu sabia que não era tão simples. Nada era, quando se tratava de Max e Marina. Engoli em seco, tentando mudar o foco. — Você precisa descansar, Max. Seu corpo levou um impacto forte. — Minha mão ainda estava sobre a dele, meus dedos deslizando em círculos na sua pele, tentando acalmá-lo. Ele bufou, impaciente. — Eu já descansei demais. Eu quero ir para casa — Você acabou de sofrer um acidente de carro, Max. — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. — Não vai a lugar nenhum tão cedo. Ele resmungou, mas seus dedos apertaram os meus com mais força, como se quisesse se agarrar à minha presença. Seu olhar intenso encontrou o meu, e por um momento, toda a irritação cedeu espaço para algo mais profundo. — Você ficou com medo? — Sua voz saiu mais baixa, mais suave. Engoli em seco, sentindo minha garganta apertar. — Fiquei apavorada. — Confessei, sem rodeios. — Achei que ia te perder. Ele suspirou, passando a mão livre pelo rosto, como se tentasse afastar a culpa que crescia dentro dele. — Desculpa, Rafa. Eu... não queria te assustar. — Não me peça desculpas. Só... não faça isso de novo. Um sorriso cansado brincou nos lábios dele. — Vou tentar. Suspirei, sabendo que isso era o máximo que eu conseguiria dele. Max nunca foi do tipo que prometia coisas que não podia cumprir. — Rafa — a Priscila falou com a Nina no colo. — Eu queria saber sobre o Max. Max tentou se ajeitar na cama, ignorando a dor evidente, os olhos fixos em Nina. O cansaço ainda estava estampado em seu rosto, mas, ao ver a filha, algo nele mudou. O olhar duro, carregado de raiva e preocupação, se dissolveu, dando espaço a uma ternura que derreteu algo dentro de mim. — Vem cá, meu amor — ele murmurou, estendendo os braços para a Nina. Priscila hesitou por um segundo, mas se aproximou, colocando Nina com cuidado no peito dele. A bebê se aninhou contra Max imediatamente, soltando um suspiro baixinho enquanto sua mãozinha gordinha se fechava na camisa do pai. Foi só então que Max relaxou completamente, como se só naquele instante seu coração desacelerasse de verdade. — Meu Deus, como eu amo essa menina — ele sussurrou, pressionando um beijo no topo da cabecinha dela. Meu peito apertou ao vê-lo assim. Max, sempre tão forte, tão obstinado, parecia frágil agora, segurando Nina como se fosse seu maior tesouro. — Ela ficou inquieta desde que chegamos aqui — Priscila disse baixinho. — Como se sentisse que algo estava errado. — Porque essa menina é esperta igual ao pai dela — Max respondeu, com um sorriso cansado. Priscila cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha. — Se for esperta mesmo, puxou a mim. — Sonha, Pris. O jeito como trocaram farpas com naturalidade me fez perceber que, apesar de tudo, ainda existia uma conexão entre eles que não podia ser negada. Não era mais o amor romântico que tiveram um dia, mas algo forte ainda estava ali. E eu não sabia como me sentia em relação a isso. — Bom, agora que você viu que sua filha está bem, podemos finalmente te convencer a descansar? — Léo perguntou, a voz carregada de paciência. Max suspirou, mas não discutiu. Em vez disso, ajeitou Nina em seu peito, fechando os olhos por um instante enquanto a acariciava. — Fica comigo até eu dormir? — Ele pediu, baixinho, me olhando com um cansaço que me desmontou. Meus lábios se curvaram num sorriso suave. — Claro que sim. Me acomodei ao lado dele na cama hospitalar, ignorando qualquer desconforto. Max suspirou ao sentir meu toque e, aos poucos, sua respiração ficou mais lenta, mais profunda. Seus dedos ainda estavam entrelaçados aos meus quando ele finalmente adormeceu. Aos poucos o movimento no quarto ficou mais calmo e a Josefa trouxe a Laurinha um