Priscila Barcella Acordei no meio da madrugada, sentindo um olhar sobre mim. Pisquei algumas vezes, tentando me situar, até encontrar Liam me observando com um sorriso sereno, os olhos brilhando com aquele afeto tranquilo que só ele sabia ter. — Dorme, amor… ainda é muito cedo — ele murmurou, deslizando os dedos pela minha bochecha com uma delicadeza que quase me fez chorar. Seu polegar traçou um caminho leve até o canto dos meus lábios, como se quisesse guardar meu sorriso mesmo quando eu dormisse. Fechei os olhos por um instante, me permitindo sentir aquela paz. A mão dele repousou em minha nuca, fazendo um carinho sutil e contínuo, como quem embala um segredo. Era tão bom tê-lo ao meu lado, sentir sua presença como um cobertor macio ao meu redor, como se nada pudesse me atingir. Mas a tranquilidade durou pouco. A lembrança das palavras de Ricardo me atingiu como uma lâmina fria: "Ela é a cara da irmã." O ar pareceu pesar nos meus pulmões. Um nó se formou na minha garganta, e a
Max FoxÉ madrugada. A luz do quarto do hospital é fraca, e o silêncio só é quebrado pela respiração pesada de Rafaela dormindo. Ela murmura algo enquanto se remexe levemente. Ajeito o lençol sobre ela, tentando proteger o pouco de paz que ainda conseguimos manter. Mas meu peito aperta.Eu não consigo dormir.Não com esse gosto amargo na boca. Não com a lembrança do que minha mãe fez com a minha filha. E a culpa... a maldita culpa de saber que, se eu tivesse estado com a Priscila, nossa filha estaria viva. Estaria bem.A vontade que me consome é de sair desse hospital agora, voando até onde quer que ela esteja, e acabar com tudo. Com as próprias mãos, se fosse preciso. Mas, como sempre, ela está fora do país. Viajando. Luxando com o meu dinheiro. Com esse dinheiro maldito que, no fim das contas, custou a vida da minha filha.Levanto devagar. Desconecto o suporte do soro e começo a andar pelos corredores descalço, como um fantasma vagando pelos próprios erros. Parte de mim sente culpa
Max Fox “Priscila, precisamos conversar. É sobre a Mavie.”Minhas mãos tremiam enquanto eu encarava o celular. A mensagem estava escrita, pronta pra ser enviada. Um toque e tudo mudaria.— Max... — Rafaela se aproximou, com a voz suave, mas séria. — Espera.Olhei pra ela, a respiração acelerada.— Eu não posso esperar, Rafa. E se ela estiver viva? Eu preciso falar com a Priscila.Ela tocou meu braço, tentando me trazer de volta pro chão.— Eu sei. Mas… você já pensou no que essa mensagem vai causar nela?Pisquei, confuso.— Rafaela…— Não dá pra simplesmente mandar: “Oi, Priscila. A nossa filha pode não estar morta. A sua filha, aquela por quem você chora todos os dias em silêncio há quatro anos, pode estar viva. E sei lá, talvez esteja em qualquer lugar do mundo com pessoas que a gente nem conhece.”Ela falou de forma calma, mas firme. Suas palavras me atingiram como uma facada.— Você não sabe como ela sofreu, Max. Eu vi. Vi como ela se calou, como ela enterrou isso tão fundo que a
Priscila BarcellaAcordei com aquele chorinho que eu já conhecia de longe. Nina. Era suave, manhoso, mas insistente — como se estivesse me chamando de volta pro mundo. E, de certa forma, estava mesmo.Me espreguicei devagar, ainda com o corpo pesado da madrugada, e fui até o berço. Assim que me viu, seus olhinhos brilharam, e os bracinhos se agitaram no ar, como se dissessem: "Você demorou, mamãe."— Bom dia, meu amor — sussurrei, pegando-a nos braços com o cuidado de quem carrega o próprio coração fora do peito.Ela se aconchegou em mim com aquele cheirinho de leite morno e tranquilidade, e eu fechei os olhos por um instante, sentindo aquele pequeno milagre respirando contra o meu pescoço. Era nesses segundos que eu lembrava por que ainda aguentava tudo.— Mamãe... — a voz sonolenta da Belinha me alcançou, meio engolida pelo travesseiro.Me aproximei da cama dela e me sentei com Nina no colo. A luz da manhã ainda era tímida no q
Priscila BarcellaDepois que o Liam saiu para trabalhar e levou o Ítalo e a Ísis para a escola, fiquei em casa com as menores. Mas, por mais que tentasse me distrair, meus pensamentos estavam longe. Estavam com o Max. Um aperto insistente no peito me lembrava, o tempo todo, do acidente. E, mesmo sabendo que eu não podia controlar tudo, me sentia culpada.— Mamãe, o que foi? — Belinha perguntou, tocando meu rosto com carinho e beijando minha bochecha. Seu gesto me arrancou um sorriso suave.— O que você acha de irmos visitar o tio Max? — perguntei, tentando soar animada.Os olhos dela brilharam.— Sim! Ouviu, Nina? Vamos ver o seu pai! — Nina bateu as mãozinhas, empolgada. — Ela também quer, mamãe! Depois podemos sair?— Podemos sim — falei, me levantando com cuidado e ajeitando Nina no colo. Fomos até o estacionamento, e mesmo com o trânsito um pouco pesado, o caminho até o hospital foi tranquilo. Belinha conversava com
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q
Priscila Barcella Depois de um voo de três horas e meia, aluguei um carro e dirigi por mais cinco horas, finalmente chegando em um pequeno povoado do município de Santo Antônio dos Milagres. A estrada era de terra e parecia que o tempo naquele lugar passava em câmera lenta e pouquíssimas coisas tinham mudado em 16 anos. As casas eram simples e a única diferença era nos fios de energia e novas construções, mas mesmo assim parecia existir apenas uma rua e uma praça como novidade.Fui devagar pela estrada de terra batida até chegar na casinha onde crescemos. Pouquíssimas coisas tinham mudado, mas a única diferença era que, além do reboco, a pequena casa estava pintada de branco, que já estava amarelada, com dois quartos. Apesar de ser bem diferente da minha cobertura, estar naquele lugar me causava arrepios, como se as paredes pudessem falar ou apenas de ver sentir os arrepios pelo meu corpo me pedindo para fugir daquele lugar.A casa estava cheia, e respirei fundo antes de sair do carr
Priscila Barcella — O que eu faço com o bebê? — perguntei a mim mesma, sem saber o que fazer. Assim que entrei no quarto, coloquei-a na cama e a cercou de travesseiros, pois precisava tomar um banho. Fui para o banheiro e deixei a água tirar o suor e, junto com ele, as lágrimas. Eu precisava manter uma postura firme, mas minha irmã era toda a família que eu tinha. Enquanto começava a me ensaboar, ouvi um chorinho que se intensificava a cada minuto. Sem saber o que fazer, parei o banho, coloquei uma toalha rapidamente e peguei o bebê no colo, mesmo ainda estando molhada. — Eu não sou a mamãe — falei quando ela tentou pegar meus seios desesperadamente. Ela estava com fome e eu não tinha o que ela queria. Mesmo sendo uma e meia da manhã, decidi ligar para Natália, minha única amiga que sempre me ajudava. Embora não nos víssemos muito desde que ela se casou, teve filhos e se mudou para o litoral, ela sempre arranjava tempo para se envolver na minha vida, principalmente na parte am