pouco, já que a minha menina estava um pouco enjoada, mas não teve jeito e precisei sair deixando o meu sogro com o Max. Fui até a recepção do hospital tentando acalmar a Laura quando esbarrei em alguém. — Rafaela? Meu coração pulou uma batida. Lentamente, virei-me e encarei Murilo, o filho do meu ex, agora médico, com seu jaleco impecável e um crachá que mal se via, mas que anunciava sua profissão. Seus olhos, surpresos e um tanto incertos, encontraram os meus, como se tentassem entender o que eu estava fazendo ali. — Murilo... — minha voz saiu baixa, quase em um sussurro, carregada de uma mistura de surpresa e um leve nervosismo. Ele hesitou por um instante, os olhos oscilando entre mim e o carrinho com Laurinha. Então, com a voz trêmula de quem tenta esconder o espanto, perguntou: — Você... teve um bebê? Naquele instante, o tempo pareceu desacelerar. Senti meu peito apertar ao olhar para a pequena Laurinha, que, curiosa, fitava o ambiente com aqueles olhinhos atentos. Tentei reunir forças para responder: — Sim, essa é a Laura, e o wir você faz aqui em São Paulo garoto? Enquanto falava, observei Murilo processar a notícia. Ele passou a língua pelos lábios, como se quisesse encaixar essa nova realidade que se apresentava diante dele. Os olhos dele se suavizaram, e pude notar um misto de surpresa e um resquício de algo que talvez fosse nostalgia. — Ela é linda... parece com você — disse ele, quase em um sussurro, como se não quisesse perturbar o delicado momento. — Você mais do que ninguém sabe que a vida naquela casa era sufocante assim que me formei vim para cá, eu não entendi o motivo de você ter saído da empresa do meu pai. Eu sabia que ele ia tocar neste assunto. — Eu recebi uma oportunidade de trabalho melhor — menti. — Mas você está bem? — ele perguntou procurando algum sinal de machucado. — Estou, meu marido é que sofreu um acidente de carro, mas está bem... Murilo demorou um instante para processar minhas palavras. Seus olhos escuros brilharam com algo que eu não soube decifrar de imediato, os lábios entreabertos, como se quisesse perguntar mais, mas não soubesse por onde começar. — Seu marido? — ele repetiu, a voz carregada de incredulidade. Assenti, ajeitando Laura no carrinho. — Sim, o Max. Ele piscou algumas vezes, como se aquilo não fizesse sentido em sua cabeça. — Então... você seguiu em frente? Havia algo na forma como ele disse aquilo, um resquício de surpresa misturada com um sentimento que eu não sabia dizer se era alívio ou nostalgia. — A vida seguiu, Murilo — respondi baixinho. Ele abaixou a cabeça por um instante, respirando fundo antes de me encarar novamente. Seu olhar estava diferente, como se estivesse vendo algo que nunca imaginou ver. — Eu sempre soube que tinha algo estranho entre você e o meu pai — murmurou, e dessa vez sua voz soou mais amarga. — Mas você sempre foi boa pra gente. Diferente da minha madrasta… Uma pontada de culpa passou por mim, mas não havia mais espaço para aqueles fantasmas. — Eu amava vocês, Murilo — disse, sincera. — E nunca quis te magoar. Ele soltou um riso seco. — Eu sei. Talvez por isso sempre tenha torcido pra você encontrar algo melhor. E parece que encontrou. Antes que eu pudesse responder, meu sogro se aproximou. — Rafa, eu vou ter que ir resolver um probleminha na empresa. A Josefa está com o Max. Qualquer coisa, me liga. Ele beijou minha cabeça e depois a de Laura, que resmungou baixinho. — Tchau, princesa do vovô. Murilo observou a cena com um brilho indecifrável nos olhos. Quando Léo se afastou, ele soltou um suspiro. — Você realmente está em outra vida agora. Passei a mão na mantinha de Laura, tentando ignorar a estranha pontada no peito. — Sim, e estou feliz. Ele assentiu lentamente, como se estivesse tentando aceitar aquilo. — Isso é bom. Você merece. E, pela primeira vez desde que o vi, o sorriso dele foi sincero. ©©©©©©©©© Continua... Desculpa a demora para postar minha vida está uma grande correria e eu também fiquei doente estou a uma semana tendo muita febre uma gripe muito forte.Priscila BarcellaFoi bom demais ver que o Max estava bem. Eu vinha me culpando tanto pelo acidente, sentindo um peso esmagador no peito, mas vê-lo ali, inteiro, apesar de tudo, me trouxe um alívio que nem sabia que precisava.Me acomodei no sofá ao lado de Liam, observando Josefa com Laurinha no colo e Léo brincando com Nina. Os dois eram avós babões de um jeito que aquecia o coração. A cena me fez sorrir, mesmo com tudo ainda embaralhado na minha mente.Suspirei, encostando a cabeça no peito de Liam. O calor do seu abraço foi imediato, forte e seguro, e por um segundo fechei os olhos, tentando absorver aquela sensação.— Ainda bem que ele não teve nada grave… — minha voz saiu baixa, um misto de alívio e culpa. — Mas eu deveria ter contado sobre a Mavie antes. Se eu tivesse dito a verdade, nada disso teria acontecido.Liam deslizou os dedos suavemente pelo meu braço, seu toque gentil contrastando com o peso das minhas palavras.— Você não pode carregar essa culpa, Pri. O que acontece
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q
Priscila Barcella Depois de um voo de três horas e meia, aluguei um carro e dirigi por mais cinco horas, finalmente chegando em um pequeno povoado do município de Santo Antônio dos Milagres. A estrada era de terra e parecia que o tempo naquele lugar passava em câmera lenta e pouquíssimas coisas tinham mudado em 16 anos. As casas eram simples e a única diferença era nos fios de energia e novas construções, mas mesmo assim parecia existir apenas uma rua e uma praça como novidade.Fui devagar pela estrada de terra batida até chegar na casinha onde crescemos. Pouquíssimas coisas tinham mudado, mas a única diferença era que, além do reboco, a pequena casa estava pintada de branco, que já estava amarelada, com dois quartos. Apesar de ser bem diferente da minha cobertura, estar naquele lugar me causava arrepios, como se as paredes pudessem falar ou apenas de ver sentir os arrepios pelo meu corpo me pedindo para fugir daquele lugar.A casa estava cheia, e respirei fundo antes de sair do carr
Priscila Barcella — O que eu faço com o bebê? — perguntei a mim mesma, sem saber o que fazer. Assim que entrei no quarto, coloquei-a na cama e a cercou de travesseiros, pois precisava tomar um banho. Fui para o banheiro e deixei a água tirar o suor e, junto com ele, as lágrimas. Eu precisava manter uma postura firme, mas minha irmã era toda a família que eu tinha. Enquanto começava a me ensaboar, ouvi um chorinho que se intensificava a cada minuto. Sem saber o que fazer, parei o banho, coloquei uma toalha rapidamente e peguei o bebê no colo, mesmo ainda estando molhada. — Eu não sou a mamãe — falei quando ela tentou pegar meus seios desesperadamente. Ela estava com fome e eu não tinha o que ela queria. Mesmo sendo uma e meia da manhã, decidi ligar para Natália, minha única amiga que sempre me ajudava. Embora não nos víssemos muito desde que ela se casou, teve filhos e se mudou para o litoral, ela sempre arranjava tempo para se envolver na minha vida, principalmente na parte am
Priscila Barcella Natália teve que ir para casa às cinco da manhã para uma reunião em Campinas. A Nina chorou quase o tempo todo. Com um conta-gotas, conseguimos que ela comesse um pouco, mas era muito complicado. De acordo com Natália, ela estava com sono. Como não sabia o que fazer, a Nina tentava a todo custo pegar meu seio e desistia. Ela só dormiu no meu peito. Eu dei para ela ver que não havia nada lá, mas não imaginei que ela usaria isso como chupeta. Era uma sensação tão estranha e dolorosa. Tive que escolher entre a dor de cabeça causada pelo choro incessante ou a dor física, e o simples fato de ela ter parado de chorar já era um avanço.Eu acabei não dormindo, mas como não podia faltar a reunião de hoje, fui me arrumar para ir à empresa. Coloquei a Nina na cama mesmo ela choramingando. Desci com a bebê no colo e a Josefa estava na cozinha. Pelo som do forró, sabia que ela estava cozinhando. Justamente hoje era o dia de folga da moça da limpeza, e a minha cozinheira já tinha
Priscila Barcella Não consegui falar nada, nem consegui tirá-la de perto de mim. Eu estava assustada, o bebê chorava ainda mais alto e eu a peguei no colo com medo de ela também ter se machucado. Os paramédicos fizeram os primeiros socorros, colocaram-na na maca e eu estava em choque ao vê-la naquele estado. A bebê parou de chorar e quando olhei, ela estava sugando o meu seio, mas não tinha chegado no bico do peito porque estava vestida. Apenas começou a me babar e acho que ouviu o meu coração. Neste mesmo minuto, Josefa abriu os olhos e estava com uma expressão de dor. — Meu braço está doendo — ela falou com a voz rouca. — Vamos levá-la para o hospital — um dos socorristas falou, olhando para mim. — Você não deveria ter deixado sua mãe sozinha com seus filhos — ela continuou, e pude ver o julgamento em seu olhar. E quem ela pensa que é para se meter na minha vida? — Eu trabalho aqui — Josefa tentou se explicar como se quisesse me defender. — Não fale, Josefa, sei que você está
Priscila Barcella Semanas depois Já tem cinco semanas que os meus sobrinhos estão aqui, a minha vida está um caos, literalmente um inferno.Comecei a seguir o tratamento recomendado pela médica, mas a primeira vez foi assustadora e a sensação de medo persiste. A Nina rejeita a mamadeira e a chupeta, fazendo um escândalo quando não é o seio. Com a responsabilidade de cuidar dos meus outros três, especialmente Iris e Italo, juntamente com o trabalho, acabo cedendo e amamentando a Nina para acalmá-la, já que não tenho ajuda durante a noite. Após mamar, a Nina se acalma e se torna um bebê tranquilo. Às vezes, fico com ela no escritório de madrugada, onde ela dorme no meu colo ou me observa trabalhar. Mesmo quando chora, emite apenas um chorinho suave. Inicialmente, a Nina sofria com cólicas, mas graças aos conselhos da Natália, aprendi a lidar melhor com a situação. Preocupada em evitar o retorno do choro, iniciei um tratamento para aumentar a produção de leite, mas até o momento não
Priscila Barcella Quando Nina terminou de mamar, ajeitei as coisas com ela no colo e me sentei novamente, sentindo as lágrimas escorrerem. Ultimamente, minhas emoções estão descontroladas, devido aos hormônios que tomo para amamentar Nina. — Me desculpa, pequenininha. Eu não sou como ela. Você é meu amorzinho. Me promete que não vai me odiar, como seus irmãos, porque você é a única criança que gosta de mim — falei, beijando Nina e logo sentindo um cheiro forte. — Ai, meu amor, você fez o número dois. Isso eu nunca vou entender. Como uma coisinha dessas pode fazer um estrago tão grande?Ela ia começar a choramingar, mas comecei a beijar sua barriguinha depois de limpá-la. — Você quer ouvir uma música? Sua vovó cantava para mim, sabia? — falei, arrumando a roupinha dela. — Meu anjinho, meu anjinho — comecei a cantar calmamente. E não sei por que Nina é a única pessoa que consegue me trazer paz. Estava cantando com um sorriso no rosto, pois ela sorria para mim, quando alguém bateu